Publicada em 08/11/2025 às 09h04
PORTO VELHO (RO) - A capital de Rondônia viveu nesta semana um colapso na coleta de lixo urbana, transformando bairros inteiros em depósitos improvisados de resíduos. O episódio, batizado nas redes como “guerra do lixo”, escancarou o descompasso entre decisões administrativas, a atuação da empresa contratada e a paciência da população, que passou dias enfrentando o mau cheiro, moscas e sacolas acumuladas nas calçadas.
Desde o fim de outubro, moradores de diversos bairros relatam falhas e atrasos na coleta. O problema ganhou proporções críticas após a substituição da empresa responsável pelo serviço. A nova contratada, o consórcio ECO PVH, ainda em fase de transição, não conseguiu implantar uma logística capaz de atender de forma regular os 70 bairros de Porto Velho. O resultado foi um cenário de descuido urbano, agravado pelas primeiras chuvas, que arrastaram lixo pelas ruas e bueiros entupidos.
A Agência Reguladora e de Desenvolvimento de Porto Velho (ARDPV) reagiu com firmeza. Em despacho assinado pelo diretor técnico Alex Teixeira, a autarquia deu 48 horas para que a ECO PVH comprovasse o cumprimento das rotas de coleta, apresentando registros fotográficos, relatórios de pesagem e plano emergencial de atendimento. O documento também advertiu a empresa sobre multas diárias de até 1% do valor total do contrato, limitadas a 30%, além da possibilidade de rescisão. O órgão, presidido por Oscar Dias Neto, destacou em nota pública que “atua com transparência e técnica para garantir o direito do cidadão a serviços públicos de qualidade”.
Enquanto a fiscalização avançava, a prefeitura endurecia o tom. O prefeito Léo Moraes (Podemos) publicou um vídeo em seu Instagram afirmando que “Porto Velho tá um caos com esse lixo nas ruas” e responsabilizou o contrato herdado da gestão anterior. “Recentemente, os órgãos de controle e a Justiça determinaram o cancelamento do contrato antigo e a contratação de uma nova empresa”, disse. Segundo ele, a administração já havia notificado a concessionária e exigido resposta imediata. “Demos 24 horas pra empresa apresentar um plano de trabalho e 48 horas pra resolver tudo, sob pena de multa. Isso é uma herança que recebemos, mas não vamos permitir esse descaso”, afirmou.
No dia seguinte, o ex-prefeito Hildon Chaves, em entrevista ao programa Informa na Hora, reagiu às declarações. Disse ter entregue o sistema de coleta “funcionando”, destacando que o certame realizado em sua gestão contou com duas grandes empresas do setor. “Participaram a terceira maior do Brasil e a sétima. A Marquise ganhou e assinou o contrato, estava tudo certo. Entra o novo prefeito, cancela o contrato da Marquise. E a herança é minha?”, questionou. Para ele, o imbróglio que se seguiu foi resultado de “uma confusão jurídica de Tribunal de Contas e Judiciário”, que acabou determinando nova licitação.
Enquanto o embate político tomava corpo, a cidade afundava em sujeira. Ruas do centro, bairros periféricos e até distritos do Baixo Madeira foram tomados por montanhas de lixo. As imagens circularam nas redes sociais e nos noticiários, com moradores relatando a presença de ratos e o risco de doenças.
A coluna Resenha Política, do jornalista Robson Oliveira, classificou a situação como “tragédia da coleta de resíduos sólidos”, observando que a literalidade das decisões e o formalismo burocrático desconsideraram a complexidade da logística urbana. Para o colunista, a lentidão dos processos administrativos e judiciais criou “um labirinto de ineficiência”, no qual a população acabou pagando o preço da inércia.
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O contraste com períodos anteriores foi inevitável. Quando o serviço era executado pela ECO Rondônia, havia regularidade diária na coleta, e raramente se via o acúmulo de detritos nas vias. Com a ECO PVH, a transição contratual revelou deficiências logísticas e falta de planejamento, o que obrigou o próprio município a agir como fiscalizador emergencial.
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Períodos de transição exigem preparo técnico e continuidade, sob risco de colapso sanitário — o que de fato ocorreu. O descumprimento contratual, somado à morosidade das decisões judiciais, resultou num problema que transcende o administrativo e alcança o campo da saúde pública.
O episódio serve de lição amarga: nenhuma mudança de gestão ou de empresa pode deixar uma capital inteira à mercê da podridão e do descaso. O lixo, antes invisível, tornou-se símbolo de um conflito institucional e político que só reforça o abismo entre a letra fria da norma e a vida real das cidades.
Por outro lado, em nota pública divulgada na última sexta-feira (07), a Prefeitura de Porto Velho reafirmou seu compromisso em fiscalizar com rigor a execução contratual e agir com transparência. O município informou que pode aplicar multa de R$ 753.717,33 ao consórcio EcoPVH, devido às falhas reiteradas na coleta, com base na Cláusula Décima Primeira do contrato e na Lei nº 14.133/2021. O documento destaca que a medida é respaldada por relatórios técnicos e ocorrências registradas pela Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seinfra), apontando inexecução parcial grave. Além da possibilidade de penalidade, a empresa foi novamente notificada a apresentar um Plano de Ação Corretiva imediato. A Prefeitura enfatizou que “atua de forma rápida, técnica e rigorosa para garantir a continuidade do serviço essencial” e reafirmou seu compromisso com a legalidade, a transparência e o respeito à população de Porto Velho, que “merece organização, eficiência e responsabilidade”.



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