Publicada em 07/11/2025 às 10h30
PORTO VELHO (RO) - Rondônia sempre foi terra plural. Nasceu e cresceu sob a égide do suor dos imigrantes brasileiros — nordestinos, sulistas, paulistas, goianos — que cruzaram o país para erguer um estado do nada, movidos pela promessa de prosperidade e pela fé em um futuro melhor. É uma terra de acolhimento, construída por quem veio de fora e aqui fincou raízes. Por isso, não se trata de rechaçar quem chega, mas de distinguir o legítimo migrante, que soma à identidade rondoniense, do oportunista de veneta — aquele que mal sabe o nome da capital, ignora as distâncias continentais e, ainda assim, pretende governar o que não conhece.
Foi o ex-prefeito de Porto Velho, Hildon Chaves, quem deu nome ao incômodo. Ao chamar de “alienígenas” os personagens que desembarcam em Rondônia em busca de palanque, ele verbalizou o que boa parte da população já sente: o estado cansou de servir de trampolim para projetos pessoais e aventuras políticas embaladas em discursos patrióticos ou messiânicos. Rondônia amadureceu e já não aceita ser figurante em enredos importados de Brasília, Rio ou São Paulo.
O caso de Benevenuto Daciolo, o Cabo Daciolo, é sintomático. Transferiu o título eleitoral para Rondônia, acenou com uma possível candidatura ao Senado e, semanas depois, anunciou pré-candidatura à Presidência da República. Sua relação com o estado se resume ao registro eleitoral. Em entrevistas, chegou a confundir a geografia amazônica com teorias conspiratórias, citando a “privatização dos rios da Amazônia” e misturando religião, geopolítica e desinformação. Para quem vive a realidade da BR-364 esburacada, dos apagões e da ausência de políticas públicas adaptadas à Amazônia real, o discurso soa, no mínimo, deslocado.
A prática é antiga. Desde o episódio de Múcio Athayde — o “Homem do Chapéu” que declarou sem pudor ter “pago por todos os votos” obtidos em Rondônia —, figuras de fora têm tratado o estado como uma espécie de reduto eleitoral descartável. De lá para cá, o mesmo enredo se repete: personagens de passagem, slogans importados e promessas genéricas que evaporam assim que as urnas se fecham.
O editorial do Rondônia Dinâmica, publicado em outubro sob o título “Hildon toca na ferida”, já havia diagnosticado essa reincidência de aventureiros travestidos de salvadores. O portal lembrou que a política rondoniense foi ciclicamente invadida por “herdeiros do método Múcio Athayde” — candidatos que substituem o pertencimento por marketing e o compromisso por autopromoção. Hoje, em vez de distribuir pão e leite, como fazia o velho coronelismo, distribuem vídeos nas redes e frases messiânicas, prometendo redenção nacional a partir de um estado que sequer conhecem.
A família Bolsonaro agora tenta repetir o script. Jair Bolsonaro chegou a avaliar Rondônia como um dos possíveis destinos para seu retorno político, e seu filho, o vereador Carlos Bolsonaro, passou a ser cogitado como candidato ao Senado. O motivo não é o amor pela Amazônia, mas a conveniência eleitoral: com resistência em Santa Catarina e desgaste no Rio de Janeiro, Rondônia seria o “porto seguro” ideal. A movimentação escancarou o desprezo pelo eleitor local, tratado como massa de manobra em um tabuleiro de poder familiar.
O resultado desse modelo já é visível. Em Santa Catarina, a imposição do nome de Carlos Bolsonaro provocou um racha na própria direita, dividindo o PL e afastando lideranças tradicionais. A briga do clã com a deputada Ana Campagnolo estampou as manchetes do noticiário nacional.
Tudo em nome de um projeto pessoal — o de perpetuar o sobrenome Bolsonaro no Senado, ainda que à custa de alianças regionais e da coesão partidária. Se essa lógica chegar a Rondônia, a história se repetirá: o estado será novamente usado como trampolim e, depois, esquecido.
É preciso deixar claro: Rondônia acolhe quem quer somar, não quem quer se servir. O povo rondoniense não precisa de messias nem de dinastias. Precisa de representantes que entendam as distâncias de suas estradas, as carências de seus municípios, o drama dos que vivem entre o extrativismo e o agronegócio.
Rondônia não é pouso para aventureiros. É terra de gente que constrói, trabalha e decide o próprio destino. Por isso, dizer “não” a forasteiros oportunistas não é rejeitar quem vem de fora — é defender a identidade política de um estado que aprendeu, à custa de decepções, que o poder deve vir de quem realmente pertence à sua realidade. Nem Daciolo, nem Carlos Bolsonaro. Rondônia já amadureceu o suficiente para saber quem fala por ela — e quem apenas fala sobre ela.



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