Publicada em 13/11/2025 às 09h22
PORTO VELHO (RO) - A Síndrome de Caco Antibes, o personagem do programa Sai de Baixo cujo bordão era: “Eu tenho horror a pobre!”, acometeu a vereadora bolsonarista Sofia Andrade. Ela, em sua ânsia para encaminhar pessoas em situação de rua de volta às suas cidades de origem, representa, assim, a consolidação de uma lógica higienista que transforma pobreza em delito e vulnerabilidade em inconveniência urbana. O discurso, registrado em vídeo e reforçado em postagens públicas, estrutura-se na premissa de que indivíduos sem moradia seriam agentes de ameaça ou desordem e, por isso, passíveis de expulsão sumária. Ao ecoar o modelo de Florianópolis — onde o prefeito Topázio Silveira Neto utiliza a Assistência Social como filtro de entrada de pessoas — a vereadora de Porto Velho incorpora elementos de uma política que já é investigada por possível violação ao direito constitucional de ir e vir.
A repercussão pública evidencia que a maioria das reações ao pronunciamento da vereadora foi de repulsa. Várias manifestações também destacaram o teor discriminatório do discurso, classificando-o como “aporofobia e crime”, questionando se a vereadora estaria propondo “caçar seres humanos pelas ruas”, e lembrando que Rondônia “é formada por migrantes que vieram em busca de uma vida melhor”. Outros comentários apontaram contradições internas da fala, como: “Se a senhora não nasceu em Porto Velho, pode ir embora também”; “quem rouba é daqui mesmo”; “isso é eugenia”; e “é triste ver político que nunca leu a Constituição”. Houve ainda críticas à tentativa de imitar políticas de outros estados, afirmando que “estão copiando o que há de pior” e que a vereadora estaria apenas “fazendo sensacionalismo político”. Ainda que existam apoios isolados, o volume e o teor predominante das reações demonstram que o discurso encontrou resistência majoritária entre os cidadãos.
O vídeo divulgado por Sofia Andrade estabelece um padrão discursivo baseado em hostilidade e presunção de criminalidade. A vereadora aborda os indivíduos com frases como: “Ei, indivíduo, o que você tá fazendo aqui no nosso município?” e afirma que eles estariam “roubando, matando, fazendo não sei o que”. A repetição é deliberada e culmina na recomendação direta: “bota no ônibus e manda esse [...] pra "ponte que caiu" de onde quer que ele tenha saído”.
Em outro trecho, sintetiza o objetivo: “Nós temos que mandar esse povo embora do nosso município e os que ficam aqui têm que trabalhar ou ser preso se tiver mandato de prisão”. A formulação associa pobreza, deslocamento e criminalidade, legitimando a ideia de que remover pessoas é uma espécie de política pública.
Embora Porto Velho enfrente problemas estruturais como o recente problema, ainda em vigor, sobre a coleta de lixo — um cenário que deveria mobilizar esforços administrativos — o argumento aparece apenas como contexto irônico: enquanto a cidade convive com um colapso operacional, o alvo da vereadora são cidadãos vulneráveis, não os problemas de infraestrutura.
A referência direta que Sofia Andrade faz ao “que acontece hoje no sul do Brasil” conecta sua proposta ao modelo adotado em Florianópolis. Ali, o prefeito Topázio Neto instalou um posto da Assistência Social na rodoviária para identificar quem chega “sem emprego ou moradia” e fornecer passagem de volta. O próprio prefeito declarou que “mais de 500 pessoas já foram devolvidas” pela equipe.
O Ministério Público Federal abriu notícia de fato para verificar se a prática viola a liberdade de locomoção — direito assegurado pelo artigo 5º, XV, da Constituição Federal, e pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. O Ministério Público de Santa Catarina e a Defensoria Pública fizeram o mesmo. Especialistas foram categóricos: não há amparo legal para impedir circulação dentro do território brasileiro. A antropóloga Lilia Schwarcz classificou a medida como forma de “eugenia social”.
Ao replicar essa lógica em Porto Velho, Sofia Andrade propõe que a capital rondoniense adote o mesmo mecanismo de filtragem populacional, transformando assistência social em instrumento de expulsão.
Além da remoção de pessoas em situação de rua, a vereadora amplia o escopo para ações contra adultos que pedem dinheiro com crianças. Afirma ter recebido denúncias de que “a maioria dessas pessoas [...] são imigrantes, são de outros países”, e anuncia “uma ação pra ir na rua a caça dessas pessoas”. Ela também descreve supostos episódios de recusa de trabalho: “Chega e diz assim, ei, vamos lá em casa pra tu passar uma roupa. Aí, não quero [...] porque arranca 200, 300 conto por dia no semáforo”. A narrativa, composta por citações atribuídas à própria vereadora, reforça o enquadramento moralizante que interpreta a pobreza como escolha e a necessidade como fraude.
Chamou atenção a ausência de manifestação pública da OAB/RO diante da proposta. O presidente da entidade, Márcio Nogueira, frequentemente se pronuncia sobre temas nacionais — como no caso do julgamento da “Trama Golpista” — mesmo quando sua participação tem repercussão limitada. Entretanto, diante de um tema local com possível violação de direito fundamental, a resposta é o silêncio. Essa discrepância revela uma assimetria no exercício da autoridade institucional: indignação vocal quando o tema está distante; retração quando o impacto ocorre no próprio estado.
No conjunto, a estratégia defendida por Sofia Andrade se assemelha a uma política de triagem humana: identificar, separar, encaminhar, retirar. A incorporação do modelo de Florianópolis dá a essa perspectiva um verniz administrativo, mas não altera sua essência: uma tentativa de gerenciar a presença dos vulneráveis como se fossem elementos desordenadores da paisagem urbana. A proposta não enfrenta causas — apenas desloca corpos. E, nesse deslocamento, ecoa uma lógica que considera aceitável remover pessoas para recuperar uma suposta ordem, substituindo o papel da política pública por mecanismos de exclusão.
Em um cenário em que medidas de “devolução” de pessoas e filtragem de vulneráveis já despertam reação de órgãos de controle em outros estados, cabe ao Ministério Público de Rondônia (MP/RO) e ao Ministério Público Federal na região (MPF/RO) o acompanhamento detalhado das iniciativas e discursos de Sofia Andrade, bem como de eventuais desdobramentos administrativos, especialmente se inspirados no modelo de Topázio Neto em Florianópolis. Compete a essas instituições agir com urgência para coibir qualquer prática que, sob o pretexto de “manter a ordem” ou “proteger famílias”, resulte na violação da liberdade de locomoção e na consolidação de políticas eugenistas e higienistas, impedindo que Rondônia se transforme em laboratório de experiências que tratam a pobreza e a vulnerabilidade como problema a ser expulso, e não como realidade a ser enfrentada com políticas públicas efetivas.



Não adentrando no mérito acerca do posicionamento da Vereadora, mas o que vejo enquanto morador da Zona Leste é o aumento de usuários de drogas nas ruas, por vezes até em via pública consumindo pequenas porções de drogas, sob o efeito de tais substâncias acredito que sim essas pessoas são um risco à sociedade, moradores ficam assustados, constrangidos e praticamente reféns em seus próprios domicílios, nossos noticiários jornalísticos expõe muito bem essa realidade, por vezes são pessoas de compleição física que impõe medo ou estão em dupla ou grupo, por vezes portam faca, enxada, muito sujos e por vezes doentes, carregam madeira ferro, até porque brigam entre eles por droga, logo as pessoas têm medo de terem seus imóveis invadidos e furtados, os relógios de água são furtados, as câmeras se não tiverem grades são furtadas, fios são furtados, casas são furtadas, etc. Que algo precisa ser feito precisa, tal movimento da Vereadora pode ser o sopro de esperança à mover outras políticas para enfrentar essa triste realidade social.