Publicada em 18/11/2025 às 11h19
PORTO VELHO (RO) - Rondônia aparece como um dos pontos sensíveis da rota da cocaína na Amazônia e convive com um cenário de alta incidência de dependência química, uso de crack, álcool e adoecimento emocional associado às telas. O quadro foi detalhado pelo médico clínico geral e especialista em psicopatologia Nestor Angelo, com 30 anos de formado e 14 dedicados à saúde mental, em entrevista ao podcast Resenha Política, apresentado por Robson Oliveira em parceria exclusiva com o Rondônia Dinâmica. Ao comentar a proximidade com países produtores de cocaína e a ausência de controle rigoroso nas fronteiras, ele afirmou que essa combinação impacta diretamente a juventude e diversas faixas etárias da população. “Pelo fato de não haver um controle rigoroso nas fronteiras e os países produtores de cocaína serem próximos à região amazônica, isso aumenta muito a incidência e a prevalência do uso”, disse.
Questionado sobre a realidade local, Nestor Angelo relatou que o uso de derivados da cocaína se mistura com o crack e estimou uma prevalência em torno de 10% a 12%, ressaltando que parte dos usuários migra para a droga mais barata. Segundo ele, muitos começam com cocaína e, pela elevação do custo, passam a usar apenas crack, que “debilita muito mais”. Ao ser perguntado por Robson Oliveira se a incidência de crack em Porto Velho é grande, o médico respondeu que a proporção é alta em relação ao total de dependentes químicos e concordou quando o entrevistador observou que se vê “muitas pessoas de rua, muito viciadas, já caminhando feitos zumbis”.
O médico lembrou ainda da experiência no CEPOAD, antigo centro de acolhimento e internação de dependentes de crack, que “agora já não existe mais”. Segundo ele, à época, o número de pessoas que procuravam o serviço era significativo e a adesão ao tratamento era considerada boa. Hoje, a rede conta com comunidades terapêuticas e com o Caps Álcool e Drogas (Caps AD), na avenida Guaporé, que ele classificou como um equipamento que faz “um trabalho muito bom”. Apesar disso, Nestor informou que não há estatísticas consolidadas sobre quantos pacientes conseguem abandonar definitivamente o uso de drogas após os tratamentos.
Ao tratar da relação entre drogas e sistema prisional, o médico lembrou um dado citado por um secretário de Segurança Pública, segundo o qual mais de 60% da população carcerária do Estado estaria ligada direta ou indiretamente ao tráfico de drogas. Robson Oliveira classificou o número como “estarrecedor” e destacou que “são pessoas que trabalham para o tráfico”. Indagado sobre o atendimento a detentos usuários de drogas, Nestor Angelo explicou que, quando a prisão envolve pessoas com histórico de uso de substâncias, é possível converter a pena, a depender da avaliação judicial. “Nos presídios não tem equipe especializada, mas quando esse preso é dependente químico e nós laudamos o caso, e o juiz acata, aí ele pode ir para uma comunidade terapêutica”, relatou, citando casos em que presos sem alta periculosidade foram transferidos para essas unidades.
A entrevista também abordou o impacto do álcool na saúde pública e na mobilidade urbana. Nestor Angelo afirmou que o álcool é a substância psicoativa mais utilizada e que seu consumo “só vem aumentando”. Ele destacou que a droga lícita provoca prejuízos sociais e no trabalho, com aumento de absenteísmo, e apontou um vínculo importante com acidentes graves. “A maioria dos acidentes de trânsito, os mais graves, geralmente estão ligados a álcool”, afirmou, mencionando estatísticas disponíveis no Detran e no Samu. Para ele, ainda que a primeira causa dos acidentes seja a negligência no trânsito, o álcool aparece com força quando se considera a gravidade dos casos.
No campo da saúde mental, o médico associou drogas e álcool ao risco de depressão e suicídio. Ele afirmou que, embora algumas substâncias atuem como estimulantes, com o tempo levam à depressão, e classificou a droga como segunda causa associada ao suicídio no mundo, atrás apenas da depressão. Nestor Angelo citou projeções segundo as quais, em 2030, a depressão deve ultrapassar as doenças cardiovasculares em incidência. “A depressão está incontrolável. A depressão, em 2030, vai ultrapassar doenças cardiovasculares”, declarou.
A influência da internet e das telas no adoecimento emocional ocupou parte central da entrevista. Segundo o médico, já existem categorias de doenças provocadas pelo uso excessivo e inadequado das mídias digitais, incluindo um quadro que ele chamou de “depressão do Facebook”. Nesses casos, a pessoa passa a participar de grupos, e, dependendo do estado mental, pode desenvolver sentimentos de desvalia, abandono e rejeição ao não se sentir mais importante ou reconhecida. Ele afirmou que há registro de casos em que interações em fóruns e ambientes virtuais influenciaram episódios de suicídio, e mencionou estatísticas discutidas durante campanhas de prevenção, como o Setembro Amarelo.
Sobre o tratamento do tema suicídio, Nestor relatou mudanças recentes na abordagem. Ele destacou que, atualmente, as orientações são no sentido de evitar a descrição de métodos, planos e detalhes operacionais, por entender que isso aumenta a incidência de episódios. “Você tem que falar de prevenção, de saúde. Aumenta muito o número de suicídio quando a pessoa começa a falar de técnicas, de plano, planejamento”, explicou. Nestor contou que, há alguns anos, em palestras, os profissionais abordavam o assunto de forma mais ampla, com alertas detalhados; hoje, segundo ele, a prioridade é focar em prevenção e em tratar a depressão e o uso de drogas, considerados fatores-chave na cadeia que leva ao suicídio.
Ao explicar o comportamento da pessoa em crise, o médico mencionou o conceito de ambivalência, situação em que o indivíduo oscila entre o impulso de tirar a própria vida e os vínculos afetivos que o trazem de volta. Ele descreveu o funcionamento de áreas do lobo frontal conectadas à razão e à emoção e citou casos em que a intervenção de equipes de resgate ou saúde consegue interromper o ato. Destacou ainda dois grupos de maior risco: quem já tentou suicídio e sobreviveu e pessoas com doença mental, inclusive aquelas com uso de substâncias psicoativas. Segundo o médico, estatísticas indicam que homens tendem a apresentar um padrão de agressividade cerebral maior, caminhando mais rapidamente das ideias suicidas para atos concretos, enquanto mulheres geralmente percorrem todas as etapas de ideação, planejamento e tentativa.
A automutilação, em especial entre adolescentes e jovens, foi citada como fenômeno em expansão. Nestor Angelo citou dois eixos de análise: a indução pela internet e os transtornos mentais. No primeiro caso, relatou já ter atendido duas irmãs de 13 anos que se cortavam influenciadas por um jogo digital com a figura de um urso branco, que mudava de cor para vermelho — remetendo a sangue — quando elas erravam mais de 50% das respostas, o que servia como “gatilho” para que se ferissem. No segundo eixo, ele associou a automutilação a transtornos como o transtorno de personalidade borderline e lembrou que cerca de 20% dos pacientes com esse diagnóstico também são bipolares, o que torna o manejo clínico mais complexo.
Na avaliação do médico, depressão e tristeza não são sinônimos. Ele definiu a depressão como uma “tristeza profunda”, com perda de vigor, de ânimo e de potencial de humor, afeto e valia, a ponto de prejudicar o rendimento e atingir memória e raciocínio. A tristeza, por outro lado, foi descrita como um estado passageiro decorrente de acontecimentos específicos, muitas vezes sem necessidade de medicação ou terapia. Nestor observou que, embora a herdabilidade da depressão esteja em torno de 37% entre pessoas deprimidas, fatores ambientais — problemas familiares, drogas, dificuldades financeiras e questões sociais — têm peso mais relevante na instalação do quadro.
O médico também detalhou o impacto do adoecimento emocional na família e no ambiente de trabalho. Ele afirmou que mudanças de comportamento, como passar a chegar tarde em casa, comer fora com frequência, faltar ao serviço ou à escola e se isolar, devem servir de alerta para familiares e colegas. Em sua avaliação, o comportamento “não mais normal” pode indicar um processo em curso que, somado a outros fatores, leva a autoagressões mais graves. Nestor ressaltou que, em algumas situações, a ausência de tratamento ou de procura por ajuda transforma a unidade familiar em um “sistema doente”.
Na área profissional, ele reconheceu que trabalhadores da saúde também figuram entre os grupos de risco para dependência química e automutilação. Segundo o médico, há áreas da medicina em que isso é mais frequente, como psiquiatria, unidades de terapia intensiva e anestesia, devido ao nível de estresse. Ele mencionou o risco de burnout e ressaltou a necessidade de melhoria da qualidade de vida desses profissionais para evitar desfechos mais graves.
Ao tratar das respostas do sistema de saúde, Nestor Angelo defendeu a combinação de terapias farmacológicas e não farmacológicas. Ele afirmou que, para álcool, há medicações específicas, mas que, para cocaína e maconha, as opções farmacológicas ainda são limitadas e exigem reforço de equipes multidisciplinares. “Na psiquiatria, se você não melhorar a qualidade de vida, não adianta”, resumiu, ao explicar que a meta é mudar o padrão de vida do paciente, associando remédio, acompanhamento e intervenções como terapia familiar. O médico destacou que o dependente químico é frequentemente estigmatizado e que, quando passa a se sentir inferiorizado e com autoestima comprometida, torna-se muito mais difícil trazê-lo de volta ao convívio social saudável.
No campo das políticas públicas, o médico afirmou ter “muitas ideias de projetos” ligados à prevenção primária e secundária em drogas, acidentes e saúde mental, e disse que costuma discutir essas propostas com colegas como Dimes e Viriato. Ele apontou, porém, a falta de estrutura para tirar esses planos do papel, citando a necessidade de equipe técnica, respaldo jurídico e orçamento. Nestor reclamou da ausência de ambulatórios voltados para familiares em Rondônia, tanto na psiquiatria quanto em outras áreas como diabetes e hipertensão, e afirmou que iniciativas voltadas às famílias “nunca foram tentadas”. Para ele, envolver familiares no processo terapêutico aumenta a eficácia dos tratamentos e ajuda a antecipar crises e recaídas.
Ao final da entrevista, Nestor Angelo afirmou que ainda está “começando a fortalecer essas ideias” para transformá-las em projetos formais a serem apresentados às autoridades. Robson Oliveira encerrou o programa convidando o médico a retornar quando as propostas estiverem estruturadas, a fim de detalhar eventuais novas políticas voltadas a uma população que, segundo as projeções citadas, tende a registrar aumento expressivo de problemas emocionais nos próximos anos.
Ao longo da conversa, o médico deixou diversas frases contundentes, que ajudam a sintetizar sua visão sobre drogas, depressão, suicídio e políticas públicas em Rondônia. Ao comentar o impacto da proximidade com países produtores de cocaína e a falta de controle nas fronteiras, Nestor Angelo afirmou que “pelo fato de não haver um controle rigoroso nas fronteiras e os países produtores de cocaína serem próximos à região amazônica, isso aumenta muito a incidência e a prevalência do uso”, relacionando a geografia amazônica à maior oferta de substâncias.
Ao falar sobre o crack em Porto Velho, o médico destacou a gravidade do quadro ao dizer que “a incidência é grande” e que, em relação ao número de dependentes químicos, “ela é alta”, reforçando a percepção de que a droga tem peso significativo entre usuários de substâncias na capital.
Quando descreveu a evolução do uso de drogas ao longo da vida das pessoas, Nestor resumiu a trajetória de muitos pacientes ao dizer que “as drogas levam à depressão, independente das características dela”, chamando atenção para o efeito final de adoecimento, mesmo quando a substância é inicialmente estimulante.
Sobre a contribuição do álcool para a violência no trânsito, o médico contextualizou a experiência no Samu e os dados de órgãos de trânsito ao registrar que “a maioria dos acidentes de trânsito, os mais graves geralmente estão ligados a álcool”, destacando o papel da bebida na gravidade dos casos atendidos.
No campo da saúde mental global, Nestor reforçou a dimensão do problema ao afirmar que “a depressão, em 2030, vai ultrapassar doenças cardiovasculares”, referindo-se a projeções que colocam o transtorno depressivo entre as principais causas de adoecimento.
Ao tratar da influência da internet e das mídias digitais, o médico observou que “o adoecimento com as telas já é evidência” e explicou que “já tem catalogado as categorias de doenças geradas pelo uso excessivo e indevido das telas”, incluindo a chamada “depressão do Facebook”, em que o usuário passa a se sentir com desvalia e rejeição.
Comentando a forma adequada de lidar com o suicídio em campanhas públicas, Nestor relatou mudanças nas recomendações e afirmou que “aumenta muito o número de suicídio quando a pessoa começa a falar de técnicas, de plano, planejamento”, motivo pelo qual hoje concentra suas falas em prevenção e tratamento de causas de base, como depressão e uso de drogas.
Ao diferenciar tristeza e depressão, o médico explicou que “a depressão é uma tristeza profunda, é uma perda do vigor, perda de ânimo”, e acrescentou que o quadro interfere no rendimento e pode chegar a afetar memória e raciocínio, enquanto a tristeza é passageira e nem sempre demanda intervenção clínica.
Sobre a participação da família na evolução dos casos graves, Nestor afirmou que, quando a pessoa não aceita ajuda ou não procura acompanhamento, “termina criando um sistema familiar doente”, ressaltando que o entorno também adoece quando o quadro não é enfrentado.
Por fim, ao defender uma abordagem ampla para o tratamento dos transtornos ligados à dependência química, ele sintetizou a necessidade de combinar diferentes frentes de atuação ao dizer que “na psiquiatria, se você não melhorar a qualidade de vida, não adianta”, resumindo a importância de associar medicação, terapia, suporte familiar e mudanças concretas no cotidiano do paciente.
DEZ FRASES DE DR. NESTOR ANGÊLO NO RESENHA POLÍTICA:
01) "Pelo fato de não haver um controle rigoroso nas fronteiras e os países produtores de cocaína serem próximos à região amazônica, isso aumenta muito a incidência e a prevalência do uso."
Ele explicou como a localização de Rondônia e a fronteira vulnerável favorecem a circulação de cocaína e crack.
02) "As drogas levam à depressão, independente das características dela."
A fala ocorreu ao detalhar que mesmo drogas estimulantes terminam produzindo quadros depressivos.
03) "Em proporcional ao número de dependentes químicos, ela é alta."
Resposta direta sobre a incidência do crack em Porto Velho, confirmando que o índice é elevado.
04) "O álcool, inclusive, ele é um trampolim pra cocaína, nicotina, maconha."
Ele afirmou que a droga lícita funciona como porta de entrada para outras substâncias.
05) "A maioria dos acidentes de trânsito, os mais graves geralmente estão ligados a álcool."
Comentário baseado em experiências no Samu e estatísticas do Detran sobre acidentes em Porto Velho.
06) "A depressão, em 2030, vai ultrapassar doenças cardiovasculares."
Referência a projeções internacionais sobre o crescimento dos transtornos depressivos.
07) "O adoecimento com as telas já é evidência."
Ele citou diagnósticos relacionados ao uso excessivo de mídias digitais.
08) "Aumenta muito o número de suicídio quando a pessoa começa a falar de técnicas, de plano, planejamento."
A observação veio ao explicar por que campanhas de prevenção evitam detalhar métodos.
09) "Na verdade é isso mesmo, ele quer libertar uma dor que ele não consegue, é insuportável."
Afirmação ao descrever o sofrimento emocional que leva à tentativa de suicídio.
10) "Na psiquiatria, se você não melhorar a qualidade de vida, não adianta."
Síntese da defesa por tratamentos combinados e mudanças práticas no cotidiano do paciente.



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