Publicada em 15/11/2025 às 09h59
PORTO VELHO (RO) - A semana terminou com Porto Velho mergulhada em um debate sensível: o que fazer diante da proposta apresentada pela vereadora Sofia Andrade, do PL, que defende que pessoas em situação de rua sejam encaminhadas para suas cidades, estados ou países de origem. A fala, inicialmente divulgada em tom contundente na quarta-feira, 12, gerou forte repercussão nas redes sociais e foi associada a políticas de filtragem populacional como as adotadas pelo prefeito de Florianópolis, Topázio Neto, do PSD. Diante da chuva de críticas, a parlamentar reviu a forma, mas não o conteúdo. A mudança de postura, de acordo com os próprios comentários públicos, ocorreu após a recepção negativa do intento.
Na entrevista concedida ao Cidade Alerta, exibida na quinta-feira, 13, Sofia Andrade retomou os argumentos que haviam aparecido no post inicial. Ela afirmou que há legislação proibindo o uso de crianças em semáforos e que teria observado a presença de “muitas pessoas com crianças usando aquelas crianças para pedir dinheiro”. Disse também que já “fez o teste” oferecendo emprego a uma dessas pessoas e ouviu um “não quero”. Uma generalização grosseira -- e sem provas --, colocando essas pessoas no mesmo balaio de indignidade. Em suas palavras: “A maioria dessas pessoas são oriundas de outros países, então nós precisamos trazer essas pessoas para a legalidade”. A vereadora afirmou que buscou a Secretaria de Assistência Social para discutir o tema e que “ações” deveriam ser realizadas com apoio da Segurança Pública, da Polícia Civil e da Polícia Militar.
Ao explicar o que defende, resumiu: “Muitas das vezes essa pessoa chegou até o nosso município procurando oportunidade de trabalho [...] e gostaria de retornar para o seu local de onde ela é, sua cidade, seu país, seu estado, e não consegue voltar porque não tem condições. Então, o que a gente propõe hoje é que o nosso município possa dar uma oportunidade para essas pessoas retornarem”. Apesar do abrandamento retórico, a lógica permanece: identificar, abordar e encaminhar indivíduos em situação de vulnerabilidade.
Enquanto a vereadora concedia entrevistas e publicava justificativas, a crítica pública crescia. O próprio Rondônia Dinâmica, em opinião publicada na quinta-feira, 13, lembrou a “Síndrome de Caco Antibes”, personagem cujo bordão era “eu tenho horror a pobre”. O texto apontou que a proposta de Sofia Andrade estrutura-se em uma lógica higienista: transformar pessoas vulneráveis em incômodo a ser retirado da paisagem urbana. A publicação também destacou que a medida ecoa práticas adotadas em Florianópolis, onde o prefeito Topázio Neto instalou um posto de triagem na rodoviária para perguntar a quem chega se possui emprego ou moradia, oferecendo passagem de volta caso a resposta seja negativa. Mais de 500 “retornos” já foram divulgados naquele município, o que motivou abertura de notícia de fato no Ministério Público Federal, além de análises do Ministério Público de Santa Catarina e da Defensoria Pública.
No Instagram, a vereadora buscou reforçar que sua proposta se baseia em “modelos que já funcionam em outras cidades”. Escreveu: “Quem está em situação de rua e veio de outro município, estado ou país, e deseja retornar à sua terra de origem, será encaminhado pelo programa para voltar. Quem apresenta problemas de saúde será direcionado ao hospital. Quem comete crimes deverá ser levado à penitenciária”. Embora tenha enfatizado que o retorno só ocorreria caso o indivíduo “desejasse”, críticos lembram que pessoas em situação de vulnerabilidade são facilmente pressionadas e que o risco de coerção permanece, sobretudo sob abordagens feitas por comissões integradas com forças de segurança.
O histórico recente da vereadora aprofunda o debate. Em sua biografia institucional, ela se apresenta como “patriota convicta” e defensora “dos valores cristãos e das liberdades individuais”. No entanto, vários de seus projetos e atitudes públicas caminham no sentido oposto à ideia de liberdade, como quando se insurgiu contra uma faixa comunista colocada em passarela da BR-364 ou quando expôs uma jovem de religião de matriz africana antes de apresentar um projeto voltado a restringir a abordagem de temas religiosos nas escolas, deixando aos pais a definição do que poderia ser visto pelos alunos. O plenário aprovou a proposta com folga.
Agora, em relação às pessoas em situação de rua, o movimento discursivo se repete: primeiro, um enunciado duro e absoluto; depois, com a repercussão negativa, uma tentativa de suavização. A mudança, entretanto, não altera o ponto central: a ideia de que a presença dos vulneráveis seria incompatível com o espaço urbano. A fala de Sofia Andrade sobre “trazer essas pessoas para a legalidade” e seu argumento de que Porto Velho “não é para ficar com pessoas perambulando pela rua; as pessoas aqui têm que trabalhar porque tudo tem um custo” reforçam uma visão que associa pobreza a irregularidade.
Diante disso, resta ao prefeito Léo Moraes, do Podemos, responder se pretende embarcar nessa agenda. A vereadora se apresenta como presidente da Comissão de Segurança Pública, autora de Projeto de Lei nº 4905/2025 — que trata da proibição de exposição de crianças em vias públicas — e protagonista de iniciativas alinhadas ao discurso de ordem e disciplinamento social. Se suas ideias avançarem no Legislativo, caberá ao Executivo municipal avaliar se adotará políticas que já motivaram atuação do MPF em outros estados. A execução local de um projeto semelhante ao modelo de Florianópolis, por exemplo, pode colocar Porto Velho no centro de investigações sobre violação de direitos fundamentais, especialmente o de ir e vir.
A capital rondoniense convive desde outubro com problemas graves de coleta de lixo, que seguem sem solução definitiva. Ainda assim, o foco da vereadora desloca-se para o controle e remoção de pessoas, não para o enfrentamento da crise de infraestrutura. O contraste coloca em perspectiva o tipo de prioridade que avança no debate municipal.
Porto Velho observa a repercussão e espera definições. Apesar da tentativa recente de Sofia Andrade de amenizar o discurso, suas intenções estão registradas tanto nos vídeos quanto nos textos divulgados por ela mesma. A apresentação de medidas que tratam vulneráveis como elemento a ser transferido de lugar tende a gerar debates constitucionais — e, eventualmente, ações de órgãos de fiscalização. Ela mudou da água para o vinho em 24 horas. Na primeira versão do intento a ideia era mandar essa gente "para a ponte que caiu", expressão que, qualquer ouvido atento, traduziu para um palavrão bem conhecido. Isto sem contar a expressão "caçar" para falar de seres humanos. Agora, mais moderada, o papo é "olha, quem quiser ir nós ajudaremos a partir". Rita Lee diria: "Olha como ela é boazinha...".
A pergunta, portanto, recai sobre o Executivo: o prefeito Léo Moraes aceitará levar adiante um projeto com potencial de ser classificado como higienista e de abrir flanco para questionamentos no Ministério Público de Rondônia e no Ministério Público Federal? Em meio à repercussão nacional de políticas semelhantes, a decisão de Porto Velho definirá não apenas o futuro imediato das propostas de Sofia Andrade, mas também o posicionamento institucional da capital diante de práticas que tratam a vulnerabilidade como incômodo e o deslocamento de pessoas como solução administrativa.



Comentários
Seja o primeiro a comentar!