Publicada em 22/11/2025 às 09h46
Porto Velho, RO — Jair Bolsonaro foi preso. Sim, ele — o mesmo que sempre acusou adversários de conspirar contra a liberdade, o mesmo que tratou instituições como obstáculos e não como limites, e o mesmo que jamais se imaginou cercado por aquilo que mais teme: a realidade. Preso por suposto descumprimento de medidas cautelares. Preso não pelo “sistema”, “a esquerda”, ou “o globalismo”, mas por aquilo que, segundo a lei, ele próprio fez. Há ironias históricas que dispensam comentaristas: basta descrevê-las.
Mas vamos ao ponto. Rondônia, esse microcosmo onde o bolsonarismo não é uma força política, mas uma espécie de fé pública, acordou sobressaltada. Não há demérito em reconhecer: o estado foi mais bolsonarista que o próprio Bolsonaro. Só que, agora, o mito encontra o único adversário que realmente o incomoda — a consequência. E quando o líder se vê às voltas com tornozeleira, juíza e mandado, as tropas locais são obrigadas a decidir quem são sem ele.
E aqui começa a ópera.
Coronel Chrisóstomo, deputado federal, sempre a postos para qualquer batalha imaginária, certamente vê na prisão o “acontecimento ideal”. Não porque deseje mal ao chefe — longe disso —, mas porque crises são férteis para quem precisa de inimigos diários para justificar a própria existência política. Ao seu lado, Sofia Andrade, a vereadora que transforma indignação em performance digital, já encontrou o fio condutor: Bolsonaro é mártir; quem o investiga é tirano; e quem duvida está, no mínimo, cooptado. É a ala do “quanto pior, melhor”: quanto mais grave a situação, mais confortável se sentem na retórica apocalíptica.
Marcos Rogério, por sua vez, tenta manter o ar doutoral de sempre. É o bolsonarista que se leva a sério. Vestirá a toga imaginária e recorrerá à Constituição — aquela mesma que Bolsonaro tantas vezes tratou como peça decorativa. Fará discursos indignados, citará precedentes, alegará lawfare. É o que se espera de quem construiu a própria imagem como advogado-geral do bolsonarismo.
Marcos Rocha, o governador, vive dilema mais prosaico. Ele precisa de Bolsonaro, mas também precisa do eleitor razoável que paga imposto, administra pequenos negócios e gostaria de viver longe de histerias — inclusive as que vêm do seu próprio campo político. Com a prisão, Rocha terá de medir cada sílaba: criticar para não perder a base, ponderar para não perder o centro. Pragmatismo tem dessas coisas — e, em tempos de tumulto, compromete a naturalidade. O parlamentar Fernando Máximo, do União Brasil, tem a pegada do totem: ele é, sem sombra de dúvidas, veementemente ideológico, mas não necessariamente um bolsonarista fanático. Adepto do figurino político — a famosa touca cirúrgica — seus discursos e postagens servem para afagar o público mais à direita, em alguns casos até a extrema-direita, como a defesa irrefreável de Israel no conflito com a Palestina e outros anseios alheios às necessidades de Rondônia, a despeito de não ignorá-los. É inegável tratar-se de firmamento de posição no tabuleiro ideológico enquanto, paralelamente, trabalha pelo estado. Sua batalha pela anistia e os discursos a favor da soltura da “Débora do Batom”, por exemplo, contornam Bolsonaro e seus adeptos de maneira temática, porém sem a necessidade de defendê-lo o tempo inteiro, objetivamente.
Há ainda Maurício Carvalho, o bolsonarista de ocasião — aquele que descobre convicções à medida que elas se tornam úteis. Não há aqui ironia, apenas descrição. Sua bússola apontará para onde soprar o vento da conveniência. Se a base decidir que Bolsonaro é vítima, ele será o primeiro a vestir preto. Se o eleitorado der sinais de cansaço, encontrará o caminho da moderação em menos de 24 horas. E existe o pecuarista Jaime Bagattoli, senador da República, cheio de marra, metedor de banca, que, no discurso, é um tigão, mas, na prática, um dócil siamês. Foi talvez o único político de Rondônia em atividade a admitir fraqueza publicamente. Isto, após levar "rasteira" do colega Marcos Rogério com a benção do próprio Jair Bolsonaro, que nada fez para ajudá-lo a manter sua reputação e honra. Agora, mais recentemente, todo pimpão, jurou que tomaria a mesa do Congresso Nacional e ficaria lá até a tal da malfadada anistia ser pautada, propiciando liberdade ao ex-presidente e outros presos do 8 de Janeiro. A coragem de veneta não durou muito. Ele não só desocupou o lugar como Bolsonaro está preso e os outros envolvidos também continuam encarceirados.
Mas o elemento mais interessante, talvez o mais simbólico, atende pelo nome de Bruno Scheid. Não é apenas vice-presidente do PL Rondônia, nem apenas pré-candidato ao Senado. É o ungido. O escolhido. O homem que Bolsonaro chama quando quer dar demonstrações de afeto político. Com Bolsonaro preso, Scheid não perde — ganha. Ganha centralidade, ganha narrativa, ganha aura de porta-voz autorizado. Para uma militância órfã, proximidade com o chefe vale mais que qualquer currículo.
E agora?
Agora, Rondônia terá de descobrir qual bolsonarismo sobreviverá ao próprio Bolsonaro. O radical, que precisa de inimigos? O jurídico, que precisa de argumentos? O pragmático, que precisa de silêncio? Ou o ungido, que precisa apenas existir para ser aceito?
A prisão não destrói o bolsonarismo. Mas o obriga a se reorganizar — e reorganização, para movimentos construídos na devoção pessoal, é sempre traumática. Rondônia, que sempre ofereceu ao bolsonarismo um espelho ampliado, terá nos próximos meses a tarefa involuntária de revelar quem é quem quando o mito cai, ainda que provisoriamente, do pedestal.
O fato é simples e devastador: Bolsonaro está preso. E, pela primeira vez desde 2018, seus aliados terão de pensar — realmente pensar — sem esperar que ele diga o que vem depois. Para alguns, isso será paralisante. Para outros, libertador. Para Rondônia, certamente será revelador.



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