Publicada em 25/11/2025 às 09h56
Porto Velho, RO – Em entrevista ao podcast Resenha Política, apresentado por Robson Oliveira em parceria exclusiva com o portal Rondônia Dinâmica e com patrocínio da CES Brasil, o advogado trabalhista e diretor da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB Rondônia, professor Vinícius Assis, fez uma série de alertas sobre o uso de inteligência artificial no direito e apontou o que classificou como “movimento claro” de esvaziamento da Justiça do Trabalho e dos direitos trabalhistas.
Ao longo da conversa, ele citou casos de advogados processados eticamente por confiar em conteúdos produzidos por algoritmos, chamou a pejotização de “contratação fraudulenta, na maioria das vezes”, e defendeu a manutenção da competência da Justiça do Trabalho em litígios que discutem vínculos celetistas.
Logo no início, Robson Oliveira contextualizou a pauta lembrando que havia entrevistado recentemente o desembargador Alexandre Miguel, que deverá assumir a presidência do Tribunal de Justiça de Rondônia, sobre o uso de novas ferramentas na advocacia. A partir desse gancho, ele pediu que o convidado explicasse “para aquele advogado mais antigo, mais artesanal” por que a inteligência artificial deve ser vista como ferramenta de apoio, e não como substituta do profissional. Vinícius Assis respondeu que a tecnologia exige cautela. “A inteligência artificial pode, em termos técnicos, alucinar. Trazer algo pra gente que não existe”, afirmou, observando que o sistema trabalha com base em dados e algoritmos e pode “inventar” respostas quando não encontra informação adequada.
O diretor da ESA comparou o uso das ferramentas digitais ao trabalho interno de um escritório. Segundo ele, quando um estagiário elabora uma minuta, cabe ao advogado conferir e validar o conteúdo antes de assinar. Para a inteligência artificial, diz, a lógica é a mesma. “Quem tá assinando é o advogado”, reforçou, lembrando que a responsabilidade pelo conteúdo continua sendo do profissional, ainda que o texto inicial tenha sido gerado por uma máquina ou por assessoria.
Ao tratar de riscos concretos, Vinícius Assis relatou casos de má utilização da tecnologia que resultaram em consequências disciplinares. Segundo ele, houve situação em que um advogado utilizou inteligência artificial em um recurso criminal, confiou em jurisprudência inexistente e acabou respondendo a processo ético. “O advogado usou inteligência artificial num recurso criminal e o Tribunal de Justiça, além de não dar provimento ao recurso, mandou para a OAB, para o seu Tribunal de Ética, para responder ao processo ético disciplinar”, descreveu.
Por isso, o professor reforçou que determinadas informações não devem ser aceitas sem checagem em fontes oficiais. “Nunca, por nunca, no uso da tecnologia, confiar em texto de lei, confiar em citação de jurisprudência e confiar em citação de doutrina”, afirmou. De acordo com ele, nesses casos é indispensável conferência direta em tribunais superiores e repositórios oficiais: “Se ele te der essa resposta, vai procurar na fonte oficial”. Assis destacou ainda que já existem ferramentas de inteligência artificial que fornecem links para decisões do STJ e do STF, o que facilita a verificação.
No programa, o diretor da ESA relatou também a elaboração de um manual de uso ético e responsável da inteligência artificial no sistema de Justiça, a partir de iniciativa da Escola da Magistratura (Emeron), presidida por um comitê de governança coordenado pelo desembargador Alexandre Miguel. Segundo Vinícius, o documento foi lançado em evento na OAB com a participação de representantes da advocacia privada, advocacia pública, Defensoria Pública, Ministério Público, Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e Procuradoria-Geral do Município (PGM).
Ele contou que, em parceria com a Emeron, a Escola Superior de Advocacia percorreu diversas cidades – Porto Velho, Ariquemes, Jaru, Ouro Preto do Oeste, Ji-Paraná, Cacoal e Vilhena – para divulgar o material e orientar profissionais. O professor comparou a percepção sobre o tema em diferentes períodos. “Dois ou três anos atrás, quando se perguntava quem usava inteligência artificial, dois ou três levantavam e parecia que estavam fazendo algo ilegal, imoral”, relatou. Em nova rodada recente, segundo ele, a situação se inverteu: “Agora nós percorremos: quem não usa inteligência artificial? Também só dois ou três. Todo mundo está usando”.
Outro ponto destacado no podcast foi o impacto do trabalho remoto e das audiências virtuais nas prerrogativas da advocacia, tema que tem gerado debates internos na categoria. Robson Oliveira trouxe críticas recorrentes de advogados sobre a dificuldade de despachar pessoalmente com magistrados no cenário pós-pandemia e questionou o convidado sobre a importância do contato presencial com juízes, mesmo quando as razões já constam por escrito nos autos.
Vinícius Assis respondeu que “o maior trabalho da advocacia é ser ouvido” e que o contato “olho no olho” continua sendo fundamental para que o magistrado compreenda o caso concreto. Para ele, a possibilidade de diálogo direto é uma prerrogativa “inafastável” da profissão. O diretor da ESA afirmou que a sustentação oral, em especial nos tribunais, não pode ser relativizada. Segundo Assis, muitas vezes a fala em plenário leva ministros ou desembargadores a retirar processos de pauta para reexaminar questões relevantes de fato ou de direito. “A sustentação oral é o momento ímpar da defesa”, resumiu.
Ao comentar o contraste entre o conteúdo escrito e o ato de sustentar oralmente, o professor recorreu a uma imagem para explicar a diferença. Em sua avaliação, as petições estão “em preto e branco”, enquanto a sustentação oral “dá cores” ao processo. Robson Oliveira complementou observando que, no ato de falar, aquilo que está “frio, parado e morto” nos autos “ganha vida”, provocando, segundo ele, uma reflexão “mais profunda, mais acurada, mais trabalhada” por parte do julgador.
A entrevista avançou então para temas trabalhistas e para o papel da Justiça do Trabalho no cenário atual. Robson questionou Vinícius Assis sobre as perspectivas do jovem advogado trabalhista que entra no mercado “achando que vai ficar rico”, em um contexto que ele descreveu como de crise nas relações entre capital e trabalho. O diretor da ESA destacou inicialmente o papel histórico da Justiça do Trabalho como instância de pacificação social e de entrega mais rápida da prestação jurisdicional, citando o Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região como referência em celeridade.
Em seguida, porém, Vinícius Assis apontou mudanças importantes após a reforma trabalhista de 2017. “É por óbvio que lá em 2017 tivemos a reforma trabalhista que arrefeceu um pouco as lides trabalhistas”, afirmou. Para ele, a alteração legislativa fez parte de “um movimento claro de enfraquecimento tanto da Justiça como dos direitos materiais”, o que, em sua avaliação, se deu por meio de aumento de custas, criação de obstáculos processuais e retirada de direitos.
Dentro desse contexto, o professor abordou o fenômeno da pejotização, isto é, a contratação de trabalhadores como pessoas jurídicas. Segundo Assis, a pejotização, “na maioria das vezes”, configura “contratação fraudulenta”, utilizada como forma de afastar a aplicação da legislação celetista, embora reconheça que a elevada carga tributária sobre o empresariado pressiona empregadores em busca de alternativas. “A grande discussão está nesse caminho”, afirmou, ao explicar que a controvérsia gira em torno de saber se há efetiva prestação de serviços por pessoa jurídica ou tentativa de burlar direitos trabalhistas.
Ao tratar da disputa de competência entre Justiça do Trabalho e Justiça comum em ações relacionadas à pejotização, Vinícius Assis mencionou decisões recentes do Supremo Tribunal Federal que suspenderam demandas sobre o tema e discutem a quem cabe julgar essas causas. Ele expôs sua posição ao lembrar o artigo 114 da Constituição Federal. Na visão do diretor da ESA, a competência para analisar se há fraude na contratação é da Justiça do Trabalho, que dispõe de mecanismos próprios para verificar se o trabalhador atuava, na prática, como empregado.
Para além das ações isoladas, o professor associou as mudanças legislativas e as decisões sobre competência a um debate mais amplo sobre o pacto social brasileiro e a proteção dos direitos sociais previstos na Constituição de 1988. Ele citou o princípio do não retrocesso social como parâmetro para avaliar alterações que impactem garantias historicamente consolidadas. Em outro momento, ao comentar casos de aposentadoria precoce no serviço público, com pessoas que deixam de trabalhar ainda aos 40 anos, Assis classificou a situação como “deformidade” e defendeu que o tema seja enfrentado simultaneamente nos planos político, jurídico e acadêmico.
Na parte final da entrevista, o tom se deslocou das polêmicas para os bastidores da formação e da gestão na advocacia. Vinícius Assis recordou sua trajetória profissional, mencionando 25 anos de formado e 24 anos de advocacia, e fez comparações entre o modelo tradicional – com processos em papel, ida diária aos fóruns e encontros presenciais entre advogados no fim da tarde – e o cenário atual, orientado por sistemas digitais, automação e inteligência artificial. Ele ressaltou que, hoje, o maior ativo dos profissionais, seja na advocacia ou no jornalismo, é o tempo, e que as ferramentas tecnológicas devem ser usadas para otimizar esse recurso.
O diretor da ESA explicou ainda que, na medida em que o usuário utiliza constantemente ferramentas como ChatGPT, Gemini e outros sistemas de inteligência artificial, os algoritmos passam a “desenhar o perfil” de quem faz as consultas. De acordo com ele, isso ocorre porque os comandos inseridos – os chamados prompts – ficam registrados, permitindo que a ferramenta identifique padrões de linguagem, áreas de atuação e preferências de estilo ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, Assis enfatizou que a formação básica em direito material e processual continua indispensável, justamente para que o profissional consiga formular pedidos corretos e interpretar adequadamente as respostas.
No campo institucional, Vinícius Assis detalhou ações da Escola Superior de Advocacia em parceria com outras instituições de ensino e órgãos de controle. Ele citou, por exemplo, cursos de mediação e conciliação realizados em Porto Velho, Cacoal e Ariquemes, com turma nessa última cidade capacitando cerca de 40 advogados conciliadores a serem cadastrados no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para atuar em mediações e conciliações em todo o país. O diretor informou que há previsão de oferta da mesma formação em Vilhena.
O professor também mencionou parcerias com escolas de governo, entre elas a Escola Superior de Contas (Escon), do Tribunal de Contas do Estado de Rondônia. Segundo Assis, a cooperação conta com o apoio do presidente do TCE, conselheiro Euler [José Euler Potyguara Pereira de Mello], e do presidente da Escon, conselheiro Wilber Coimbra, e tem como objetivo capacitar advogados para atuar nesse “nicho tão importante”, que envolve a defesa de gestores públicos e a proteção da economicidade. Entre os conteúdos abordados, ele citou o conhecimento do regimento interno da Corte de Contas e dos sistemas processuais utilizados pelo tribunal.
Ao encerrar o programa, Robson Oliveira destacou que Vinícius Assis é professor de magistrados, promotores e colegas advogados, proprietário de um dos grandes escritórios de advocacia trabalhista do estado e agora também apresentador de um podcast voltado à advocacia. O convidado aproveitou para “vender seu peixe”, convidando o público a acompanhar seu trabalho nas redes sociais – em especial o projeto Pensar Digital, que busca disseminar métodos de gestão, uso de tecnologia e profissionalização na rotina de escritórios – e anunciou que prepara novos cursos em conjunto com a ESA, Emeron e Escon.
Vinícius Assis concluiu convidando o próprio apresentador a participar de seu podcast, com a promessa de inverter os papéis e entrevistá-lo sobre a experiência como jornalista, advogado e “homem de Rondônia”. Robson aceitou o convite, lembrando que recebeu o título de cidadão rondoniense, e encerrou o Resenha Política agradecendo a presença do professor, a audiência nas plataformas digitais e reforçando os pedidos para que o público curta, compartilhe e continue acompanhando as próximas edições do programa.
10 frases de Vinicius Assis durante o Resenha Política
01) “A inteligência artificial pode, em termos técnicos, alucinar. Trazer algo pra gente que não existe.”
Ao explicar os riscos do uso de IA na advocacia, Vinícius Assis alerta que a ferramenta pode “inventar” informações quando não tem resposta adequada, o que, segundo ele, exige checagem rigorosa por parte do profissional.
02) “Se eu faço uma pergunta pra ele e ele não tem resposta, ele vai inventar.”
Ainda no trecho sobre IA, Vinícius compara o funcionamento dos algoritmos a um grande banco de dados matemático e afirma que, na ausência de informação, a própria ferramenta cria uma resposta, o que pode comprometer peças jurídicas se o advogado não verificar as fontes.
03) “Nunca por nunca, no uso da tecnologia, o uso da inteligência artificial, confiar em texto de lei, confiar em citação de jurisprudência e confiar em citação de doutrina.”
Comentando casos em que advogados foram punidos por usarem jurisprudência inexistente gerada por IA, Vinícius diz que, sempre que a ferramenta citar lei, doutrina ou precedente, o profissional deve conferir diretamente nas fontes oficiais.
04) “Esses dias, no site do tribunal, o advogado usou inteligência artificial num recurso criminal e o Tribunal de Justiça, além de não dar provimento ao recurso, mandou para a OAB, para o seu Tribunal de Ética, para responder ao processo ético disciplinar.”
Para ilustrar as consequências práticas do mau uso da IA, Vinícius relata caso concreto em que um advogado, ao protocolar recurso com jurisprudência “inventada” pelo algoritmo, acabou respondendo a processo disciplinar na Ordem.
05) “Sob pena de ele ser engolido.”
Ao falar da necessidade de adaptação dos advogados às novas tecnologias, Vinícius afirma que mesmo os profissionais “jovens há mais tempo” precisam dominar ferramentas como IA e sistemas de gestão, sob risco de serem “engolidos” pelas mudanças na forma de exercer a advocacia.
06) “A reflexão que a gente traz é que essa é uma contratação fraudulenta. Na maioria das vezes.”
Ao tratar da pejotização no mercado de trabalho, Vinícius afirma que, na maior parte dos casos, a contratação via pessoa jurídica é usada para burlar o vínculo celetista e afastar direitos trabalhistas garantidos pela CLT.
07) “Hoje o Supremo suspendeu essas demandas de pejotização […] pra poder não julgar na Justiça do Trabalho, julgar sim na Justiça comum.”
Comentando decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, Vinícius aponta um movimento para tirar da Justiça do Trabalho a competência sobre ações envolvendo pejotização, transferindo o julgamento para a Justiça comum.
08) “Sim, foi. Foi um movimento claro de enfraquecimento tanto da Justiça como dos direitos materiais.”
Ao responder sobre os efeitos da reforma trabalhista de 2017, Vinícius afirma que as mudanças representaram um “movimento claro” de enfraquecimento da própria Justiça do Trabalho e dos direitos materiais dos trabalhadores.
09) “É uma deformidade.”
Ao falar de aposentadorias precoces, com pessoas deixando o serviço ainda aos 40 anos, Vinícius classifica essa situação como uma “deformidade”, dentro do debate sobre sustentabilidade do sistema e necessidade de revisão de regras.
10) “Reforçando, isso não é culpa do empresariado. Isso também não é culpa do trabalhador. Isso é culpa de um arranjo que a gente tem que dialogar no Brasil.”
Ainda na discussão sobre reforma trabalhista, pejotização e custos de contratação, Vinícius afirma que nem empresários nem trabalhadores são os responsáveis diretos pelo cenário atual, atribuindo o problema a um “arranjo” estrutural que, segundo ele, precisa ser revisto politicamente e juridicamente.



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