Publicada em 23/10/2025 às 09h07
Porto Velho, RO – Por mais paradoxal que pareça, o isolamento político nem sempre é uma sentença. Às vezes, é apenas o prólogo de uma ressurreição. O jornalista Robson Oliveira, sempre com faro clínico para os humores do poder, descreveu com precisão quase cirúrgica a atual fase de Hildon Chaves: “soprando brasa molhada”, como quem tenta reacender um partido que parece ter perdido o fôlego e a cor. O PSDB de outrora — o das multidões, dos palanques lotados, das hegemonias nacionais — hoje cabe numa mesa de café, com sobra de cadeira.
Mas e se o isolamento de Hildon não for um sintoma terminal, e sim o embrião de uma nova estratégia? A política, afinal, é cheia de ironias — e uma das mais saborosas pode estar se desenhando em Rondônia. Em 2024, outro político — este também acusado de isolamento — transformou o que parecia uma desvantagem em combustível eleitoral. Léo Moraes, então candidato a prefeito, viu-se cercado por alianças que gravitavam em torno da favorita Mariana Carvalho, sustentada por uma coligação pantagruélica: União Brasil, dezenas de vereadores, tempo de TV, dinheiro e o confortável otimismo de quem acreditava que o pleito terminaria no primeiro turno.
Pois bem. A história mostrou que excesso de aliados também pode sufocar. Léo, sem estrutura e sem apadrinhamento, traduziu seu isolamento em linguagem popular. Nasceu o slogan que colou na pele da campanha: “Coligado com o povo.” E deu certo — não por genialidade de marketing, mas porque soou autêntico, como uma resposta direta ao cansaço do eleitor com os arranjos de gabinete. Enquanto Mariana carregava o peso de sua coligação, Léo surfava na leveza simbólica de quem “não devia nada a ninguém”.
Agora, veja só a ironia do destino: Hildon Chaves, que há pouco tempo era visto como o establishment personificado, pode ter no isolamento forçado a oportunidade de vestir a mesma fantasia que um dia adornou seu antigo adversário. O ex-prefeito tucano, desgarrado de apoios e mergulhado num PSDB esvaziado, talvez precise “coligar-se com o povo” para continuar existindo politicamente. É o tipo de inversão que só a política brasileira — especialmente a rondoniense — é capaz de produzir com naturalidade.
Curiosamente, o cenário eleitoral de 2025 reforça essa sensação de travessia. Em setembro, o Instituto Phoenix mostrou Hildon Chaves à frente na corrida pelo governo de Rondônia, com 24,9% das intenções de voto, seguido por Fernando Máximo (15,2%) e Confúcio Moura (13,1%). O levantamento ouviu eleitores de Porto Velho e Candeias do Jamari entre 27 e 29 de setembro de 2025, sinalizando que o ex-prefeito ainda mantém capital político considerável, ao menos na capital e região metropolitana. Já em agosto, a Paraná Pesquisas testou quatro cenários estaduais e indicou que Hildon aparecia entre 8% e 11%, enquanto Fernando Máximo, Marcos Rogério e Ivo Cassol disputavam a dianteira. E, em 17 de outubro, o Real Time Big Data, em parceria com o portal R7, reforçou o quadro de reacomodação: Hildon figurou entre 10% e 12%, atrás de Marcos Rogério (PL), Fernando Máximo (União) e Adailton Fúria (PSD), confirmando que, embora distante da liderança, seu nome ainda é lembrado em todos os cenários simulados.
Vale lembrar ainda que, quando surgiu para o grande público, Chaves foi prejudicado pelas pesquisas de primeiro turno à época, cotejamentos que o trataram como um adversário de menor importância, sem chances de vencer o pleito. A despeito da característica de “outsider”, e das transformações pelas quais o Brasil passava à ocasião, com uma repulsa social em ascensão contra a esquerda e o bolsonarismo avançando em escala meteórica, o discurso contundente de promotor de Justiça e a postura de empresário de sucesso o elevaram ao patamar de vitorioso. Com isso acabou “batendo” o atual prefeito Léo Moraes no segundo turno, sagrando-se prefeito, reconduzido, ainda, em 2020 por mais quatro anos.
Logo, esses números, quando lidos em sequência, não descrevem apenas uma curva de intenções de voto. Revelam a tentativa de sobrevivência de um ator que, mesmo sem a estrutura de outrora, insiste em permanecer no jogo. E talvez esse seja o ponto mais interessante do isolamento tucano: ele pode ser o embrião de uma reconstrução simbólica, não apenas eleitoral.
Claro, há diferenças. Léo Moraes não era exatamente uma novidade — antes de chegar à prefeitura, acumulava passagens pela Câmara Municipal, Assembleia Legislativa e Câmara Federal, além de ter disputado o governo em 2018. Ainda assim, conseguiu renovar sua imagem diante do eleitor, apresentando-se como alguém leve, sem amarras e mais próximo da linguagem popular. Hildon, por outro lado, é a figura do gestor tecnocrata, mais afeito ao PowerPoint do que ao palanque. Se quiser repetir o fenômeno de 2024, precisará trocar o verniz de CEO pela retórica da rua. Não basta caminhar entre o povo; é preciso ser visto como alguém que escuta — e isso exige mais humildade do que marketing.
Na leitura de Robson Oliveira, o isolamento de Hildon é produto de um equívoco clássico: confundir liderança com autoelogio. E há verdade nisso. Hildon sempre se viu como uma espécie de executivo político acima das querelas partidárias — uma postura que funcionou bem enquanto ocupava o gabinete do Prédio do Relógio, mas que soa dissonante quando o jogo exige articulação, alianças e calor humano.
Ainda assim, convém não subestimar o instinto de sobrevivência de quem já venceu eleições em Porto Velho. A política, diferentemente da física, permite reações químicas improváveis. Quem sabe o mesmo eleitorado que consagrou Léo Moraes com a leveza de um “coligado com o povo” não venha a oferecer a Hildon uma segunda chance — não como o gestor engravatado, mas como o político redimido pela solidão?
Há, nesse roteiro, uma pitada de ironia histórica. Hildon e Léo já se enfrentaram em 2012, num debate de ideias e egos que hoje parece pertencer a outro século. De lá para cá, a roda girou. Léo é prefeito e líder incontestável; Hildon, o ex-prefeito em busca de plateia. Mas o eleitor é volúvel, e Rondônia já provou que gosta de histórias de reviravolta.
E talvez o destino do PSDB — nacional e regional — esteja mesmo amarrado a essas reviravoltas. No plano nacional, o partido tenta reconstruir sua identidade depois de anos de apagamento. Um gesto simbólico dessa tentativa ocorreu na última quarta-feira, 22, quando Ciro Gomes, ex-governador do Ceará e figura histórica do PDT, assinou ficha de filiação ao PSDB ao lado de Tasso Jereissati, em evento da legenda em Fortaleza. A cena — um velho pedetista retornando ao ninho tucano — é, por si só, uma metáfora da busca por ressurreição de um partido que já foi sinônimo de poder. Tasso definiu a missão de Ciro como “reconstruir um partido de centro necessário ao Brasil”. É o mesmo desafio de Hildon, guardadas as proporções: reinventar-se sem negar o passado.
Talvez o título do próximo capítulo não seja “Coligado com o povo — Parte II”. Mas, se for, será uma ironia digna de nota: o adversário de ontem imitando, ainda que involuntariamente, a cartilha do vitorioso. A política, como se sabe, é uma arte de contradições. E Hildon, se quiser voltar ao palco principal, terá de aprender a interpretá-las com humildade — e, quem sabe, com um pouco de humor.



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