Publicada em 31/10/2025 às 14h27
Porto Velho, RO – A Justiça Federal da 1ª Região suspendeu, de forma liminar, a operação de desintrusão que vinha sendo executada na região de Alvorada do Oeste, em Rondônia. A decisão foi proferida pelo desembargador federal Newton Ramos, relator da Apelação Cível nº 0012299-77.2011.4.01.4100, e beneficia os produtores rurais Benedito Chaves Leitão, Almerinda de Agostini Sartori (sucessora de Hélio Sartori) e Bernardo Sobreira de Oliveira. O magistrado entendeu que há indícios de erro técnico na demarcação da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, especialmente quanto à localização do marco geográfico 26, e determinou a suspensão imediata das notificações de desocupação expedidas pela Funai.
Segundo a decisão, os colonos alegam exercer posse legítima e contínua há quase quatro décadas sobre imóveis originados de um programa de colonização oficial do Incra, iniciado em 1984. O pedido buscava impedir a remoção forçada de famílias que vivem e produzem na região, sob o argumento de que as notificações da Funai decorrem de um erro material na sobreposição das áreas demarcadas.
Ao analisar o caso, o desembargador destacou a existência de fundada dúvida técnica quanto à precisão da demarcação. O relatório pericial anexado ao processo apontou que o marco 26, mencionado no Decreto nº 275/1991, estaria posicionado a mais de 3,6 quilômetros da localização indicada, deslocando o limite da terra indígena sobre a área colonizada. O magistrado observou que o erro pode ter ocorrido na transposição das coordenadas geográficas e ressaltou que todos os outros pontos da linha divisória coincidem com o Parque Nacional dos Pacaás Novos, criado pelo Decreto nº 84.019/1979.
Há coincidência entre os limites naturais descritos nos decretos e o perímetro físico do parque, exceto no ponto 26, cuja localização não corresponde à margem direita do Igarapé Norte-Sul, conforme indicado no decreto, descreve a perícia citada na decisão.
Para o relator, o risco de dano irreparável ficou comprovado diante da iminência da remoção dos moradores e das perdas materiais — como lavouras, benfeitorias e rebanhos —, além do impacto sobre o direito à moradia e à subsistência. “Trata-se de medida reversível, que visa evitar que um eventual provimento do recurso se torne ineficaz com a desintrusão e retirada das benfeitorias”, registrou.
O desembargador também ressaltou que a disputa não se refere à validade da demarcação da Terra Indígena como um todo, mas à exatidão da localização de um único ponto geográfico. A Funai, em nota técnica juntada aos autos, reconheceu que o conflito é de natureza administrativa entre o próprio órgão e o Incra, e não entre indígenas e colonos. O documento admite que eventual correção no marco 26 “visaria apenas à adequação da demarcação aos próprios termos do decreto, sem reduzir a área indígena”.
Com a decisão, o TRF1 determinou que a Funai e a União se abstenham de praticar qualquer ato de turbação ou esbulho possessório contra os requerentes até o julgamento final do recurso. O magistrado também encaminhou o caso à Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal, conforme a Resolução nº 510/2023 do CNJ, para tentativa de mediação entre os órgãos públicos envolvidos.
Pouco depois da publicação da decisão, o deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO) divulgou um vídeo comemorando a suspensão da operação. “Notícia urgente, urgentíssima: está suspensa a operação de desintrusão da terra indígena lá no município de Alvorada”, afirmou. O parlamentar informou que a decisão partiu do Tribunal Regional Federal em Brasília e destacou o entendimento do magistrado sobre a necessidade de “analisar caso a caso, quem tem título, quem não tem título, onde está a divisa e onde não está”.
Em tom de crítica, Mosquini questionou as ações da Funai durante a operação e cobrou reparação pelos prejuízos causados. “Está suspensa a desintrusão lá em Alvorada. Mas não está suspenso o nosso desejo de justiça com o senhor Bené, com o senhor Nilson. E a minha grande pergunta é: quem vai reconstruir a casa do senhor Bené? Quem vai reconstruir a casa do senhor Nilson, que foi colocada fogo pela Funai?”, declarou.
A decisão ocorre em meio à repercussão da operação de desintrusão executada por órgãos federais na região da BR-429, que resultou na destruição de casas e na retirada de famílias. O governador Marcos Rocha (União Brasil) havia se manifestado afirmando que o governo estadual não tem competência para interferir em decisões judiciais, mas determinou que a Procuradoria-Geral do Estado recorra ao Supremo Tribunal Federal.
Outros membros da bancada de Rondônia, como as deputadas Sílvia Cristina (PL) e Thiago Flores (MDB), também criticaram as ações de desocupação, alegando que muitos dos produtores possuem títulos emitidos pelo Incra. O Ministério Público Federal, por sua vez, mantém a posição de que as desintrusões cumprem decisões judiciais transitadas em julgado e têm como objetivo garantir a integridade do território da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau e a segurança das comunidades originárias.
A suspensão determinada pelo TRF1, portanto, representa uma pausa na execução das ordens de desocupação, enquanto o Tribunal analisa o mérito do recurso e busca uma solução conciliatória para o conflito fundiário que há décadas divide produtores e órgãos federais em Rondônia.



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