
Publicada em 03/07/2025 às 15h17
Mirian Spreáfico, ex-secretária de Justiça na gestão Confúcio Moura, do MDB / Reprodução
Porto Velho, RO – “Se você quiser mergulhar dentro de uma piscina pelada, se quiser trepar num poste, de longe, não é armação não. Eu só preciso que você escute ele como se fosse eu”. A frase, dita por telefone pelo empresário Júlio César Fernandes Martins Bonache à então secretária de Justiça de Rondônia, Mirian Spreafico, integra uma das interceptações telefônicas reunidas nos autos do processo n.º 0006878-16.2014.8.22.0501 e foi usada como uma das provas para a condenação dos envolvidos por corrupção ativa e passiva, no contexto da Operação Termópilas. Cabe recurso.
O diálogo está relacionado ao fato de que Júlio Bonache tentava convencer a secretária Mirian a receber pessoalmente um emissário seu, identificado como E., para tratar de questões envolvendo os contratos da empresa Fino Sabor com a pasta. Segundo o Ministério Público e a sentença, a conversa buscava garantir que Mirian recebesse instruções ou argumentos em nome de Júlio, sem que ele mesmo precisasse se expor, afirmando que o interlocutor falaria “como se fosse ele”.
Na decisão proferida no dia 30 de junho de 2025, a juíza Roberta Cristina Garcia Macedo, da 1ª Vara Criminal de Porto Velho, condenou Mirian Spreafico e Rômulo da Silva Lopes — assessor do então governador Confúcio Moura — a 2 anos e 8 meses de reclusão, além de multa, por seis crimes de corrupção passiva. Ambos tiveram as penas substituídas por prestação de serviços à comunidade. O empresário Júlio Bonache foi condenado por seis crimes de corrupção ativa, à pena de 2 anos de reclusão e multa, também convertida.
A investigação revelou que, entre janeiro e junho de 2011, Bonache teria feito pagamentos mensais de R$ 20 mil para garantir que sua empresa, a Fino Sabor, continuasse fornecendo alimentação para presídios e hospitais públicos, sem atraso nos pagamentos e sem risco de rompimento contratual. Segundo o Ministério Público, os valores eram distribuídos a servidores da SEJUS (Secretaria de Justiça) e da SESAU (Saúde), incluindo Mirian, Rômulo e outros intermediários.
Durante a instrução, o delegado Ricardo Gurgel, que atuou na apuração da Polícia Federal, relatou que havia uma “organização que criava dificuldades para vender facilidades”, com núcleos dentro da SEJUS e da SESAU. Segundo ele, os pagamentos de propina faziam parte de um acordo que envolvia políticos e servidores, inclusive o então presidente da Assembleia Legislativa, Valter Araújo.
A servidora Andressa Maziero Zamberlan, que também prestou depoimento, afirmou ter ouvido diretamente de Bonache que ele pagava os R$ 20 mil mensais à secretaria. Posteriormente, segundo ela, Mirian admitiu ter recebido R$ 7 mil de repasse. Andressa ainda confirmou ter recebido R$ 3 mil e disse que Rômulo fazia a distribuição do dinheiro.
Bonache, em seus depoimentos, alternou versões. Chegou a afirmar que foi coagido e ameaçado por Mirian quando esteve preso. Em uma das passagens, narrou: “Ela foi até o presídio, reuniu-se com meu sócio e o diretor do presídio. Disse: ‘Da situação em que você está, vai continuar peitando a gente, querendo esse contrato?’”.
As interceptações telefônicas também indicam a relação próxima entre o empresário e a então gestora da pasta. Num dos áudios anexados aos autos, ele diz:
“Você é a titular da pasta e eu sou o maior cliente seu, então não tem como. Mesmo que vá ter concorrência, não tem problema. Vai ter. Mas tem que ter a conversa porque… pra saber quem é cliente, fornecedor, entendeu?”
A defesa dos réus alegou nulidades no processo, ausência de dolo, e tentou afastar provas colhidas por meio de interceptações. Todas as preliminares foram rejeitadas pela magistrada, que fundamentou a validade das provas com base na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), destacando o princípio da serendipidade — quando uma investigação revela crimes distintos dos inicialmente apurados.
O juízo fixou pena em regime aberto e concedeu aos réus o direito de recorrer em liberdade. A multa estipulada foi de R$ 390,00 para Mirian, R$ 130,00 para Rômulo e R$ 300,00 para Júlio Bonache. Também foram determinadas comunicações ao TRE, ao Instituto de Identificação de Rondônia e ao INI.
A Operação Termópilas, deflagrada em 2011, expôs um amplo esquema de corrupção que envolveu diversas secretarias estaduais e parlamentares, revelando conexões entre agentes públicos e empresários na negociação de vantagens indevidas.
OS TERMOS DA SENTENÇA:
"[...] DISPOSITIVO Ante o exposto e por tudo que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE a pretensão punitiva estatal exarada na denúncia, e CONDENO os réus MIRIAN SPREAFICO e RÔMULO DA SILVA LOPES, já qualificados nos autos, pela prática do crime previsto nos artigos 317, caput, c/c art. 327, §2º e art. 29, caput, todos do Código Penal e JÚLIO CÉSAR FERNANDES MARTINS BONACHE, já qualificado nos autos, pela prática do crime previsto nos artigo 333, caput, do Código penal, todos por seis vezes, na forma do artigo 71, caput do Código Penal. Passo a dosar a pena, seguindo as diretrizes dos artigos 59 e 68, do Código Penal e de forma individualizada em homenagem ao princípio constitucional da individualização da pena (Art. 5º, inciso XLVI da CRFB)
a) - DA RÉ MIRIAN SPREAFICO A culpabilidade, entendida como o juízo de reprovabilidade social dos fatos e do seu autor, está evidenciada, todavia inerente ao tipo penal. A ré registra antecedentes criminais conforme certidão acostada aos autos (ID. 78849880 - Pág. 12), possuindo ainda uma execução penal arquivada sob nº 0011778-03.2018.8.22.0501, por condenação nos autos de nº 0018927-26.2013.8.22.0501 (Trânsito em julgado em 2016) por crime de peculato, contudo verifica-se que o trânsito em julgado referente aos delitos pelo qual foi condenada, o trânsito em julgado fora em data posterior à data do presente fato de junho de 2011. Quanto à conduta social, não há elementos que possam aferir a conduta social do réu. Referente à personalidade do agente, tem-se que é normal do homem médio. Os motivos do crime são os próprios do tipo penal, não lhe sendo desfavoráveis. As circunstâncias, não há provas suficientes para averiguar as circunstâncias do crime exteriores ao tipo penal. No que concerne às consequências, não apresenta contornos especiais. Desta forma, sopesadas as circunstâncias judiciais, acima sopesadas, em sua maioria, favoráveis, mantenho a pena-base em seu mínimo legal, a saber 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria não concorrem circunstâncias atenuantes e agravantes. Na terceira fase não constam causas de diminuição da pena. Por sua vez, presente a causa de aumento de pena (Art. 327, §2º, do Código Penal), motivo pelo qual aumento em 1/3 (um terço) passando a dosá-la em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, além de 13 (treze) dias-multa, a qual torno DEFINITIVA. O regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal. Atenta ao artigo 44, do Código Penal, e considerando suficiente e socialmente recomendável, SUBSTITUO a privação da liberdade por uma pena restritiva de direito, qual seja, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade
b) DO RÉU RÔMULO DA SILVA LOPES A culpabilidade, entendida como o juízo de reprovabilidade social dos fatos e do seu autor, está evidenciada, todavia inerente ao tipo penal. O réu registra antecedentes criminais conforme certidão acostada aos autos (ID. 78849880 - Pág. 7), contudo verifica-se que o trânsito em julgado referente aos delitos pelo qual foi condenado, o trânsito em julgado fora em data posterior a data do presente fato de junho de 2011. Quanto à conduta social, não há elementos que possam aferir a conduta social do réu. Referente à personalidade do agente, tem-se que é normal do homem médio. Os motivos do crime são os próprios do tipo penal, não lhe sendo desfavoráveis. As circunstâncias, não há provas suficientes para averiguar as circunstâncias do crime exteriores ao tipo penal. No que concerne às consequências, não apresenta contornos especiais. Desta forma, sopesadas as circunstâncias judiciais, acima sopesadas, em sua maioria, favoráveis, mantenho a pena-base em seu mínimo legal, a saber 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria não concorrem circunstâncias atenuantes e agravantes. Na terceira fase não constam causas de diminuição da pena. Por sua vez, presente a causa de aumento de pena (Art. 327, §2º, do Código Penal), motivo pelo qual aumento em 1/3 (um terço) passando a dosá-la em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de reclusão, além de 13 (treze) dias-multa, a qual torno DEFINITIVA. O regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal. Atenta ao artigo 44, do Código Penal, e considerando suficiente e socialmente recomendável, SUBSTITUO a privação da liberdade por uma pena restritiva de direito, qual seja, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade.
c) DO RÉU JÚLIO CÉSAR FERNANDES MARTINS BONACHE A culpabilidade, entendida como o juízo de reprovabilidade social dos fatos e do seu autor, está evidenciada, todavia inerente ao tipo penal. O réu registra antecedentes criminais conforme certidão acostada aos autos (ID. 78849880 - Pág. 3/6), contudo verifica-se que o trânsito em julgado referente aos delitos pelo qual foi condenado, o trânsito em julgado fora em data posterior a data do presente fato de junho de 2011. Quanto à conduta social, não há elementos que possam aferir a conduta social do réu. Referente à personalidade do agente, tem-se que é normal do homem médio. Os motivos do crime são os próprios do tipo penal, não lhe sendo desfavoráveis. As circunstâncias, não há provas suficientes para averiguar as circunstâncias do crime exteriores ao tipo penal. No que concerne às consequências, não apresenta contornos especiais. Desta forma, sopesadas as circunstâncias judiciais, acima sopesadas, em sua maioria, favoráveis, mantenho a pena-base em seu mínimo legal, a saber 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. Na segunda fase da dosimetria não concorrem circunstâncias atenuantes e agravantes. Na terceira fase não constam causas de aumento e diminuição da pena, motivo pelo qual fixo a pena definitiva em 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa. O regime inicial de cumprimento de pena será o ABERTO, nos termos do art. 33, § 2º, ‘c’, do Código Penal. Atenta ao artigo 44, do Código Penal, e considerando suficiente e socialmente recomendável, SUBSTITUO a privação da liberdade por uma pena restritiva de direito, qual seja, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade
OUTRAS DISPOSIÇÕES
Concedo aos réus o direito de recorrer em liberdade, porque nesta condição foi processado e não verifico a presença de algum fundamento para decretação da prisão preventiva. Fixo o valor do dia-multa no patamar de R$ 30,00 (trinta reais) aos réus que foram representados por advogados constituídos. Fixo o valor do dia-multa no patamar de R$ 10,00 (dez reais) ao réu Rômulo, uma vez que foi patrocinado pela Defensoria Pública do Estado de Rondônia, o que evidencia sua situação de hipossuficiência. Sendo assim, após o trânsito em julgado: a) Expeça-se mandado de intimação para que os réus procedam ao pagamento da multa no valor, devendo Júlio realizar o pagamento no importe de R$ 300,00 (trezentos reais), Mirian realizar o pagamento no importe de R$ 390,00 (trezentos e noventa reais) e Rômulo realizar o pagamento no importe de R$ 130,00 (centro e trinta reais), no prazo de 15 (quinze) dias. Não havendo pagamento no prazo legal, proceda-se nos termos do art. 269-A e seguintes das DGJ. b) Comunique-se ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral), nos termos do art. 15, inciso III, da Constituição Federal e Art. 71, §2º, do Código Eleitoral. c) Comunique-se ao II/RO (Instituto de Identificação do Estado de Rondônia) e ao INI (Instituto Nacional de Identificação) sobre o teor desta condenação; d) Expeça-se a respectiva guia de execução, com intimação prévia para que o réu dê início ao cumprimento da pena, de acordo com a Resolução n. 417 do CNJ; Cumpridas as deliberações supra e promovidas as anotações e comunicações pertinentes, estes autos poderão ser arquivados, com as baixas e cautelas de costume. P. R. I. Cumpra-se. SERVE A PRESENTE SENTENÇA COMO MANDADO DE INTIMAÇÃO AOS ACUSADOS.
Porto Velho - RO, segunda-feira, 30 de junho de 2025.
Roberta Cristina Garcia Macedo
Juíza de Direito [...]".
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