Publicada em 15/12/2025 às 10h18
A 4ª Vara Cível da Comarca de Vilhena, do Tribunal de Justiça de Rondônia, proferiu decisão de saneamento e organização do processo na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 7005697-85.2019.8.22.0014, movida pelo Ministério Público do Estado de Rondônia, mantendo a ação em tramitação e rejeitando preliminares apresentadas por réus, entre eles o ex-prefeito de Vilhena José Luiz Rover, ex-integrantes do alto escalão municipal, empresários e empresas.
O processo trata de fatos atribuídos a meados de 2013 e, conforme a inicial do Ministério Público, apura a suspeita de que ex-agentes públicos municipais, “valendo-se das facilidades e benesses de cargos públicos” que ocupavam à época, teriam solicitado e recebido vantagem indevida no valor de R$ 200.000,00. Segundo a acusação, o pagamento teria sido oferecido por Lucídio José Cella para influenciar atos administrativos que incluiriam a redução de débitos tributários municipais da empresa Rondomar Construtora de Obras Eireli, no processo administrativo nº 2.221/2010, e a contratação da empresa Rondônia Transportes e Serviços Ltda para obras de pavimentação e drenagem em vias urbanas de Vilhena, no âmbito do processo administrativo nº 4.661/2013.
Além da suposta propina, o Ministério Público sustenta que teria ocorrido “lavagem” do valor indevido por meio de movimentações financeiras relacionadas a recursos públicos. A acusação descreve que depósitos de rendas públicas, que deveriam ter servido à quitação dos serviços contratados com a empresa Rondônia Transportes, teriam sido realizados em conta bancária de pessoa jurídica estranha à relação contratual: a empresa P. B. A. L., vinculada à atuação do requerido identificado como S. S. De acordo com a narrativa ministerial, o objetivo seria dissimular a natureza ilícita, a movimentação e os destinatários finais dos valores, apontando como beneficiários os ex-agentes públicos.
Na ação, o Ministério Público requer, entre outros pedidos, a decretação de indisponibilidade de bens dos demandados; a declaração de nulidade do processo administrativo nº 4.661/2013 e do contrato administrativo nº 267/2013, celebrado entre o Município de Vilhena e a empresa Rondônia Transportes e Serviços Ltda, com reconhecimento de que a nulidade também teria decorrido de culpa da contratada; e a condenação dos réus por atos de improbidade por violação a princípios administrativos e por condutas que teriam gerado enriquecimento ilícito e dano ao erário, com fundamento nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992.
No curso do processo, houve concessão de tutela de urgência e, posteriormente, revisão parcial de decisão para restringir o alcance da indisponibilidade a determinados bens. Réus foram notificados e apresentaram defesas preliminares e contestações com pedidos de extinção do feito, rejeição parcial da inicial, reconhecimento de nulidades, revogação de medidas de bloqueio e improcedência dos pedidos.
Entre os argumentos destacados pelas defesas, constam alegações de inépcia da inicial, ilegitimidade passiva e cerceamento de defesa, sob o argumento de que acordos de colaboração premiada e termos de declarações prestados no âmbito criminal não teriam sido juntados aos autos cíveis, o que teria dificultado o exercício da ampla defesa. Houve, ainda, teses sustentando inexistência de fraude licitatória, ausência de prejuízo ao erário e inexistência de participação de determinados réus nos fatos descritos como “lavagem de dinheiro”. Em relação a tributos, foi levantada a alegação de que a redução do ISSQN teria ocorrido conforme entendimento já pacificado no TJRO e no STF, não havendo dano ao patrimônio público.
Parte dos réus sustentou que firmou acordo de colaboração premiada, com devolução de valores e multa, e pleiteou que os efeitos do acordo na esfera criminal fossem estendidos ao âmbito cível, inclusive para afastar sanções ou impedir dupla restituição pelos mesmos fatos. Também houve pedido de suspensão do processo em razão de tema de repercussão geral.
Ao analisar as preliminares, a juíza Christian Carla de Almeida Freitas rejeitou a alegação de inépcia da inicial por ausência de individualização das condutas atribuída ao ex-prefeito José Luiz Rover, registrando que o ponto teria relação com discussão sobre retroatividade das alterações da Lei nº 14.230/2021 e que o tema já teria sido enfrentado pelo Supremo Tribunal Federal quanto à irretroatividade, em tese fixada. A magistrada também rejeitou a preliminar de ilegitimidade passiva do ex-prefeito, destacando que o entendimento jurisprudencial citado pela defesa estaria superado.
A decisão ainda afastou a preliminar de ilegitimidade passiva apresentada pela empresa P. B. A. L., consignando que, conforme a imputação feita na ação, a pessoa jurídica teria sido utilizada para a prática dos atos atribuídos ao seu procurador, identificado como S. S. Também foi rejeitada a nulidade de citação por edital do herdeiro Gláucio José Dalla Cortt Cella, no contexto do falecimento de Lucídio José Cella, com manutenção da inclusão de herdeiros no polo passivo, após informação do Ministério Público sobre a existência de inventário e indicação de herdeiros.
Com o afastamento das questões preliminares, o juízo declarou o processo saneado e fixou os pontos controvertidos que orientarão a fase de instrução. Entre eles estão a possibilidade de uso da colaboração premiada por réus específicos e se essa colaboração pode produzir efeitos no processo cível, inclusive em benefício de empresa privada; e a apuração sobre eventual conluio entre os réus para a prática de atos que teriam causado enriquecimento ilícito e dano ao erário municipal.
A magistrada também registrou a regra geral de distribuição do ônus da prova prevista no artigo 373 do Código de Processo Civil, atribuindo ao autor a prova do fato constitutivo do direito e aos réus a demonstração de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos. Como providências adicionais, determinou que seja oficiada a 1ª Vara Criminal para informar se houve trânsito em julgado da ação penal nº 0000505-96.2019.8.22.0014.
No capítulo patrimonial, a decisão consignou que um imóvel anteriormente indicado como garantia, de matrícula nº 33.493, estaria gravado por diversas garantias e, por isso, não se prestaria ao ressarcimento. Diante disso, determinou a indisponibilidade dos imóveis de matrículas nº 27.406 e nº 21.709, do Cartório de Registro de Imóveis de Cascavel.
Ao final, a juíza abriu prazo de cinco dias para que as partes indiquem se pretendem ajustes na decisão de saneamento e prazo de quinze dias para apresentação de rol de testemunhas, encaminhando o processo à fase de produção de provas. A decisão foi datada de sexta-feira, 12 de dezembro de 2025, e assinada pela juíza de Direito Christian Carla de Almeida Freitas.



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