Publicada em 08/10/2025 às 15h00
O Tribunal de Contas da União (TCU) julgou, em 1º de outubro de 2025, a Representação autuada no TC 003.193/2023-3 acerca de indícios de irregularidade na Inexigibilidade de Licitação 1/2019 do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), que resultou na contratação direta de um escritório de advocacia. Por maioria, o Plenário conheceu da representação e a considerou parcialmente procedente, aplicando multa individual de R$ 4.333,00 a Manoel Carlos Neri da Silva (presidente à época), Gilney Guerra de Medeiros (1º tesoureiro em 2019) e Tycianna Goes da Silva Monte Alegre (procuradora-geral em 2019), com prazo de 15 dias para comprovação do recolhimento, sob atualização monetária na forma da legislação (Acórdão nº 2303/2025 – Plenário).
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A contratação questionada foi firmada em 11 de março de 2019 pelo valor inicial de R$ 640.000,00 para patrocínio de quatro processos então em trâmite no TCU (TCs 001.320/2014-9, 021.899/2014-2, 030.787/2015-7 e 029.557/2016-0) e elaboração de parecer jurídico sobre a natureza jurídica dos conselhos profissionais, regime de pessoal e responsabilidade de conselheiros. Dois aditivos elevaram o valor global a R$ 798.000,00: o primeiro incluiu o TC 036.608/2016-5 (Fiscalização de Orientação Centralizada em conselhos profissionais) e o segundo agregou parecer sobre aquisição de máscaras durante a pandemia de covid-19.
A Controladoria-Geral da União apontou, no relatório que originou a apuração, ausência de demonstração da “singularidade” do objeto contratado — requisito previsto no art. 25, II, da Lei 8.666/1993 para justificar a inexigibilidade. Em audiência, os três responsáveis defenderam a regularidade do procedimento. Sustentaram que a singularidade deveria ser aferida de modo global, dado o encadeamento entre a defesa nos TCs e o parecer estratégico; alegaram notória especialização do escritório, complexidade da atuação perante o TCU, jurisprudência que ampararia a contratação direta e possível conflito de interesses para o corpo jurídico próprio. Em documento conjunto, afirmaram: “a advocacia junto ao TCU envolve constante pesquisa e atualização da jurisprudência, além de diálogo aberto com os gabinetes e unidades técnicas, o que justifica a contratação de notórios especialistas para o patrocínio das causas”; e ainda que “pode haver conflito de interesses entre os profissionais dos quadros funcionais do Conselho e do Corpo Dirigente”.
No curso da instrução, houve posicionamentos técnicos divergentes. A Unidade de Auditoria Especializada em Contratações (AudContratações) registrou proposta no sentido da improcedência e do arquivamento, entendendo que alterações legislativas posteriores — Lei 14.039/2020 (que reconhece a natureza técnica e singular dos serviços de advocacia quando comprovada notória especialização) e Lei 14.133/2021 (que, no art. 74, III e § 3º, exige essencialidade e adequação, sem mencionar “singularidade” como requisito) — teriam afastado a antijuridicidade da conduta. A direção da unidade, porém, divergiu. Ressaltou que o exame deveria observar o regime vigente ao tempo dos fatos (Lei 8.666/1993) e, ainda que considerada a legislação posterior, seria necessário demonstrar a “essencialidade” do notório especialista para a plena satisfação do objeto, o que não se comprovou nos quatro processos inicialmente abrangidos.
O relator, ministro Jhonatan de Jesus, acolheu a divergência da direção técnica. Em seu voto, assinalou que o parecer jurídico e, em tese, a atuação no TC 036.608/2016-5 poderiam guardar maior complexidade, mas este último só foi incluído por aditivo, não servindo como fundamento para a inexigibilidade original. Quanto aos TCs 001.320/2014-9, 021.899/2014-2, 030.787/2015-7 e 029.557/2016-0, avaliou tratar-se de matérias “de natureza comum e rotineira” — como irregularidades em convênios, pesquisa de preços, verbas trabalhistas e gestão de contratos — passíveis de defesa pelo corpo jurídico do Cofen ou, se necessário, por meio de processo competitivo. Com base nisso, concluiu que não houve comprovação da natureza singular exigida à época (art. 25, II, da Lei 8.666/1993) nem do requisito de “essencialidade” previsto hoje no art. 74, § 3º, da Lei 14.133/2021.
O voto revisor, do ministro Walton Alencar Rodrigues, reforçou a excepcionalidade da contratação direta e apontou duas falhas principais: inexistência, no processo de inexigibilidade, de motivação específica que demonstrasse a inviabilidade de competição e a confiança técnica (“situação em que apenas poucos escritórios têm expertise na questão excepcional e incomum específica”); e “absoluta ausência de justificativa para o preço contratado”, em afronta ao art. 26, parágrafo único, III, da Lei 8.666/1993. Para o revisor, “o processo de inexigibilidade limitou-se a declarar os valores, sem apresentar pesquisa de mercado, análise de contratos análogos ou outro elemento que demonstrasse a razoabilidade dos honorários”.
Ao final, o Plenário aprovou o Acórdão nº 2303/2025, que: conheceu da representação; a considerou parcialmente procedente; aplicou multa individual de R$ 4.333,00 aos três responsáveis, com prazo de 15 dias para comprovação do recolhimento ao Tesouro Nacional; deu ciência ao Cofen da inconformidade consistente em incluir, no mesmo instrumento de inexigibilidade, defesa processual em quatro TCs “sem observância aos critérios de singularidade e de essencialidade”; e determinou o arquivamento. Consta da Ata nº 39/2025 a presença dos ministros Vital do Rêgo (presidente), Walton Alencar Rodrigues, Augusto Nardes, Aroldo Cedraz, Antonio Anastasia e Jhonatan de Jesus (relator), além dos ministros-substitutos convocados Augusto Sherman Cavalcanti e Marcos Bemquerer Costa.



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