Publicada em 12/10/2025 às 10h38
Reportagem: texto, entrevistas e fotos de capa por Vinicius Canova, a convite do Rondônia Dinâmica
Porto Velho, RO — O ano de 2024 ficou marcado na memória dos rondonienses como um período de angústia e sufocamento. O céu, antes de um azul vibrante, assumiu uma tonalidade cinza-alaranjada, um véu tóxico que cobria cidades e florestas. A fumaça, densa e persistente, não era apenas um incômodo, mas um sintoma visível de uma crise ambiental sem precedentes. A Amazônia ardia, e Rondônia estava no epicentro da devastação. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) revelaram a dimensão da catástrofe: entre janeiro e setembro daquele ano, o estado registrou 7.282 focos de incêndio, um aumento alarmante de 169% em relação a 2023. No Brasil inteiro, as queimadas alcançaram cerca de 30 milhões de hectares em todo o território — a segunda maior área atingida pelo fogo nas últimas quatro décadas. O dado, divulgado pelo MapBiomas, mostra que a extensão devastada superou em 62% a média registrada entre 1985 e 2024.
Já no estado, Unidades de Conservação e Terras Indígenas, santuários da biodiversidade, foram severamente atingidas, e a saúde da população, especialmente de crianças e idosos, entrou em colapso. O governo estadual, acuado, decretou situação de emergência ambiental. O cenário era desolador, e a sensação de impotência, generalizada.

Agosto de 2024 — o céu de Rondônia se torna laranja-opaco, e a cruz solitária sintetiza a travessia de um estado sufocado pela fumaça / Foto: Vinicius Canova
Foi nesse contexto, comparado a um verdadeiro “cenário de guerra”, que o Ministério Público de Rondônia (MP/RO) assumiu um protagonismo decisivo. A gênese da estratégia deu-se em 2024, ainda sob o comando do então procurador-geral Ivanildo de Oliveira: a pedido dele, foi concebida uma força-tarefa interinstitucional que alinhou promotores do meio ambiente e órgãos de fiscalização, resultando na Operação Temporã, deflagrada naquele ano e marcada pela integração com forças de segurança e apoio logístico militar. Em 2025, com a posse de Alexandre Jesus de Queiroz Santiago em fevereiro, a engrenagem foi mantida e ampliada — inclusive com a criação do Núcleo de Combate ao Crime Organizado Ambiental, desenho criminal voltado a atingir lideranças e patrimônio das cadeias ilícitas. A filosofia por trás da ação foi resumida de forma contundente pelo promotor de Justiça Pablo Hernandez Viscardi, então à frente do GAEMA: “Se o cenário é de guerra, precisamos dar uma resposta à altura, efetiva e proativa”

Ivanildo de Oliveira (à esquerda) idealizou a força-tarefa ambiental em 2024; Alexandre Jesus de Queiroz Santiago (à direita) ampliou a estrutura em 2025, consolidando a atuação integrada destacada pelo promotor Pablo Hernandez Viscardi / Foto: MP/RO
A resposta veio, e foi implacável. A Operação Temporã, em suas fases I e II, focou em áreas críticas, onde a devastação era mais intensa. Os resultados foram extraordinários. Na Estação Ecológica Soldado da Borracha, os focos de incêndio despencaram de 1.100 para apenas 3 entre agosto e novembro de 2024. No Parque Estadual de Guajará-Mirim, a redução foi igualmente impressionante: de 342 para 11 focos, uma queda superior a 95%. A ação repressiva resultou em 14 prisões e no cumprimento de 24 mandados de busca e apreensão, desarticulando parte das redes criminosas que lucravam com a destruição da floresta. O promotor Pablo Hernandez Viscardi não hesitou em apontar a existência de uma "associação criminosa que atua de forma organizada", que chegava a usar armas de fogo para intimidar e dificultar o trabalho dos fiscais e brigadistas. A atuação integrada, segundo ele, era "essencial para reprimir esses crimes, proteger o bioma amazônico e garantir a saúde da população".
Ações dos governos de Rondônia e Federal em 2024
Em meio ao colapso ambiental que assolava o estado, o Governo de Rondônia intensificou suas ações de enfrentamento às queimadas. Sob coordenação do Corpo de Bombeiros Militar (CBMRO) e da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam/RO), foi ampliada a Operação Temporã, que contou com reforço das forças de segurança estaduais e apoio direto do Governo Federal. O comandante-geral do CBMRO, coronel Nivaldo de Azevedo Ferreira, relatou que brigadistas e bombeiros chegaram a ser alvejados por disparos dentro do Parque Estadual de Guajará-Mirim, o que levou o governador Marcos Rocha a determinar o envio imediato de tropas estaduais para garantir a integridade das equipes em campo. A ação conjunta — que envolveu cerca de 300 profissionais, entre servidores estaduais, federais e militares — rapidamente reduziu os focos de incêndio no parque, que caíram de aproximadamente 400 para apenas quatro em uma semana. Diante da fumaça densa que também atingia Rondônia vinda da Bolívia, o governador solicitou ao então ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, o envio de uma aeronave de combate a incêndios capaz de operar em faixa transfronteiriça. O pedido foi atendido após reunião entre ambos no Palácio Rio Madeira, em Porto Velho, no início de setembro.

O governador Marcos Rocha e o ministro Wellington Dias durante reunião no Palácio Rio Madeira, em Porto Velho, em setembro de 2024 / Foto: MDS
Durante o encontro, o ministro e o governador definiram um plano integrado de atuação entre os dois níveis de governo, que envolveu o Exército Brasileiro, o IBAMA, a Polícia Federal, a Polícia Militar e a Sedam/RO. O secretário estadual Marco Antonio Ribeiro de Menezes Lagos, responsável pela coordenação ambiental das ações, destacou que as equipes também se deslocaram para a Estação Ecológica Soldado da Borracha, uma área de 178 mil hectares marcada por conflitos fundiários e reincidência de queimadas ilegais. Ele explicou que a operação concentraria esforços em prisões em flagrante e responsabilização direta dos autores. “É inadmissível causarem queimadas nessa época do ano em que o ar está tão ruim e ninguém tem empatia”, declarou o secretário, ressaltando que seria usada “a força da lei” para coibir novos focos. Já o ministro Wellington Dias, ao lado de representantes da Defesa Civil Nacional, afirmou que o Governo Federal estava “comprometido em cuidar da Amazônia e de Rondônia”, garantindo apoio logístico, assistência humanitária e o envio de recursos emergenciais para comunidades ribeirinhas, indígenas e extrativistas afetadas pela estiagem e pela fumaça.

Rondônia atingiu em setembro de 2024 o maior número de focos de queimadas desde 2010, segundo o BDQueimadas / Gráfico: Vinicius Canova
Paralelamente à ofensiva em campo, o MP/RO atuou em outra frente crucial: a política. Em junho de 2025, a instituição abriu um procedimento para acompanhar administrativamente o arquivamento, pela Assembleia Legislativa, do Projeto de Lei 803/2025. O diploma legal visava liberar R$ 10 milhões para o pagamento de diárias de fiscais ambientais. O promotor Hernandez alertou que a suspensão dos recursos colocava em risco não apenas as obrigações legais do estado, mas também compromissos internacionais assumidos pelo Brasil. O Ministério Público requisitou explicações técnicas do legislativo e do governo, cobrando um plano emergencial para garantir o financiamento da fiscalização e o enfrentamento da estiagem, que se mostrava cada vez mais severa.

A destruição causada pelo fogo em Porto Velho, capital de Rondônia / Foto: Prefeitura de Porto Velho
Após a intervenção, já em agosto deste ano, o Legislativo aprovou, por unanimidade, na última semana, outra norma: o Projeto de Lei nº 1006/2025. A proposta aprovada autorizou a abertura de crédito adicional suplementar, no valor de R$ 10 milhões, destinado ao Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia (CBMRO). O montante foi remanejado a partir da Secretaria de Estado de Finanças (Sefin/RO) e aplicado na Operação Verde Rondônia 2025 — iniciativa integrante da segunda fase do Plano de Ação de Combate às Queimadas e Incêndios Florestais no estado.

Placa de 'acesso proibido' carbonizada simboliza a invasão e destruição que consumiu Rondônia em 2024. A imagem, feita na área do aeroporto de Porto Velho, sintetiza o cenário de guerra enfrentado pelo estado / Foto: Vinícius Canova
A estratégia do MP/RO, no entanto, não se resumiu à repressão e à pressão política. A instituição compreendeu que a batalha contra as queimadas só seria vencida com o engajamento da sociedade. Em julho de 2025, foi lançada a campanha educativa "Não queimar, para preservar". Com vídeos veiculados em emissoras de TV, mensagens em rádios e forte presença nas redes sociais, a campanha buscou conscientizar a população sobre os perigos das queimadas e a importância da denúncia. A promotora de Justiça Valéria Giumelli Canestrini, atual coordenadora do GAEMA, explicou que o objetivo era "alertar que as ações humanas de queimar resíduos, queimar pastos, queimar áreas públicas podem reverter em incêndios tanto urbanos como florestais de forma descontrolada". A campanha reforçou a mensagem de que um meio ambiente equilibrado é um direito de todos, e que a participação cidadã é fundamental para a sua proteção.

Sob comando da promotora de Justiça Valéria Giumelli Canestrini, atual coordenadora do GAEMA, o MP/RO apresentou a campanha “Não queimar, para preservar”, que reforçou a conscientização sobre os riscos das queimadas e a importância da denúncia / Foto: AROM
O resultado dessa atuação coordenada, que combinou inteligência, repressão, articulação política e educação ambiental, foi uma virada histórica. O ano de 2025 marcou a mais drástica redução de queimadas já registrada em Rondônia. Os dados do INPE comprovaram o sucesso da estratégia: os focos de incêndio, que haviam somado 28.513 em 2024, caíram para apenas 2.590 em 2025. Uma redução de 91,4%, que colocou Rondônia no primeiro lugar do ranking nacional de combate ao fogo. A conquista foi celebrada como um exemplo para o resto do país, um testemunho do que é possível alcançar quando há vontade política e, principalmente, integração institucional.
A cronologia dos eventos revela uma escalada dramática que exigiu respostas cada vez mais contundentes. Já no primeiro semestre de 2024, os sinais de alarme soaram alto. Rondônia registrou um aumento de 50% nos focos de queimadas em comparação ao mesmo período de 2023, o pior registro desde 2016. Apenas em junho de 2024 foram 183 focos — o maior valor para o mês de junho desde 2019. A situação se agravou com a chegada da estiagem amazônica, que se intensifica entre julho e setembro. Até 19 de agosto, o estado já contabilizava 4.887 focos de fogo, o dobro do registrado no ano anterior, e cerca de 107 mil hectares queimados. O Parque Estadual Guajará-Mirim, com seus 216 mil hectares de floresta protegida, teve mais de 100 mil hectares afetados, segundo levantamentos de monitoramento por satélite realizados pelo Censipam entre junho e agosto de 2024. Já na região da Estação Ecológica Soldado da Borracha, criada para preservar a natureza e propiciar o desenvolvimento de pesquisas científicas, o mesmo monitoramento apontou cerca de 163 mil hectares impactados pelo fogo. O processo de destruição seguia sempre o mesmo padrão criminoso: desmate, incêndio e grilagem.

Bastidores da Operação Temporã: promotores do MP/RO, forças de segurança e órgãos ambientais durante reuniões estratégicas e ações integradas de campo em 2024 / Fotos: Ministério Público de Rondônia
O promotor Pablo Hernandez Viscardi foi categórico ao afirmar à época a natureza dolosa dos incêndios. "Sabemos que os incêndios são criminosos, sabemos que esses criminosos que atuam lá atuam de forma organizada, de forma articulada, já temos linhas investigativas nesse sentido. Não há incêndio acidental, não há incêndio voluntário, há dolo, há crimes", declarou. O promotor também apontou o que considera um dos principais incentivos para a continuidade dos crimes ambientais: o apoio político tácito à regularização futura de áreas griladas. "Eles [invasores] sabem e sentem o apoio político para eventual regularização futura. Mas volto a dizer: o que eles estão fazendo ali é grilagem e grilagem nenhuma poderá ser regularizada, poderá contar com a anuência do poder público. Se os políticos nossos sinalizassem no sentido de que aquela área não será regularizada e que o que eles estão fazendo é crime, com certeza eles se sentiriam desestimulados", anotou.
A Operação Temporã, que surgiu justamente da percepção de que havia uma "falta de nexo de interlocução entre os órgãos responsáveis", conforme explicou o próprio promotor Viscardi, foi estruturada para preencher essa lacuna. O MP/RO convocou reuniões estratégicas que reuniram representantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), da Polícia Federal, da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam/RO), do Corpo de Bombeiros Militar de Rondônia (CBMRO), da Polícia Militar, da Polícia Civil, da Polícia Técnico-Científica (Politec), entre outros.

Vista aérea de área atingida por queimadas durante as incursões da Operação Temporã / Foto: Ministério Público de Rondônia
A estratégia foi clara: alinhar as ações, compartilhar inteligência e agir de forma coordenada. O resultado é o desdobramento e continuidade de medidas enérgicas para que a população de Rondônia não veja o futuro repetir o passado. A exemplo da Operação Verde Rondônia 2025, que integrou 259 militares em campo, 15 bases descentralizadas, 17 bases integradas, monitoramento aéreo e terrestre com aeronaves, drones e veículos especializados. A tecnologia também foi uma aliada fundamental. Uma Central de Monitoramento do Projeto Sentinela foi implantada no Centro Integrado de Operações Policiais (CIOP) de Porto Velho, com um painel visual georreferenciado que fornecia dados em tempo real sobre focos de incêndio, efetivos, viaturas e recursos disponíveis, alimentados por satélites e pelo Painel do Fogo via Ministério da Defesa e Censipam. E ainda foram capacitados 51 brigadistas civis, incluindo brigadas indígenas, totalizando 958 pessoas treinadas para atuar em campo. A mensagem é clara: a proteção da floresta é responsabilidade de todos, e cada cidadão pode fazer a diferença ao denunciar crimes ambientais.

O promotor de Justiça Pablo Hernandez Viscardi, atual coordenador do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública (GAESP) e do Núcleo de Combate ao Crime Organizado Ambiental / Foto: Vinicius Canova
Entrevista exclusiva — Pablo Hernandez Viscardi detalha bastidores da virada histórica no combate ao fogo
MP é referência para o Brasil em combate a crimes ambientais
Na quinta-feira, 09, o promotor de Justiça Pablo Hernandez Viscardi conversou com o jornalista Vinicius Canova, convidado em caráter especial pelo jornal Rondônia Dinâmica, e descreveu, em minúcias, a resposta institucional à crise de queimadas de 2024 e os ajustes que sustentaram a queda dos focos em 2025. Atual coordenador do Grupo de Atuação Especial de Segurança Pública (GAESP) e do Núcleo de Combate ao Crime Organizado Ambiental, e ex-coordenador do GAEMA até março deste ano, Viscardi afirmou que a temporada crítica entre agosto e outubro de 2024 combinou seca severa com prática criminosa. “A grande maioria dos incêndios foram dolosos, intencionais”, disse, citando tanto fogo ateado para danificar áreas protegidas e renovar pasto quanto queimadas que “saíram do controle” devido às condições climáticas.
Segundo o promotor, a virada começou quando o Ministério Público articulou uma força-tarefa interinstitucional com órgãos estaduais e federais como IBAMA, ICMBio, Polícia Federal, Polícias Militar e Ambiental, Sedam/RO, Censipam, entre outros, para planejar ações com base em dados técnico-científicos. Dessa governança nasceu a Operação Temporã, priorizando as áreas mais sensíveis — Parque Estadual Guajará-Mirim e Estação Ecológica Soldado da Borracha. Viscardi relatou que, em cerca de duas semanas da fase inicial no parque, os focos caíram “em 90%”; na sequência, a equipe migrou para a Estação, repetindo o padrão de redução e ajustando o deslocamento conforme a reativação de focos. “Parecia uma briga de gato e rato”, resumiu. A Polícia Civil prendeu, ao longo de 2024, 11 suspeitos ligados aos incêndios no parque; na retomada preventiva de 2025, outras 12 ou 13 prisões ocorreram, o que, somado ao regime de chuvas mais prolongado neste ano, “evitou que o cenário se repetisse”.
Viscardi sustentou que o papel do MP foi integrar e dar direção comum. A metodologia — “atuação baseada em critérios técnicos, científicos e integrada” —, segundo ele, tornou-se referência e foi apresentada em eventos nacionais e internacionais; em novembro, promotores latino-americanos convidaram a equipe para expor o caso. O promotor também defendeu distinção entre “organização criminosa” e facção: o que se observa nas unidades de conservação é uma cadeia econômica ilegal, não o domínio de facções. Ele descreveu a “cadeia do fogo”: seleção e extração de madeiras valiosas com “esquentamento” no mercado legal; corte raso; uso do fogo para limpeza; semeadura de pastagem e entrada do gado; e, em etapas posteriores, eventual transição para grãos após correção do solo. “O verdadeiro responsável está longe, usa laranjas e pessoas vulneráveis para o serviço sujo e depois explora economicamente a área.”

A “cadeia do fogo”, como define o promotor Pablo Hernandez Viscardi, começa na extração ilegal e no “esquentamento” da madeira e termina na grilagem de áreas devastadas; o MP/RO passou a tratar o esquema como organização criminosa com lavagem de dinheiro e falsificação / Infográfico: Vinicius Canova
Como resposta, o MP ampliou o escopo penal: além dos crimes ambientais, passou a enquadrar líderes por associação/organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade documental e crimes tributários, abrindo caminho para atingir patrimônio e lucros. Viscardi citou a Operação Arigós, segunda fase de um caso iniciado em 2022 na Estação Soldado da Borracha, com medidas cautelares de restrição patrimonial para garantir indenização e efeito dissuasório. “É uma nova forma de atuação… atacar a cadeia toda.”
No campo sancionatório, ele avaliou que o problema central não é a falta de lei, mas a dificuldade de identificar autores em áreas públicas extensas e inóspitas. Em contexto urbano, medidas administrativas mais duras — como as adotadas em Porto Velho — “inibem” a conduta; já nas unidades de conservação, a presença permanente do Estado é decisiva. Como exemplo, apontou a base criada na entrada da Estação Soldado da Borracha após 2024, que “coibiu bastante” incêndios e outros crimes. A fiscalização, porém, enfrenta obstáculos logísticos: deslocamentos longos em terreno difícil e o “domínio do território” por parte dos criminosos. “É um jogo de gato e rato… o Estado tem amarras legais; o criminoso, não.”
Viscardi enfatizou que a atuação do MP em Rondônia é cumulativa e institucional — não “personalizada” —, destacando o apoio das administrações do Ministério Público, a soma de esforços de promotores do GAEMA e a criação, pela atual gestão, do braço criminal específico (Núcleo de Combate ao Crime Organizado Ambiental). Além da Temporã, citou a Operação Mapinguari, desocupação do Parque de Guajará-Mirim com mais de 300 agentes por vários meses, executada sem confrontos no dia da retirada graças ao trabalho prévio. “Hoje eu posso dizer que o Ministério Público de Rondônia é referência na tutela ambiental, seja civil ou criminal, preventiva ou repressiva.”
Por fim, o promotor fez uma distinção necessária sobre o setor produtivo: “A grande maioria do agronegócio é legal”, observou, mas alguns atores “atuam à margem” e contaminam a imagem do conjunto, com riscos inclusive para exportações diante de requisitos internacionais de compliance. A mensagem que pretende reforçar, disse, é a responsabilização dos criminosos — onde quer que estejam — sem demonizar atividades econômicas regulares.
O impacto da fumaça na saúde humana, um dos pilares da atuação do MP/RO, foi detalhado por especialistas como a médica pesquisadora da Fiocruz, Sandra Hacon. Em seus estudos, ela demonstrou que respirar a fumaça das queimadas na Amazônia equivale a fumar de quatro a cinco cigarros por dia, ou até o dobro, dependendo da localidade. As partículas tóxicas, segundo a pesquisadora, podem danificar o material genético, causar a morte de células pulmonares e levar ao desenvolvimento de câncer. Em 2024, o aumento nos atendimentos médicos por problemas respiratórios em Rondônia coincidiu com o pico das queimadas, um drama vivido nos lares e hospitais do estado. Sandra Hacon classificou a situação de Rondônia, ao lado de Mato Grosso e Amazonas, como uma das mais críticas do país naquele período⁸, e alertou para a existência de um “fogo orquestrado no Brasil”.
A trajetória de Rondônia, de um estado de calamidade ambiental a um exemplo de sucesso no combate às queimadas, é uma prova contundente da importância de um Ministério Público forte, autônomo e comprometido com a defesa dos direitos fundamentais da sociedade. A atuação do MP/RO, sob a liderança de seus procuradores e a dedicação de promotores como Pablo Hernandez Viscardi, Valéria Giumelli Canestrini, Naiara Ames de Castro Lazzari, Bruno Ribeiro de Almeida e Pedro Colaneri Abi Eçab, demonstrou que é possível, sim, proteger a Amazônia. A batalha está longe de terminar, as organizações criminosas ainda atuam nas sombras, e a vigilância precisa ser constante. Mas a mensagem que ecoa de Rondônia para o resto do Brasil é de esperança: com integração, estratégia e coragem, é possível garantir que o azul do céu amazônico prevaleça sobre o cinza da destruição.
O papel da Prefeitura de Porto Velho em 2025
Para que a capital não revivesse o "fogaréu" e a fumaceira de 2024, Porto Velho adotou em 2025 um pacote administrativo e normativo que combinou endurecimento legal, fiscalização e monitoramento em tempo real. Em 19 de agosto, foi sancionada a Lei Complementar nº 1.026/2025, que prevê multas que podem chegar a R$ 10 milhões para quem provocar queimadas ilegais — tanto na zona urbana quanto na rural — e penalidades específicas para descarte irregular de resíduos. Paralelamente, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema) intensificou, desde maio, vistorias e ações educativas, manteve a exigência de autorização técnica para queimas controladas em áreas rurais e integrou um comitê com órgãos estaduais e de segurança para resposta rápida durante a estiagem. Segundo dados municipais com base no Programa Queimadas do INPE, o efeito combinado das medidas se refletiu na queda expressiva dos focos: apenas em julho, o comparativo passou de 648 (2024) para 83 (2025), redução de 87,35%, e, no agregado de maio a julho, a diminuição atingiu 84,47%. A gestão também monitorou qualidade do ar e riscos associados, após 2024 colocar Porto Velho entre as piores capitais no índice de material particulado fino, e expandiu a comunicação pública para desestimular queimadas urbanas e rurais.

O prefeito Léo Moraes conduz debate sobre o plano municipal de combate às queimadas, um dos pilares que contribuíram para a redução recorde dos focos em 2025 / Foto: Prefeitura de Porto Velho
O prefeito Léo Moraes afirmou que a Prefeitura tem trabalhado com campanhas educativas e levado o tema às escolas, além de ter retomado a Brigada Municipal, uma política pública que havia sido descontinuada. "Abrimos canais de comunicação, inclusive mediante o WhatsApp, que acelera a resposta", declarou. Ele explicou que o município realizou parcerias com o Corpo de Bombeiros e adquiriu equipamentos para neutralizar focos iniciais de incêndio, como BEGs e outros utensílios técnicos. "Temos agora UTVs, quadriciclos à disposição para trabalhar. Então a gente tem conseguido rapidamente atuar quando existe o foco de incêndio, principalmente na área urbana."
O prefeito também destacou a estrutura de monitoramento instalada pela gestão. "A gente se organizou para ter uma sala de situação, que inclusive vem recurso de outros níveis de governo, e também equipamentos de última geração, como drones e aquele outro objeto não tripulado, que por satélite acompanha 24 horas os pontos de foco de queimada." Léo Moraes acrescentou que o trabalho tem sido integrado com o governo estadual. "A gente discutiu com o governo do estado, fomos inseridos no debate, que também é um facilitador, e dessa maneira a gente conseguiu colaborar para minimizar o impacto das queimadas em Porto Velho e principalmente na nossa área urbana." As declarações foram concedidas exclusivamente ao repórter Vinicius Canova.
"Os resultados de 2025 mostram que planejamento, fiscalização e coordenação funcionam. Endurecemos regras, ampliamos vistorias, estruturamos resposta integrada e aproximamos a sociedade das informações que salvam vidas em períodos críticos. O recado é simples: queimada ilegal e descarte irregular de resíduos têm consequências graves para a saúde e para o bolso", afirmou, também em primeira-mão, o secretário municipal Vinícius Valentin Raduan Miguel, professor do magistério superior (Universidade Federal de Rondônia) cedido à Prefeitura de Porto Velho, especialista em Administração Pública (CIPAD/FGV) e doutor em Ciência Política (UFRGS). "Ao mesmo tempo, nada disso caminharia sem a atuação firme do Ministério Público de Rondônia, que cobrou, articulou e somou esforços. O MP/RO foi fundamental para que alinhássemos prevenção, repressão qualificada e educação ambiental."

O secretário Vinícius Miguel, responsável pela coordenação das ações de prevenção e resposta às queimadas em Porto Velho, avalia os efeitos da estiagem de 2024 e das medidas implementadas em 2025 / Foto: Prefeitura de Porto Velho
"Seguiremos no mesmo trilho em 2026: dados em tempo real, coordenação com Sema, Governo do Estado e forças de segurança, campanhas educativas e rito claro de autuação. O objetivo é consolidar a redução dos focos e evitar que Porto Velho volte a enfrentar dias de ar 'muito ruim' ou 'perigoso'. Com integração institucional, transparência e participação cidadã, o céu da capital tem condições de permanecer azul", concluiu o secretário.
A experiência de Porto Velho evidencia que a combinação entre base legal robusta, gestão por evidências e cooperação interinstitucional é capaz de reduzir rapidamente o risco de incêndios e seus impactos sanitários. Ao lado do trabalho do MP/RO e das forças de fiscalização, o arcabouço municipal de 2025 se converteu em política de Estado para atravessar o período seco com menos fumaça, menos internações e mais proteção à população.
O órgão de fiscalização e controle, ao assumir o seu papel constitucional de guardião da ordem jurídica e dos interesses sociais, provou que é possível, sim, proteger fatia significativa da maior floresta tropical do planeta e garantir que as futuras gerações respirem o ar puro da Amazônia — o mesmo ar que, depois de um ano de cinzas, devolveu a Rondônia o seu céu azul, como o hino entoa.



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