Publicada em 16/06/2025 às 09h49
Porto Velho, RO – O debate sobre a Lei nº 14.757/2023, de autoria do senador Confúcio Moura (MDB), provocou reações acaloradas nas redes sociais e preocupação entre movimentos sociais do campo. A norma trata da extinção de cláusulas resolutivas em títulos fundiários emitidos pelo INCRA, e pode alcançar até 40 mil imóveis no estado de Rondônia. O tema foi o centro da discussão no episódio mais recente do podcast Põe na Bancada, apresentado por Roberto Sobrinho e com a participação do próprio Confúcio, além dos técnicos do INCRA Antônio Heler e Jorge Werley.
Logo no início do programa, Roberto Sobrinho destacou a repercussão intensa de um vídeo anterior sobre o tema, publicado durante a Rondônia Rural Show. “Deu mais de 122 mil visualizações, cerca de 900 comentários, muitos deles ideológicos, como ‘quero que o avião do Lula caia’”, relatou. Apesar do tom agressivo, o apresentador observou que “não houve críticas diretas à lei em si”.
Outro ponto que gerou inquietação foi o receio de que a nova legislação permita reintegrações de posse em áreas hoje ocupadas por chacareiros ou pequenos agricultores. “A FETAGRO nos procurou, especialmente preocupada com situações no Cone Sul e no setor chacareiro de Porto Velho”, relatou Sobrinho. Segundo os técnicos do INCRA, essas áreas não se enquadram nos critérios da lei por estarem judicializadas ou em conflito. “A posse tem que ser mansa e pacífica. Onde há litígio, a lei não se aplica”, esclareceu Heler.
Durante a conversa, os técnicos revelaram ainda que mais de 90% dos títulos emitidos pelo INCRA ao longo das décadas já não estão nas mãos dos beneficiários originais. “Seja por morte, venda informal ou abandono, esses títulos foram parar nas mãos de terceiros”, afirmou Antônio Heler. Segundo ele, esse é um dos principais fatores que motivaram a criação da lei: dar segurança jurídica a quem adquiriu de boa-fé e hoje produz nas terras.
A nova legislação extingue duas cláusulas resolutivas comuns: a proibição de venda e a obrigação de uso da terra com cultivos específicos, como cacau ou café. “Essa obrigatoriedade desconsiderava fatores de mercado e realidades locais”, comentou Jorge Werley. Como exemplo, citou que a queda no preço internacional do cacau levou muitos produtores a abandonarem a cultura e migrarem para a pecuária, tornando os contratos passíveis de anulação.
Permanecem, no entanto, obrigações relativas à regularização ambiental e ao pagamento — este último, para áreas acima de 60 hectares. Propriedades menores estarão isentas de custos. A lei também limita o benefício a imóveis de até 900 hectares, excluindo propriedades maiores e áreas judicializadas.
Os participantes do podcast estimam que cerca de 40 mil títulos precários em Rondônia estejam em situação irregular e possam ser alcançados pela nova regra. No entanto, alertam que não haverá legalização automática. Será necessário comprovar a boa-fé por meio de documentos, como a cadeia dominial dos contratos, e demonstrar uso produtivo das terras. “A instrução normativa do INCRA vai dizer como essa boa-fé será reconhecida”, informou Jorge Werley.
Além dos agricultores, a legislação também passou a incluir, entre os possíveis beneficiários, servidores públicos que atuam diretamente em projetos de assentamento. “Agora, professores, agentes de saúde, merendeiras e técnicos agrícolas também podem ser assentados, se prestarem serviços relevantes àquela comunidade”, explicou Heler.
Para operacionalizar as regularizações, o INCRA anunciou que deverá iniciar os atendimentos até 30 dias após a publicação do decreto presidencial. Estão previstos mutirões regionais e a ampliação do programa Terra Cidadão, em parceria com as prefeituras, para descentralizar o atendimento. “A população não vai precisar ir até a sede do INCRA. A ideia é atender nos próprios municípios”, garantiu.
O decreto do presidente Lula, necessário para a regulamentação da lei, ainda não foi publicado, mas há expectativa de que ele venha a Rondônia para assiná-lo. “Estamos diante de um momento transformador”, resumiu Roberto Sobrinho no encerramento do episódio.
A Lei nº 14.757/2023 tem alcance nacional, mas seu impacto será especialmente sentido em Rondônia, onde o passivo fundiário envolve centenas de projetos de colonização e assentamento criados desde a década de 1970.



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