
Publicada em 07/05/2025 às 08h40
"Quem paga a banda escolhe a música". Ditado popular.
Em audiência pública realizada no último dia 04 de abril em Porto Velho, convocada através do Ofício nº 1874/2024/SEDEC-MIRAERO, direcionado à sociedade rondoniense, principalmente aos prefeitos, foi apresentado pelo Estado o projeto para "Concessão dos Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário na Microrregião de Águas e Esgotos".
Na prática a audiência só cumpriu as formalidades exigidas por lei sobre sua realização, pois as propostas das entidades e autoridades, principalmente prefeitos, foram praticamente ignoradas e nada mudaram no projeto apresentado; sendo que a equipe do governador Marcos Rocha segue célere para implementar o projeto, com a intenção de repassar os serviços prestados atualmente pela CAERD e SAAEs (Serviço Autônomo de Água e Esgoto) municipais, à iniciativa privada, através da privatização/concessão de todo o sistema de saneamento básico do Estado.
Uma breve análise do projeto elaborado pelo BNDES, contratado pelo governo do Estado em fevereiro de 2022 por R$ 11.173.824,00, mostra ser ele muitíssimo favorável à empresa privada que assumirá o sistema, seria ainda muito bom ao governo do Estado, ruim às prefeituras e poderá ser péssimo pra sociedade.
Tais conclusões decorrem do fato das prefeituras não terem mais qualquer controle do saneamento para defender os interesses dos munícipes, das áreas de baixo retorno financeiro como Distritos terem ficado de fora e dos valores da maior parte das outorgas, fixa e variável, serem destinadas ao governo estadual em detrimento das prefeituras; além de previsíveis aumentos absurdos na tarifa, principalmente, em alguns municípios.
A Lei 1.200/2023 criou uma única Microrregião de saneamento para todo Estado, na qual o governador Marcos Rocha sozinho tem 45% dos votos e todos os 52 prefeitos juntos apenas 55%, ou seja, invariavelmente a posição do governo vai prevalecer, a exemplo do rateio das outorgas, em que a fixa estimada em mais de R$ 1 bilhão deverá ficar a maior parte com o Estado e da outorga variável mensal durante os 30 anos do prazo do contrato que ficará 100% com o Estado, conforme estabelecido nos tópicos 5, 5.1.1 e 5.1.5, dentre outros, que constam da minuta de "Edital da concorrência pública interacional”, nº [*]",, disponível no link: https://rondonia.ro.gov.br/wp-content/uploads/2025/03/1.-Edital-RO-2025.pdf
Qual será o valor da tarifa na nova concessão? O Estado poderia ter optado pela proposta de menor tarifa, mas preferiu priorizar o valor da maior outorga, com meros 5% de desconto na tarifa (itens 5.1 e 5.1.3 do Edital), ou seja, ao limitar o desconto na tarifa a ser privatizada em 5% o governo conseguirá um aumento grande no valor da outorga, a qual não beneficiará diretamente o saneamento básico. E qual será o valor da tarifa da empresa privada que poderá assumir em breve o sistema?
Atualmente em Rondônia existem diferente tarifas, por exemplo, para consumo até 10m³ é de R$ 55,08 em Porto Velho (https://agenciavirtualcaerd.gsan.com.br/gsan/exibirConsultarEstruturaTarifariaPortalCaerdAction.do), de R$ 15,31 em Cacoal (https://saaecacoal.com.br/comunicado-saae-reposicao-inflacionario-na-tarifa/) e de R$ 3,68 em Vilhena (https://saaevilhena.ro.gov.br/wp-content/uploads/2022/03/TARIFA-DE-AGUA.pdf); além de Ji-Paraná, que apesar de ser CAERD tem uma tarifa muito mais baixa. Qual será a tarifa do futuro sistema de distribuição de água tratada? Tal situação não mereceu qualquer menção no “estudo” do BNDES.
Algumas outras perguntas: por exemplo, porque privatizar SAAEs, a exemplo de Cacoal que têm excelentes níveis de atendimento tanto no fornecimento de água, quanto na coleta e tratamento de esgoto, além de grande aprovação da população? Porque os Distritos de Porto Velho, por exemplo, ficaram fora do projeto do BNDES?
O BNDES foi contratado para realização de “estudos a serem desenvolvidos farão um diagnóstico da situação atual, avaliarão a viabilidade da concessão do serviço e devem propor um modelo para que seja analisado pelo Governo Estadual em conjunto com os municípios. Caso o Estado e os municípios optem por seguir com o projeto, haverá a preparação e realização do leilão", conforme publicação no link: https://rondonia.ro.gov.br/estudos-de-estruturacao-de-saneamento-basico-irao-envolver-48-municipios-de-rondonia/. Na prática as decisões não estão sendo “em conjunto com as prefeituras”, mas prevalecendo apenas posição do Estado.
RISCOS IMINENTES À POPULAÇÃO RONDONIENSE
Para se ter uma noção dos possíveis prejuízos à população basta observar a privatização do saneamento básico da vizinha Capital Manaus, realizada em 2000, ou seja há 25 anos, através da Águas de Manaus, controlada pelo grupo AEGEA (que é dada com “favas contadas” que vencerá também em Rondônia), que tem sido um retumbante fracasso, conforme denunciado frequentemente pela imprensa, a exemplo da publicação de 10/03/2025 intitulada "Privatização do saneamento em Manaus: um crime contra o direito à água!" no link: https://sintaemasp.org.br/noticias/privatizacao-do-saneamento-em-manaus-um-crime-contra-o-direito-a-agua.
* Itamar Ferreira, advogado.