Publicada em 18/12/2025 às 10h44
A Vara Única de Santa Luzia do Oeste, do Tribunal de Justiça de Rondônia, proferiu sentença na Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 7002326-72.2017.8.22.0018, ajuizada pelo Ministério Público de Rondônia, que apurou suspeitas de fraude e superfaturamento na Carta Convite nº 048/2010, vinculada ao Processo Administrativo nº 979/2010. O procedimento teve como objeto a construção de uma sala de reforço escolar e dois banheiros na Escola Municipal José Ronaldo Aragão.
A decisão foi assinada eletronicamente em 17 de dezembro de 2025, às 20h36, pela juíza Mariana Leite da Silva Mitre. No julgamento, a magistrada considerou a ação parcialmente procedente, absolvendo parte dos requeridos por ausência de comprovação do elemento subjetivo exigido pela legislação vigente e condenando outros por atos enquadrados como lesão ao erário e enriquecimento ilícito, com imposição de ressarcimento solidário e aplicação de sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa. Cabe recurso.

Jurandir de Oliveira Araújo teve a perda do mandato decretada pela Vara Única de Santa Luzia do Oeste por atos de improbidade administrativa (Reprodução/Facebook)
O que o MPRO afirmou na ação
Na petição inicial, o Ministério Público sustentou que a licitação realizada em 2010 foi conduzida sem balizamento prévio de preços na fase interna do certame, etapa descrita como essencial para subsidiar a formação do preço e prevenir superfaturamento. Segundo o órgão, essa omissão teria possibilitado a ocorrência de dano concreto ao erário.
O MPRO também apontou a existência de montagem do processo licitatório mediante conluio entre o então presidente da Comissão Permanente de Licitação, José Rivaldo de Oliveira, e representantes das empresas participantes, com simulação de competitividade para conferir aparência de legalidade ao certame. Conforme a acusação, laudo pericial indicaria que a obra foi contratada por valor superior ao praticado no mercado, resultando em dano ao erário e enriquecimento ilícito da empresa vencedora, Mendes & Ribeiro Ltda. A ação descreveu ainda a participação de representantes e pessoas ligadas às empresas, com menções à retirada de edital, habilitação e assinatura de documentos por procurador e sócio-administrador das empresas envolvidas.
Audiência e andamento processual
O processo registrou a apresentação de defesas e contestações por alguns réus, enquanto outros permaneceram inertes. A sentença relata que, em 13 de agosto de 2025, foi realizada audiência de instrução e julgamento por videoconferência, com a presença do Ministério Público e de algumas defesas constituídas.
Durante a audiência, foi colhido o depoimento de uma testemunha e realizado o interrogatório do réu Jurandir de Oliveira Araújo. Outros requeridos presentes dispensaram o interrogatório. A decisão também consignou que foi oportunizada tentativa de Acordo de Não Persecução Cível, que não obteve êxito.
Perícia e valores: quanto teria sido o superfaturamento
Segundo a sentença, a materialidade do dano foi demonstrada, entre outros elementos, pelo Laudo Pericial nº 1.238/2014, além de resultados de diligências e apreensões constantes dos autos. A magistrada destacou que o custo de referência de mercado da obra, com base na metodologia SINAPI aplicada ao Estado de Rondônia, seria de R$ 22.246,84.
Em contraste, a contratação foi formalizada pelo valor de R$ 41.406,15, o que levou o juízo a apontar superfaturamento de 86,12%. A decisão atribuiu essa diferença à adoção de preços unitários acima da média de mercado e à aplicação de um BDI (Benefícios e Despesas Indiretas) considerado inflado. A sentença fixou o prejuízo ao erário no valor histórico de R$ 19.159,31, correspondente à diferença entre o valor pago e o valor de mercado à época, conforme apurado pela perícia.
Absolvições por ausência de dolo específico
Ao analisar a aplicação da Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa, a magistrada ressaltou que a responsabilização exige conduta dolosa, com comprovação da intenção de alcançar resultado ilícito. Com base nesse entendimento, a decisão absolveu Cloreni Matt, identificado como então prefeito, e Sofia Juliana, então secretária de Educação. Embora a sentença reconheça que a falta de pesquisa de preços constituiu falha administrativa relevante, concluiu que não houve prova robusta de que ambos tivessem conhecimento do esquema ou agido com dolo específico.
Também foram absolvidos Valdir Ribeiro da Silva e Daianny Aparecida Trentini Mendes Ribeiro, sócios formais da empresa Mendes & Ribeiro Ltda. Segundo a decisão, não houve prova cabal de participação dolosa de ambos na montagem do certame específico, sendo ressaltado que a responsabilização pessoal de sócios exige comprovação de participação direta e benefício.
Condenações: quem foi responsabilizado e por quê
A sentença condenou José Rivaldo de Oliveira, ex-presidente da Comissão Permanente de Licitação, Jurandir de Oliveira Araújo, apontado como gestor e “proprietário de fato” da empresa Mendes & Ribeiro, a própria Mendes & Ribeiro Ltda., a empresa E.J. Construtora Ltda. e José Hélio Rigonato de Andrade.
Em relação à E.J. Construtora Ltda. e a José Hélio Rigonato, a magistrada registrou que, apesar de regularmente citados, eles não apresentaram contestação, razão pela qual foi decretada a revelia. A decisão, contudo, enfatizou que, em ações de improbidade administrativa, a revelia não implica presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor.
No caso de José Rivaldo de Oliveira, a sentença destacou, entre os elementos considerados, a apreensão de carimbos de empresas concorrentes em poder do então presidente da CPL, fato interpretado como indicativo de ausência de competição real e de atuação dolosa na condução do procedimento licitatório.
Quanto a Jurandir de Oliveira Araújo, a magistrada consignou que, embora formalmente figurasse como procurador, ele teria atuado como gestor e proprietário de fato da empresa Mendes & Ribeiro em licitações realizadas no município. A decisão menciona depoimentos que indicariam divisão de lucros e prejuízos, além de referências a pagamentos efetuados à empresa e intermediados por ele, nos termos descritos na sentença.
Ressarcimento e sanções aplicadas
A sentença determinou o ressarcimento integral e solidário do dano ao erário, fixado no valor histórico de R$ 19.159,31, acrescido de juros e correção monetária, a ser apurado em fase de liquidação. A obrigação solidária foi atribuída a José Rivaldo de Oliveira, Jurandir de Oliveira Araújo, Mendes & Ribeiro Ltda., E.J. Construtora Ltda. e José Hélio Rigonato de Andrade.
Na dosimetria das sanções, a decisão estabeleceu que José Rivaldo de Oliveira perderá a função pública que eventualmente ocupe, terá os direitos políticos suspensos por dez anos e ficará proibido de contratar com o poder público pelo mesmo período. Para Jurandir de Oliveira Araújo, o juízo determinou a perda da função pública, com menção expressa à perda do mandato de prefeito atualmente exercido, condicionada ao trânsito em julgado, além do perdimento de bens ou valores acrescidos ilicitamente, suspensão dos direitos políticos por doze anos e proibição de contratar com o poder público por quatorze anos.
Quanto à empresa Mendes & Ribeiro Ltda., a sentença determinou o perdimento dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio e a proibição de contratar com o poder público por doze anos. Já a E.J. Construtora Ltda. e José Hélio Rigonato foram condenados ao pagamento de multa civil solidária no valor de R$ 9.579,65, equivalente a 50% do dano apurado, além de ficarem proibidos de contratar com o poder público por cinco anos.
Ao final, a magistrada registrou que a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos somente produzirão efeitos após o trânsito em julgado da sentença. A decisão determinou ainda que, após essa etapa, sejam expedidos ofícios à Justiça Eleitoral e à Câmara Municipal de Santa Luzia do Oeste para as providências cabíveis, incluindo a declaração de vacância do cargo de prefeito e as medidas de sucessão, além da inclusão dos condenados nos cadastros CEIS e CNIA.



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