Publicada em 29/12/2025 às 10h38
A cena foi pensada para viralizar. O vereador Pastor Bruno Luciano do Couto Araújo (PL), conhecido apenas como Pastor Bruno Luciano, de Porto Velho, decidiu aderir à onda de protestos contra um comercial da Havaianas que, em círculos bolsonaristas, passou a ser interpretado como provocação ideológica. No vídeo, gravado diante da fachada de uma loja da marca, o parlamentar aparece pulando apenas com a perna direita, em alusão literal à leitura política feita por militantes que enxergaram no anúncio uma mensagem subliminar contra a “direita”. A intenção era clara: performar um gesto simbólico, alinhar-se a um campo político específico e ocupar o centro da conversa digital. O resultado, porém, foi outro.
A iniciativa do vereador se insere em um roteiro já conhecido da política brasileira recente: a tentativa de converter memes, boicotes e atos performáticos em capital político. O problema é o timing. Memes têm vida curta, boicotes seletivos raramente produzem efeitos econômicos concretos e, quando repetidos à exaustão por diferentes atores, tendem a perder força e virar caricatura. No caso específico do Pastor Luciano, a imitação de gestos já realizados por outros bolsonaristas parece ter retirado qualquer traço de originalidade do ato — e, nas redes, a reação foi majoritariamente negativa.
Nos comentários publicados na página onde o vídeo circulou, o tom predominante não foi de adesão, mas de crítica, ironia e constrangimento. Um comentário associou a cena a um “espetáculo sem graça”, outro questionou a utilidade prática do mandato e perguntou o que o vereador teria efetivamente feito por Porto Velho. Houve quem ironizasse a dificuldade de “interpretação de texto”, numa referência direta à leitura política atribuída ao comercial da Havaianas. Outros apontaram que o gesto parecia mais uma busca por fama instantânea do que uma ação condizente com a responsabilidade de um cargo público. Em síntese, a reação popular não reforçou a mensagem pretendida; ao contrário, esvaziou-a.
Esse padrão não é novo. Em outubro de 2023, episódio semelhante ocorreu quando a marca de chocolates Bis, da Lacta/Mondelez, lançou uma campanha com o influenciador Felipe Neto. À época, apoiadores da direita promoveram o boicote com a hashtag #BisNuncaMais, acusando a empresa de se associar a um personagem identificado com pautas progressistas. O efeito foi paradoxal. Enquanto a direita tentava cancelar o produto, setores da esquerda passaram a defendê-lo publicamente, políticos publicaram fotos com o chocolate e o nome da marca ganhou enorme visibilidade. A própria Mondelez afirmou que a contratação tinha foco no universo gamer e no entretenimento, sem viés político. Passado o barulho, o Bis continuou no mercado, vendendo normalmente — talvez até mais fortalecido pela exposição.
O paralelo com o caso da Havaianas é inevitável. Assim como o Bis não foi abalado pelo boicote, tampouco há sinais de que a marca de sandálias sofra qualquer dano estrutural. Empresas desse porte atravessam crises de imagem com relativa facilidade, especialmente quando a controvérsia nasce de interpretações subjetivas e polarizadas. O que fica, portanto, não é o impacto econômico do protesto, mas o retrato de uma dinâmica política cada vez mais refém de gestos performáticos e leituras simplistas.
No plano mais amplo, o episódio expõe um problema recorrente: a dificuldade de interpretação básica de mensagens e textos publicitários, mesmo entre adultos com projeção pública. A leitura literal e ideologizada de uma peça comercial, somada à resposta performática, acaba revelando mais sobre a fragilidade do debate público do que sobre a suposta intenção da marca. Trata-se de um sintoma de uma educação política e crítica deficitária, em que símbolos são consumidos sem mediação e transformados em munição eleitoral de curto alcance.
Pastor Bruno Luciano tem uma trajetória descrita oficialmente como marcada pela fé, pelo trabalho e pela atuação comunitária. Nascido em Santarém (PA) e radicado em Porto Velho desde a infância, construiu carreira religiosa na Assembleia de Deus – Ministério de Madureira, tornou-se liderança jovem no estado e foi eleito vereador em 2024 com 2.523 votos. Seu discurso público enfatiza valores cristãos, família e desenvolvimento social. Justamente por isso, o contraste entre essa biografia e o gesto performático diante da loja da Havaianas chamou atenção. Para parte do público, o ato soou destoante da liturgia esperada de um líder religioso e parlamentar.
A pergunta que emerge, então, é direta: lacrar ainda dá voto? A experiência recente sugere que, ao menos isoladamente, não. A política-meme pode gerar visibilidade momentânea, mas não substitui entrega concreta, coerência discursiva ou conexão real com problemas cotidianos do eleitor. No caso do Pastor Luciano, considerando apenas a repercussão desse episódio, o tiro parece ter saído pela culatra. Em vez de fortalecer sua imagem junto ao eleitorado, o vídeo produziu constrangimento, críticas e um desgaste desnecessário.
Como síntese, o episódio da “papagaiada” da Havaianas reforça um diagnóstico já conhecido: boicotes performáticos e gestos calculados para viralizar raramente se convertem em capital político duradouro. Marcas sobrevivem. Memes morrem rápido. E o eleitor, cada vez mais exposto a esse ruído, tende a cobrar algo que nenhum salto simbólico é capaz de oferecer: trabalho, entrega e seriedade.



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