Publicada em 19/12/2025 às 08h00
COLUNAS (RE)PUBLICADAS
Publicada – 21.6.2020
Republicada – 19.12.25
1964 em RO (9) - A reforma agrária que deu certo
Consultores historiador Abnael Machado de Lima e pesquisador Anísio Gorayeb Filho
Livro faz cobrança aos historiadores pela falta de bibliografia que trate do trabalho do Incra
Autor de “Rondônia, Geopolítica e Estrutura Fundiária”, o engenheiro agrônomo José Lopes de Oliveira cita um fato importante: nenhum historiador rondoniense ainda buscou contar um dos grandes fatos que permitiram aquilo que o advogado Amadeu Machado já disse várias vezes, ter acontecido em Rondônia “o único caso de reforma agrária no Brasil que deu certo”. Zé Lopes não está dizendo mais que o óbvio, é só consultar a historiografia local. E muito do resultado que justifica o que ele afirma tem dois nomes: Ibra, Instituto Brasileiro de Reforma Agrária e, principalmente, seu sucedâneo, o Incra – Instituto Nacional de Reforma Agrária.
Mas quando 1964 chegou o território de Rondônia ainda era um ponto verde no mapa brasileiro, cujas terras eram divididas entre grandes famílias de seringalistas, muitos deles ainda oriundos da primeira fase da borracha, que acabou antes da década de 1920. Por aqui a luta pela terra não havia chegado como já acontecia no Nordeste e Sul do país desde o fim da década de 1950, onde o discurso da reforma agrária era mais voltado para a luta, em alguns casos armada, no campo.
No dia 30 de novembro de 1964, o Presidente Castelo Branco, após aprovação pelo Congresso Nacional, sancionou a Lei nº 4.504, que tratava do Estatuto da Terra. Claro que, com pouco mais de sete meses que o Movimento Militar havia tomado as rédeas do país, é fácil imaginar que esse ato visou encontrar meios para organizar a questão do campo. E, claro, não foi do agrado dos opositores ao regime que preferiam uma “reforma agrária” como vinham acontecendo as lutas pela terra no Nordeste.
O mesmo ato criou dois organismos, o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário, Inda, e o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, Ibra, que pelo decreto nº 1 110, de 9 de julho de 1970, juntou os dois num só, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Incra, “com a missão prioritária de realizar a reforma agrária, manter o cadastro nacional de imóveis rurais e administrar as terras públicas da União”.
Canuto: Executor do Incra, prefeito de Ji-Paraná, deputado federal e vice-governador do Estado
Daí em diante começou a se escrever uma nova página na história rondoniense: Sob comando do capitão Sílvio Gonçalves de Faria, um grupo de jovens técnicos, a maioria recém-formados, atenderam ao convite e vieram para cá “, dentre eles Assis Canuto, Ademar Sales, Paulinho Brandão e vários outros. Uma campanha do governo federal insistia na necessidade de ocupar essa “Terra sem homens para homens sem terra”. Sem qualquer dúvida o fato da região ser um Território Federal, com as decisões centralizadas em Brasília, facilitou muito que o projeto desse certo e não em outros estados, casos do Acre e Pará, além do fato de Rondônia ser a “porta de entrada” da rodovia BR-364.
Ouro Preto do Oeste, primeiro Projeto de Colonização, onde era antes o seringal Ouro Preto
Em 1970 o Incra inaugurava o primeiro módulo, o Projeto Integrado de Colonização - PIC - Ouro Preto, previsto para 2 mil famílias, mas que com seis meses já estava com mais de 3 mil. Daí iniciou-se o processo que levaria Rondônia a se tornar uma potência regional do agronegócio, com a mudança da forma de economia, deixando de lado aquela máxima comum de ser ouvida, de que ao contrário da afirmativa de Caminha em sua carta a el-rei, aqui nada “em se plantando tudo dá”, porque dizia-se não serem as terras amazônicas próprias para a agricultura.
A organização, gerada por vários fatores, inclusive pela não intervenção partidário-política, permitiu ao Território se tornar o grande atrativo para milhares de famílias que chegavam em busca de uma vida nova, e ajudaram a construir o próprio Estado, que tem um débito muito grande com aquelas milhares de famílias que se mudaram e enfrentaram o sertão amazônico e os jovens que, como lembrou Paulinho Brandão, recém-formado numa faculdade fluminense, ao chegar não sabia fazer a diferença entre uma seringueira e uma castanheira.
Claro, houve, como seria natural, atritos durante aquele período, dos seringalistas e de empresas de colonização – com maior evidência nas áreas de Espigão d’Oeste e Vila Rondônia (Ji-Paraná), mas havia um fato fundamental para que o trabalho do capitão Silvio e sua equipe pudesse dar os resultados que conseguiu: o forte respaldo que a ação do Incra tinha de parte do governo e do Conselho de Segurança Nacional.
Aquele período também foi marcado pela entrada em campo de um importante cabo eleitoral do partido do governo: o INCRA, aplicando o Projeto de Colonização Rondônia, sob a coordenação do capitão agrimensor Sílvio Gonçalves de Faria, que se tornou uma espécie de liderança do Território, tal a força que o INCRA, na época, representava aqui.
Para o sucesso de seu objetivo, o INCRA tinha enorme apoio político, o maior orçamento do Território, mais que do próprio governo, e havia um fator de destaque: O capitão Sílvio tinha o forte respaldo do Conselho de Segurança Nacional.
Mesmo sendo positivo o trabalho de organizar a área fundiária rondoniense e oferecer a quem vinha em busca de nova vida, a falta de organização do partido do governo, a Arena, as sucessivas trocas de governadores e um importante fator: a chegada das centenas de famílias de colonos, com alguma experiência da terra e com forte conhecimento de ação política além das enormes distâncias entre os pequenos núcleos que se iam constituindo.
Nesses, a ausência do Estado como fator condutor das políticas públicas, que no Território praticamente inexistiam, muito menos na região que vinha sendo literalmente invadida, acabaram facilitando o surgimento de uma liderança praticamente desconhecida, o advogado Jerônimo Garcia de Santana, o Dr. Bengala, que naquele ano da Copa do Mundo do México, ganhou a única vaga do Território para deputado federal, pelo MDB.
TERRA SEM JUSTIÇA
A situação do Território era complicada, além da mínima falta de estrutura, milhares de famílias chegavam em busca de terras, mas um fator fundamental para o ordenamento social, a Justiça, praticamente não exista: um simples reconhecimento de firma num documento obrigava o interessado a viajar mais de 1.400 quilômetros, porque o cartório era só o de Porto Velho.
Primeiro advogado a se estabelecer numa vila da BR, José Bianco (*), em Vila Rondônia, lembra sem saudades do tempo em que tinha de viajar de “fusca” dali até Porto Velho para tratar de assuntos de seus clientes, o que encareceria o custo do processo.
(*) Foi deputado estadual, presidente da Constituinte de 1983, prefeito 3 vezes de Ji-Paraná, Ji-Paraná, senador da República e governador do Estado)



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