Publicada em 06/11/2025 às 11h20
PORTO VELHO (RO) - O empresário Adélio Barofaldi afirmou que o avanço do agronegócio em Rondônia esbarra na ausência de planejamento público e em entraves de infraestrutura, com ênfase na BR-364, nos portos e na logística de escoamento. Ao longo da entrevista concedida ao podcast Resenha Política, apresentado por Robson Oliveira em parceria exclusiva com o Rondônia Dinâmica, Barofaldi disse que a iniciativa privada “avança e o governo não consegue acompanhar a velocidade”, apontando obras de pontes e estradas, largura de vias e conectividade como pontos críticos. “No caso do agronegócio, é estrada, é ponte que não é mais de madeira, tem que ser de concreto”, afirmou. Ele descreveu o agro local como “em crescimento” e “totalmente digital”, mencionando automação por satélite e a expansão de conectividade via Starlink. “Essa empresa não faz o bem que ela fez para o mundo e para a Rondônia muito mais”, disse, ao comentar a inclusão de ribeirinhos e produtores no acesso à internet.
A polêmica central da conversa girou em torno do modelo de concessão da BR-364. Barofaldi classificou o arranjo atual como potencial gargalo para três décadas, com pedágios e metas de duplicação aquém do fluxo crescente de cargas. “Nós vamos ficar 30 anos com essa mesma logística do produto”, afirmou, ao destacar que a duplicação prevista não é integral e que a tarifa pode elevar custos do transporte. Segundo ele, um trajeto de Vilhena a Porto Velho pagaria “dois mil reais” em pedágio para caminhões e “150 reais” para carros, hipótese que, na avaliação do empresário, exigirá medir a eficiência do modelo frente ao aumento da produção e aos congestionamentos sazonais. “Outro dia... tinha 3 mil caminhões parados... nós estamos falando que tinha 150 quilômetros de caminhão parado aqui em Porto Velho”, relatou.
Barofaldi também contestou percepções externas sobre o estado e disse que a imagem de Rondônia ainda afasta investimentos industriais de transformação, apesar de portos privados e da proximidade das áreas produtoras. “A Rondônia, quando o empresário vai para o sul do Brasil, ainda a gente tem uma visão que a Rondônia tem queimada... que a Rondônia não tem acesso aéreo para chegar”, afirmou, cobrando a efetivação da internacionalização do aeroporto de Porto Velho: “É só o nome. Só o nome, gente.” Em outra frente, criticou a assimetria de preços da arroba do boi entre o estado e São Paulo: “Não tem lógica ser 15% o preço de uma rouba de boi em Rondônia em relação a São Paulo.” Ele exemplificou com remessas de animais rondonienses abatidos em plantas do mesmo conglomerado no Mato Grosso, atraídas por preços maiores lá: “O boi sai do lado do Minerva de Rolim de Moura e vai abater lá no Minerva de Pontes da Serra.”
O empresário atribuiu parte dos conflitos ambientais e fundiários a mudanças legais e à ausência de regularização histórica. Ao rememorar diretrizes passadas de ocupação e desmate, disse que regras posteriores criaram descompassos: “A partir de 2008 é 20% só. Então criou em Rondônia alguns despropósitos.” Ele defendeu “não defender o irregular”, mas “a injustiça que está sendo feita com muitas propriedades... que a pessoa está lá... trinta anos... e não tem um documento.” Barofaldi sustentou que Rondônia preserva “60% da sua área... com matas” e que o agro usaria “menos de 12% do território”, dados contestados em tempo real pelo entrevistador com a observação de áreas extensas desmatadas ao longo de eixos rodoviários. O convidado reagiu contrapondo a visão por amostragem na BR-364 ao conjunto do território.
Na pecuária, Barofaldi descreveu Rondônia como “presa fácil” para grandes frigoríficos, por depender da venda externa de “70%” da carne produzida e por ter “poucos players” no abate. Ele citou planta com “próximo de 3 mil animais por dia” e a necessidade diária de “150 caminhões de bois” entrando e saindo, pressionando estradas. Disse que, em 2024, o estado abateu “3 milhões e 200 mil cabeças de gado”, injetando, pelo seu cálculo, cifra bilionária na economia local. Ao tratar do leite, apontou retração de “três milhões de litros/dia” para “por cima de um milhão”, atribuindo o recuo a logística difícil e concorrência de importados: “Rondônia, o estado do Brasil, com maior importação de leite do Brasil, é Rondônia”, afirmou, relacionando o fenômeno à alíquota de “1% de ICMS” na importação estadual, o que, segundo disse, “achatou os preços do leite do Brasil inteiro”.
A pauta logística reapareceu nos portos. Barofaldi reconheceu a presença de grandes traders no complexo de Porto Velho e listou gargalos para cargas frigorificadas e contêineres. “O porto de Porto Velho está sem estrutura... precisa pensar num porto... onde tem tomada, onde tem guindaste... câmara fria.” Defendeu soluções multimodais, como navegação no Mamoré/Guaporé entre a região de Cabixi/Pimenteiras e Guajará-Mirim para reduzir “500 quilômetros” de BR, e um terminal de grãos em Machadinho para desafogar filas de barcaças na capital. Ele propôs ainda segmentar a governança do agro com câmaras do café, leite e cacau, integrando produtores, indústria e poder público. “A gente vê pouco espaço de discussão setorizado”, disse.
No plano externo, Barofaldi projetou a integração de Rondônia a uma rota ferroviária andina ligada a um porto no Pacífico, citando investimentos chineses e a intenção de reduzir a dependência do Canal do Panamá. “Eu não tenho dúvida nenhuma que vai acontecer isso... o trem vem de Shanghai até Rondônia”, disse, prevendo reconfiguração do escoamento da soja do Centro-Oeste via Arco Norte, com possível inversão de fluxos hoje destinados a Miritituba e Paranaguá. Em suas palavras, Porto Velho poderia tornar-se “um grande hub de importação de produtos”, com conexão rápida a Manaus.
No terço final da entrevista, o empresário detalhou pormenores setoriais. Sobre diversificação, apontou oportunidades em aves, etanol de milho e processamento de pescado, citando queda da produção de peixes de “80 milhões de toneladas” para “menos de 60” na série mencionada por ele, e a preferência do mercado por cortes prontos, como “costelinha de tambaqui” congelada. No café, ressaltou a escalada de produtividade, de “20 sacas por hectare para 150”, e a valorização do robusta amazônico. Reiterou que o uso de áreas degradadas e manejo de solos poderiam multiplicar lotações na pecuária — “seis, sete cabeças de gado no mesmo hectare” — sem avanço de desmate, e defendeu a aprovação de um projeto para transferência da chamada “Cidade da União” ao estado com apoio de parlamentares federais, a fim de destravar títulos e crédito. Encerrando, insistiu em planejamento de dez anos para logística e industrialização e em compromissos explícitos de candidatos nas próximas eleições sobre regularização fundiária e infraestrutura.
FRASE DE ADÉLIO BAROFALDI:
01) “Nós vamos ficar 30 anos com essa mesma logística do produto.” Contexto: crítica ao escopo da concessão da BR-364, com duplicação parcial e pedágios, e o risco de o estado permanecer com uma única artéria de acesso.
02) “Não tem lógica ser 15% o preço de uma rouba de boi em Rondônia em relação a São Paulo.” Contexto: questionamento sobre a diferença de preços pagos pela indústria e a saída de bois para abate em outros estados.
03) “Rondônia é a presa fácil para a pecuária.” Contexto: dependência de exportação de 70% da produção, poucos frigoríficos e poder de compra concentrado.
04) “A gente não pode defender o irregular; a gente tem que defender a injustiça que está sendo feita com muitas propriedades.” Contexto: defesa da regularização fundiária para quem ocupa áreas há décadas sem título.
05) “A Rondônia ainda é vista como queimada, tráfico de droga e parte ambiental difícil.” Contexto: crítica à imagem externa que, segundo ele, afasta investimentos industriais.
06) “O porto de Porto Velho está sem estrutura.” Contexto: cobrança por tomada, guindaste e câmara fria para carnes e contêineres refrigerados.
07) “Rondônia, o estado do Brasil, com maior importação de leite do Brasil, é Rondônia.” Contexto: efeito da alíquota de 1% de ICMS na importação e impacto nos preços pagos ao produtor local.
08) “Eu não tenho dúvida nenhuma que vai acontecer isso... o trem vem de Shanghai até Rondônia.” Contexto: projeção de corredor ferroviário ligando o Pacífico à região, com repercussões no escoamento da soja.
09) “A discussão da [privatização] não é mais agora... já passou.” Contexto: afirma que o debate sobre conceder a BR foi superado e desloca o foco para modelo, fluxo e eficiência.
10) “O agronegócio de Rondônia usa menos de 12% do território de Rondônia.” Contexto: alegação de baixo uso territorial pelo agro, contraposta pelo entrevistador com a percepção de amplas áreas desmatadas ao longo da BR-364.



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