Publicada em 13/05/2025 às 10h11
Em uma entrevista sincera e abrangente ao podcast Resenha Política, apresentado pelo jornalista Robson Oliveira, o arcebispo de Porto Velho, Dom Roque Paloschi, abordou temas espinhosos e atuais que vão do avanço do agronegócio sobre territórios indígenas ao desafio de manter viva a esperança em tempos de polarização e crise climática. A conversa, gravada nos estúdios da SES Brasil, também abordou o centenário da prelazia de Porto Velho e a sucessão papal com a chegada de Leão XIV.
Igreja na Amazônia: presença centenária e desafios históricos
Dom Roque iniciou a entrevista com um resgate histórico da presença da Igreja Católica na Amazônia, destacando a criação da prelazia de Porto Velho em 1925, ainda em um contexto de isolamento e ausência de infraestrutura. Ele fez questão de lembrar a atuação missionária dos salesianos e os impactos positivos na educação, saúde e promoção humana na região. O arcebispo destacou que a Igreja não chegou para “condenar as culturas”, mas para “lavar os pés e cuidar da vida de todos, respeitando o pluralismo amazônico”.
Avanço do agronegócio sobre áreas indígenas e modelo de desenvolvimento excludente
Ao ser questionado sobre os conflitos crescentes entre o agronegócio e os povos originários, Dom Roque foi enfático. Para ele, é público e notório o confronto entre quem luta para manter a floresta em pé e aqueles que a derrubam em nome da produção.
“Dizer que os povos indígenas são pobres é ignorar o conceito de bem viver. Eles têm mata, frutos, caça e pesca. Não são contra o desenvolvimento, mas questionam que tipo de desenvolvimento é esse que destrói tudo para concentrar riqueza e gerar miséria.”
Segundo o arcebispo, esse modelo precisa ser repensado com base no respeito às comunidades tradicionais, que vivem na Amazônia há milhares de anos, conforme estudos arqueológicos.
Conflitos fundiários em Rondônia: o caso de Rio Pardo
Dom Roque comentou diretamente sobre o conflito fundiário na região de Rio Pardo, em Rondônia. Segundo ele, muitas famílias foram incentivadas por políticos a ocuparem áreas de floresta, posteriormente classificadas como protegidas.
“Ouvi relatos de pessoas que receberam promessas por escrito. Se essas promessas existiram, o Estado brasileiro precisa assumir suas responsabilidades. Não se pode brincar com os sonhos das pessoas.”
O arcebispo não se posicionou de forma categórica sobre a regularização fundiária, mas defendeu que a solução passe pelo respeito à dignidade humana, à segurança jurídica e à estabilidade social, evitando mais derramamento de sangue.
Sinais da crise ambiental: seca na Amazônia e desaparecimento de igarapés
Outro ponto central da entrevista foi a crise climática. Dom Roque lembrou com espanto a declaração de um pecuarista que, mesmo com terra e animais, sofria com a falta de água. Segundo o arcebispo, esse relato é simbólico da degradação ambiental vivida por Rondônia nos últimos anos.
“Desde 2016, especialistas já alertavam para o desaparecimento progressivo de igarapés e a redução do volume de água a olho nu. É o grito da terra, o grito da criação.”
Ele associou essa realidade à encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, que chama à responsabilidade pelo cuidado da “casa comum” — um conceito que abrange não apenas os governantes, mas toda a população cristã.
Crítica à “mercantilização verde” e à compensação de carbono
Dom Roque também criticou a lógica das políticas de crédito de carbono usadas como justificativa para manter o desmatamento em outras regiões do país. Para ele, esse é um modelo injusto e ineficaz.
“Eu preservo aqui para destruir lá? Isso não pode ser usado como política ambiental. O desaparecimento de uma espécie vegetal ou de um povo inteiro é um empobrecimento da criação.”
Violência contra as mulheres e contradições na fé
O arcebispo também tratou da violência contra as mulheres e do alto índice de feminicídio em Rondônia, que ele classificou como escandaloso em um estado com predominância de cristãos católicos e evangélicos.
“Se somos maioria cristã e ainda convivemos com tanta violência, algo está errado na nossa vivência de fé. O Evangelho precisa ser gritado com a vida, não só com palavras.”
Desigualdade, pandemia e concentração de renda
Dom Roque criticou a concentração de renda intensificada pela pandemia, ressaltando que enquanto milhões passavam fome, a riqueza se acumulava nas mãos de poucos.
“Vivemos num mundo onde há produção suficiente para todos, mas ainda assim milhões se alimentam do que é jogado no lixo. É um grito que precisa ser ouvido.”
O legado de Francisco e os desafios do novo Papa
Na parte final da entrevista, Dom Roque falou sobre o legado do Papa Francisco, destacando sua postura pastoral, o enfrentamento de escândalos dentro da Igreja e seu compromisso com os pobres e migrantes.
“Francisco nos ensinou que é melhor construir pontes do que muros. Ele enfrentou abusos, combateu desvios e nos chamou a viver uma Igreja da misericórdia, que se aproxima dos feridos.”
Sobre o novo pontífice, o Papa Leão XIV, o arcebispo evitou previsões, mas expressou esperança de que ele siga o caminho de abertura e responsabilidade deixado por Francisco.
Celibato, escândalos e autocrítica da Igreja
Encerrando a entrevista, Dom Roque respondeu a uma pergunta direta sobre o celibato e os escândalos sexuais envolvendo membros da Igreja. Ele reconheceu que o celibato pode ser bênção quando assumido com responsabilidade, mas também gerou tragédias quando vivido com hipocrisia.
“Não podemos ter medo da verdade. Quem comete crimes deve responder, tanto canonicamente quanto civilmente.”
Assista na íntegra à entrevista de Dom Roque ao Podcast Resenha Política:


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