Publicada em 22/12/2025 às 10h07
Mais do que qualquer outra, a promessa feita por Donald Trump na campanha eleitoral de 2024 de que, se eleito, deportaria milhões de imigrantes dos Estados Unidos capturou o imaginário do eleitorado e da base do Partido Republicano.
Apoiadores lotaram comícios com placas como "deportem todos agora", "proteja a fronteira" e "deporte todos os ilegais". O então candidato disse, entre outras coisas, que os imigrantes vindos da América Latina estariam envenenando o sangue da nação americana.
A retórica de Trump, mais radicalizada do que no passado, encontrou nova expressão entre a base jovem do partido, que desenvolveu uma linguagem própria em fóruns de internet e em redes sociais. Para especialistas ouvidos pela Folha, essa linguagem é extremista, racista e com características em comum com a propaganda de regimes fascistas do século 20 -e vem sendo usada também na comunicação oficial do governo Trump.
"Há um nível de racismo explícito e etnonacionalismo que, embora estivesse presente no primeiro mandato, foi muito exacerbado agora", diz Joseph Nevins, geógrafo e especialista em imigração do Vassar College, no estado de Nova York. "Existe a ênfase na superioridade de grupos de pessoas que são, de modo geral, de ascendência europeia."
No seu perfil no X, o Departamento de Segurança Interna (DHS), responsável pela corrente campanha de deportação em massa, frequentemente faz publicações de recrutamento, conclamando jovens a "proteger o Ocidente", a "lutar pela América" e a "retornar" -nesse último caso, a um passado idealizado e branco, segundo analistas.
"A estética é precisamente voltada para a juventude, tomando inspiração de conteúdos de extrema direita que, antes, eram marginalizados, mas agora estão no centro do discurso", diz William Callison, cientista político e professor da Universidade da Cidade de Nova York.
"Ao mesmo tempo, há a trajetória de uma política de extrema direita muito mais antiga, que valoriza um passado perdido, no mesmo sentido do fascismo, que falava em revitalização nacional", prossegue. "Sente-se falta de algo que foi perdido, e muitas dessas postagens se inspiram diretamente em conteúdos supremacistas brancos da segunda metade do século 20."
Uma das publicações, por exemplo, diz: "Para onde, homem americano? A América precisa de você: junte-se ao ICE agora", acompanhada de uma imagem do Tio Sam, personificação dos EUA, decidindo que caminho tomar. A frase é uma referência direta ao livro "Para onde, homem ocidental?" (Which Way Western Man, em inglês), do supremacista branco e neonazista americano William Gayley Simpson.
O livro, publicado em 1978, elogia Adolf Hitler e diz que há uma conspiração judaica para destruir o homem branco e o cristianismo -ideia hoje presente na teoria da conspiração da grande substituição, que diz que brancos se tornarão minoria nos EUA e na Europa por meio da imigração. A ideia é repetida por uma série de figuras que orbitam o trumpismo, incluindo o influenciador Charlie Kirk, assassinado em setembro.
"Então, nesse sentido, o que é a América? É a branquitude", diz Callison. "São pessoas brancas em restaurantes comendo com suas famílias tradicionais, e o conservadorismo clássico se identifica com isso. Mas o que essa linguagem faz é pegar esse conservadorismo e dizer: 'Precisamos proteger nossa cultura contra uma ameaça civilizacional. Estamos em perigo, estamos em declínio. Precisamos agir agora. E assim a linguagem se torna radical e caminha na direção do fascismo."
A maioria das publicações do DHS no X está atrelada à campanha de recrutamento do ICE, o serviço de imigração americano. Turbinado com um orçamento de US$ 30 bilhões em 2026 (um aumento de 200% em comparação com 2025), o ICE pretende atingir um contingente de 30 mil agentes para ampliar ainda mais as prisões e deportações realizadas pelo órgão.
"Está claro que, em tamanho e objetivos, a política imigratória de Trump mudou de forma significativa de seu primeiro mandato para agora", diz Nevins. "Métodos como entrar em igrejas, sinagogas, escolas, prender crianças nas frentes dos pais... antes, eram tabu. Há agora um nível de violência que não víamos antes, e um desejo de comunicar aos imigrantes: não há lugar seguro para vocês."



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