EDITORIAL Hildon toca na ferida: herdeiros do método Múcio Athayde, “alienígenas” querem invadir as eleições em Rondônia Publicada em 11/10/2025 às 08:58 Porto Velho, RO — Quando o ex-prefeito Hildon Chaves (PSDB) classificou como “alienígenas” as possíveis candidaturas de Michelle Bolsonaro e Cabo Daciolo por Rondônia, não falou apenas movido por vaidade política. Falou por memória. Por incômodo histórico. E, sobretudo, por um sentimento de pertencimento que há décadas separa quem realmente vive o cotidiano rondoniense de quem enxerga o estado apenas como um reduto eleitoral descartável. Chaves reagiu às especulações de que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e o ex-deputado Cabo Daciolo pretendem disputar cargos em Rondônia. “Eu acho que isso é um acinte. Eu acho que essas pessoas acreditam que nós, rondonienses, somos bobos”, afirmou. O ex-prefeito foi além: “Que a gente não tem capacidade de eleger um deputado, um senador, um governador? Pelo amor de Deus”. O desabafo, ainda que carregado de ironia, tem um ponto factual que ecoa pela história política regional: o de Rondônia ser, ciclicamente, vista por forasteiros como um território de oportunidades eleitorais, um “campo livre” para aventureiros que enxergam votos como mercadoria. O paralelo traçado por Hildon Chaves com o caso de Múcio Athayde — o célebre “Homem do Chapéu” — não é gratuito. Athayde tornou-se símbolo de um modelo político que tratou o eleitorado como público-alvo de uma operação de marketing. Cassado e posteriormente acusado de abuso do poder econômico, ele marcou época pela confissão que se tornou anedota e vergonha: “Ao povo de Rondônia eu nada devo. Os votos que lá obtive, paguei por todos”. Nos casos recentes, não é que estejam vindo a Rondônia comprar votos, mas é óbvio que, obtendo o que desejam, ou seja, o poder, darão de ombros à sociedade local. Não faz sentido alguém sem o mínimo de senso de pertencimento simplesmente desejar, do nada, abraçar um povo específico da Região Norte do Brasil. Outra característica que une essas personaldidades em seus voos eletivos freestyle é o espectro da direita: todos, sem exceção, professam a ideologia destra do tabuleiro. Como relembrou o jornalista João Emílio Falcão em artigo publicado no Correio Braziliense de 6 de setembro de 1986, a trajetória de Múcio Athayde ultrapassava o mero formalismo eleitoral. Falcão descreveu a candidatura do “Homem do Chapéu” como um exemplo de campanha ancorada na compra de consciências: “Substituiu o debate por distribuição de pão e leite”, escreveu. “Usou a pobreza do povo para obter votos que deveriam ser dados por motivos políticos”. É desse legado de oportunismo eleitoral que nasce o desconforto de Hildon Chaves. Para ele, cada figura externa que surge de repente — seja com discurso messiânico, seja com capital político de fora — revive o trauma de Athayde e o desprezo embutido na velha frase: “paguei por todos os votos”. As recentes movimentações eleitorais nacionais dão razão ao ex-prefeito. O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, segundo reportagem da CartaCapital (21/01/2022), chegou a cogitar disputar o Senado por Rondônia, em chapa com Marcos Rogério (à época, DEM). Nascido em São Paulo e envolvido em investigações como a Operação Handroanthus, Salles teria de transformar o estado amazônico em seu reduto eleitoral — um plano que acabou não prosperando, mas que deixou rastros. Pouco depois, foi a vez de o próprio Jair Bolsonaro aparecer em listas de possíveis candidatos ao Senado por Rondônia, conforme noticiou a Folha de S.Paulo em 16 de abril de 2023. O ex-presidente considerava o estado, junto com Mato Grosso e o Distrito Federal, como uma de suas opções para retornar à vida parlamentar. Sua esposa, Michelle Bolsonaro, foi mencionada na mesma reportagem como eventual postulante a uma cadeira no Senado. Mais recentemente, o nome de Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro e filho do ex-presidente, passou a ser cotado para disputar o Senado por Rondônia, conforme noticiado em 25 de junho de 2025. Rondônia, uma das regiões eleitoralmente mais bolsonaristas do país, entrou definitivamente no radar da família. Sem espaço em sua base tradicional, Carlos tentou inicialmente articular sua candidatura por Santa Catarina, mas recuou diante da resistência de lideranças locais. Segundo a publicação, o ex-presidente Jair Bolsonaro passou a mirar Rondônia como a “terra prometida” para a consolidação do projeto familiar, estudando uma dobradinha entre Carlos e o pecuarista Bruno Scheid, já filiado ao PL. A eventual aliança seria considerada “invencível” por analistas, embora dependa de rearranjos políticos envolvendo o deputado Fernando Máximo, que permaneceria na disputa por vaga à Câmara Federal. A matéria destaca ainda que uma candidatura de Carlos Bolsonaro ao Senado por Rondônia consolidaria o estado como o novo QG bolsonarista do país. Cenários como esses reforçam a percepção de Hildon Chaves: Rondônia, por estar distante do eixo das grandes capitais, continua sendo vista por líderes de projeção nacional como uma fronteira eleitoral fácil de conquistar — e, ao mesmo tempo, fácil de abandonar. O caso mais recente é o de Benevenuto Daciolo Fonseca dos Santos, o Cabo Daciolo. Catarinense de Florianópolis e ex-deputado federal pelo Rio de Janeiro, ele ganhou notoriedade nacional em 2018 ao se tornar uma espécie de “candidato-meme” por suas falas marcadas por fervor religioso e expressões como “Glória a Deusxxxxx”, com o “s” prolongado. Sua relação com Rondônia, até agora, é nula. Em sua recente participação no programa Jornal da Manhã, da Rádio Rondônia, Daciolo afirmou que o “decreto nº 12.600” trataria da “privatização dos rios da Amazônia”, mencionando Madeira, Tapajós e Tocantins. “Vão tentar entregar a nação brasileira”, disse. Ligou o tema à geopolítica e à religião, alegando que o Brasil estaria sendo “entregue nos braços da China”. Ao final, anunciou a transferência de seu domicílio eleitoral para Rondônia. Hildon Chaves reagiu com sarcasmo, mas sem surpresas: “Eu ficaria morto de vergonha. Acho uma vergonha pra Rondônia eleger um alienígena”. Daciolo, como outros antes dele, tenta inserir Rondônia em um discurso nacionalizado, no qual o estado é pano de fundo para uma narrativa maior — seja espiritual, seja ideológica. O problema é que, na prática, essa retórica ignora completamente as realidades locais: os 52 municípios, as distâncias continentais, as desigualdades logísticas e o fato de que Porto Velho, sozinha, tem área superior à de países como Bélgica e Israel. O “avivamento” que Daciolo prevê pode até atrair olhares simbólicos, mas pouco ou nada diz ao rondoniense que depende da BR-364 para escoar produção, enfrenta apagões frequentes e luta por políticas públicas adaptadas à Amazônia real — e não à imaginada. Por mais áspero que tenha sido o tom de Hildon Chaves, seu argumento central é incontestável: Rondônia não precisa importar candidatos. “Que venham”, provocou, em tom desafiador, mas com a tranquilidade de quem sabe que o eleitor local amadureceu. E é aqui que o editorial encontra sua síntese. O estado que um dia elegeu o “Homem do Chapéu” é o mesmo que hoje reage com ceticismo à chegada de “alienígenas”. Aprendeu, à custa de decepções, que o poder político é também uma expressão de identidade coletiva. Se Múcio Athayde usou o chapéu como marketing e Daciolo usa a Bíblia como estandarte, ambos compartilham o mesmo erro: o de subestimar a inteligência do eleitor rondoniense. Como diria Enéas Carneiro — mas ao contrário —, os rondonienses reúnem, sim, “o mínimo de capacidade intracromossomial específica” para escolher seus próprios representantes. São cidadãos de um estado complexo, com múltiplas realidades econômicas, culturais e ambientais. A Rondônia de 2025 já não é a de 1986. O povo que viu coronéis, empresários e forasteiros se alternarem no poder aprendeu a desconfiar de quem chega com promessas milagrosas e sotaques importados. Hildon Chaves, com sua ironia de sempre, apenas verbalizou o que muitos pensam em silêncio: Rondônia não é pouso para aventureiros. É terra de gente que vive, trabalha e decide — sem precisar que ninguém, de fora, venha lhes dizer o que é melhor para o seu próprio destino. Fonte: Redação | Rondônia Dinâmica Leia Também Deputado Luizinho Goebel articula curso gratuito de redação para o ENEM em Chupinguaia Hildon toca na ferida: herdeiros do método Múcio Athayde, “alienígenas” querem invadir as eleições em Rondônia Deputada Sílvia Cristina reúne mulheres que venceram o câncer no Podcast A Vida em Rosa “Os ricos não querem pagar uma merrequinha a mais”, diz Lula após derrota na Câmara Tucanos em nova sede na Capital, MP-RO e Polícia Civil realizam Operação, “rachadinha” e “fantasmas” afastam vereador e assessores Twitter Facebook instagram pinterest