RD Entrevista – José Guedes, o tucano constituinte que chora pelo “fim” de Lula



Texto.:
Vinicius Canova
Fotos.: Gregory Rodriguez

Porto Velho, RO – Um homem do povo alega ter sofrido perseguição política. Com isso, fora retirado à força das disputas eleitorais no Estado de Rondônia. Depois de eleito prefeito de Porto Velho, ganhando do grupo formado pelo popular Chiquilito Erse, à ocasião abraçado pelo poderio do ex-governador Osvaldo Piana, José Alves Vieira Guedes, o José Guedes (PSDB), foi praticamente apagado da vida eletiva tamanha constrição imputada em sua vida por membros do Tribunal de Contas (TCE/RO).  

Após ter sua carreira dizimada pelo que dominou como a “Tropa do Piana”, Guedes chegou a tornar-se feirante, vendeu galinhas em pontos aleatórios da cidade; formou-se em Direito e passou a advogar em causa própria a fim de limpar seu nome e hoje, passadas mais de duas décadas de engessamento, volta ao cenário anunciando pré-candidatura ao Governo de Rondônia em 2018.

Nesta décima segunda edição de RD Entrevista, seção publicada exclusivamente pelo jornal eletrônico Rondônia Dinâmica, o deputado federal constituinte conta como ocorreu a criação nacional do PSDB; como enfrentou a Odebrecht e tentou expôr ao Brasil a relação tenebrosa entre Administração Pública e empreiteiros, além de relatar quais foram suas contribuições específicas à Constituição Federal de 88.

E mais

A chegada à Brasília; a dica da amiga de Tomás Correia sobre vestimenta e o posicionamento acerca do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

No ponto ápice da conversa, Guedes, emocionado, chora ao falar sobre o que denominou como o “fim” da biografia do ex-presidente Lula, a quem gostaria de ver considerado como o melhor presidente que o País já teve.


Guedes vendeu galinhas em feiras para sobreviver e sustentar a família 
Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)


Perfil e trajetória

José Alves Vieira Guedes nasceu no dia 02 de novembro de 1954 em Itacajá, Goiás. Aos 62 anos, é casado, tem 10 filhos – cinco com a atual esposa –, 15 netos e um bisneto. Foi vereador de Porto Velho; prefeito da Capital em duas ocasiões; deputado federal constituinte e também concorreu ao Governo de Rondônia em 1990. É fundador nacional do PSDB.



Rondônia Dinâmica – Quem é José Guedes?

José Guedes – Cheguei a Porto Velho no dia 1º de julho de 1977. Gosto de me sentir um filho de Porto Velho, um filho de Rondônia. Mas nasci na cidade de Itacajá, na época pertencente ao Estado de Goiás, mas hoje faz parte de Tocantins. Morei em outras cidades, como Goiânia e São Paulo, mas meu destino mesmo foi travado aqui. Conheci minha esposa Lindalva e com ela tive cinco filhos. Antes dela eu já tinha outros cinco, ou seja, tenho dez no total. Tenho quinze netos e uma bisneta. Estou com 62 anos e advogando agora. Já fui feirante – e isso depois de ter sido prefeito e deputado constituinte. Naquela época só tinha feito  o Ginásio, então fiz o Segundo Grau depois que deixei a prefeitura, cursei Direito e agora sou advogado.



RD – O senhor havia deixado claro que a vida eletiva estava descartada. Mas postagens nostálgicas no Facebook e comentários de articulistas políticos da região colocam o senhor no cenário das possibilidades para 2018. Afinal, José Guedes ainda tem pretensões políticas?

JG – Eu já falei várias vezes que não queria mais saber de disputas eleitorais. Mas os acontecimentos políticos dos últimos tempos, principalmente em relação a todas essas descobertas de falcatruas envolvendo empresas e também governos, vi a possibilidade de um retorno à política. Eu estarei retornando, colocando meu nome à apreciação do PSDB, partido o qual sou fundador, o primeiro presidente aqui e atualmente delegado nacional.

RD – Qual cargo o senhor pretende disputar?

JG – Vou colocar meu nome à apreciação do partido para concorrer ao Governo do Estado, se Deus quiser.

RD – Se não for governo o senhor não aceita qualquer outra postulação?

JG – Eu pleiteio isso [governo] e acredito que a minha caminhada política parou foi por aí, quando fui candidato a governador. E é daí que eu quero recomeçar. E recomeçar de uma forma diferente, mostrando que tanto eu quanto o próprio PSDB já apoiamos todos os governadores, desde o Raupp, passando pelo Bianco, Cassol e até o Confúcio. Então esse apoio partiu ou de mim, individualmente, ou do PSDB. E todos eles são governadores que representam o interior do Estado. Então quero propor a essas pessoas, principalmente aos eleitores dessas pessoas, que oportunizem a Capital a ter um governador que cuide de Porto Velho, para que seja uma cidade que orgulhe a todos.

RD – E não orgulha atualmente?

JG – O governador tem de trabalhar pelo Estado inteiro, mas todo mundo quer uma Capital bonita, apresentável. E nós sabemos que isso não existe, não acontece! O interior pode contribuir para que isso aconteça. E é o que irei fazer devido a essas pessoas que já apoiei e a todos os municípios, os outros 51 do Estado de Rondônia.



RD – Embora o senhor seja um dos fundadores nacionais do PSDB não haveria uma disputa interna dificílima levando em conta que o ex-senador Expedito Júnior é considerado a “bola da vez” junto com a deputada federal Mariana Carvalho?

JG – Eu tenho o Expedito Júnior, o senador Expedito Júnior, como o candidato natural ao governo. Ele é o candidato natural ao governo... Mas o vejo como senador eleito do PSDB. E o PSDB  precisa dele como senador, o Brasil precisa do Expedito. E ele pode me ajudar a ser governador com o apoio dele no Senado. A mesma coisa em relação a deputada Mariana, que é uma parlamentar que vem nos surpreendendo. Eu a conheço desde criança praticamente, porque o pai dela entrou no PSDB através de mim. Ele era deputado federal e ela criança, tinha uns treze anos mais ou menos. Então ela é uma tucana de nascimento, criada no ninho. Ela reúne condições de postular o governo, mas a vejo também, com toda sua desenvoltura, como a outra pessoa a ocupar a segunda vaga no Senado. Porque nas próximas eleições Rondônia abrirá duas vagas no Senado Federal e o PSDB tem força para preencher as duas.

RD – E isso representaria o que para Rondônia e o PSDB?

JG – Com o apoio dessas pessoas no Senado Federal o PSDB pode repetir o que já fez no passado. O PSDB já foi a bancada mais forte de Rondônia. De oito deputados, pelo menos três eram do PSDB. Já tivemos governador tucano também. E eu penso que o futuro presidente da República será também do PSDB.



RD – O que levar o senhor a pensar isso?

JG – O fato de o eleitor estar confuso no atual momento político. Até nós [da política] estamos confusos. Mas as eleições e a campanha eleitoral irão esclarecer muitas situações que irão levar o eleitor a inserir o PSDB novamente nos cargos relevantes a fim de consertar o Brasil.



RD – Como foram os bastidores da criação do PSDB?

JG – Iniciamos a ideia do PSDB na Assembleia Nacional Constituinte. Quase todos nós éramos do PMDB. E o PMDB, depois que recebeu adesão das pessoas que eram governistas, como o ex-presidente José Sarney, vice de Tancredo Neves, houve uma mudança de postura. Quando Tancredo assumiu a Presidência havia um compromisso de que ele teria um mandato de quatro anos porque assim foi definido pelo próprio no Brasil inteiro. Sarney, que era do PDS, entrou no PMDB junto com outras pessoas viciadas em governo. Então, quando assumiu a Presidência após a morte de Tancredo, Sarney quis que o mandato fosse de cinco, e não de quatro anos como havia garantido. E para garantir os cinco anos ele começou a barganhar.

RD – Já se barganhava politicamente nessa época?

JG – Claro, as barganhas existem, acredito eu, desde o descobrimento do Brasil. Mas politicamente ficaram mais afloradas na Assembleia Nacional Constituinte. Quando o próprio presidente colocava seus ministros para oferecer concessões públicas de emissoras de rádio e televisão e até ajuda para campanhas eleitorais. Tudo em troca do benefício que ele queria, um mandato mais elástico, com mais um ano de poder. Isso fez com que muitos parlamentares passassem a defender algo totalmente contrário ao que, até então, era defendido pelo próprio PMDB.

RD – Foi a partir daí que houve a insurgência e a divisão que criou o PSDB?

JG – Sim, houve uma divisão, sem contar a questão ideológica. Havia gente de pensamento social-democrático, como nós, que estávamos no PMDB; e aqueles que entraram junto com o Sarney com uma ideia muito à direita. E eles conturbaram, fizeram do PMDB aquilo que o PMDB é hoje, um partido que não busca o poder, não buscou o poder,  optou pela influência política através do Congresso. Isso fez com que o PMDB dominasse os governos. Então nós nos afastamos e criamos o PSDB. Houve, então, uma reunião de 45 parlamentares, concidentemente o número do PSDB. O partido nasceu no Congresso e já começou a enfrentar eleições.

RD – E nasceu com força?

JG – Sim, nasceu, ganhou força, tivemos um presidente eleito e reeleito que fez um bom trabalho pelo Brasil, aliás, já fazia na condição de ministro do ex-presidente Itamar Franco.

RD – O senhor tinha relação próxima com Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Franco Montoro e Mário Covas?

JG – Nós todos nos reunimos para criar o partido. E esses nomes que você apontou queriam a implementação de um novo ideal. Antes do PSDB, eu era vice-líder do PMDB; o líder, à ocasião, era o Mário Covas. Então nós tínhamos essa proximidade ideológica e por conta das condições de liderança e vice-liderança. Quando surgiu a ideia de criar esse partido eu era o único da Região Norte a integrar a legenda, porque era principalmente formada por políticos de São Paulo e Minas Gerais. Mas também tinha gente do Paraná, como o José Richa e outros Estados. Mas da Região Norte inteira só havia um, eu, nessa primeira leva, no primeiro momento. Depois teve um de Tocantins, o segundo a integrar o PSDB em toda essa região imensa.



RD – Dois momentos em que assumiu a prefeitura: nomeação e eleição. Como foram?

JG – Na primeira vez em que fui prefeito aqui, em 1985, era um simples vereador. Pior ainda: fui o vereador menos votado e, de quebra, quando saiu o resultado da eleição eu não havia sido eleito por conta de uma fraude eleitoral descoberta pela minha mulher. Então fiquei de primeiro suplente. Faltavam votos na urna em que minha esposa havia votado. Eu tinha sete votos naquela urna e, na hora de puxar o resultado, fiquei com zero, absolutamente nada no boletim.

RD – E o fez pra resolver isso?

JG – Pedi a verificação e, por sorte, descobriram que eu tinha realmente os tais sete votos. E eu sabia que tinha os setes votos porque naquele tempo eles eram proferidos em cédulas de papel e a gente saía nas mesas pegando a quantidade. Eu fazia isso. Então cheguei numa determinada mesa, vi o pessoal contando os votos e percebi que, em um deles, havia a letra que eu sabia pertencer à minha esposa. Simplesmente anotei, fiquei com aquela situação na cabeça. Depois fui conferir com a tabela que saiu com o boletim e constatei que naquela urna eu constava sem votos, zero. Então eu fui apagar o sete, que havia anotado, para colocar o zero. Só que a minha esposa me informou: “Olha, eu votei nessa urna! Aí tem de ter pelo menos o meu voto”.

RD – E informou à Justiça?

JG – Fui até o juiz e falei para ele a história. Disse a ele: “Olha, além de a minha esposa ter votado nessa urna, eu vi que foram marcados no mapa a quantidade de votos”. Ele pensou que não seria possível isso ocorrer, então fomos checar juntos. Então ele foi até a urna, abriu e pegou o mapa. Quando ele viu havia realmente os sete votos. Ele saiu impressionando, levando na mesma hora ao presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE/RO). “Sim, mas o que a gente vai fazer com isso daqui?”. Eu gostaria de saber se isso seria consertado ali mesmo pelo presidente, ou se precisaria entrar com algum documento jurídico. O presidente do TRE/RO informou que eu precisaria pleitear a correção juridicamente. E assim eu ganhei as manchetes porque de primeiro suplente passei a vereador eleito e no segundo ano já era o líder do partido e no terceiro acabei me tornando prefeito.



RD – A primeira vez por nomeação, não é?

JG – Não nomeado apenas. Eu fui eleito indiretamente porque meu nome foi votado em assembleia e só tive um voto contrário. Esse voto foi do Amizael Silva, que era do PDS, e depois acabou no PSDB. Naquele momento consegui fazer um trabalho importante, que foi o de vencer as dificuldades que havia aqui no assentamento de pessoas em terrenos, lotes. As pessoas viviam invadindo e nós acabamos com essas invasões de terras dando terras. Dando bastante terras. Então surgiram os bairros Tancredo Neves, JK e isso daí ajudou a corroborar com uma fama muito boa na minha administração.

RD – Além das doações de terras, o que se destacou também nessa primeira passagem pela prefeitura?

JG – Fizemos pavimentações, como nos bairros Liberdade e São João Bosco. A Calama, por exemplo, é dessa época. Nossa imagem ficou excelente. De vereador menos votado a prefeito de Porto Velho. Foi um período bem pequeno, de apenas sete meses, mas de muito trabalho. Quando saí a deputado federal fui o mais votado do partido. Fui vice-líder do PMDB na Constituinte, criamos o PSDB e aí saí candidato a governador em 1990 e fui amplamente vitorioso na Capital, mas tive pouco voto no interior. Então acabei em terceiro porque o Olavo Pires, que foi meu patrão – e eu vim pra cá pra trabalhar com ele –  acabou sendo assassinado. Então quem entrou foi o Piana, que acabou sendo governador.



RD – Como foi gerir o Município de Porto Velho pela segunda vez?

JG – O Piana dificultou muito a nossa vida! Dificultou muito a nossa administração. E a prefeitura precisava muito do governo porque era auxiliada pelo Estado até na folha de pagamento. Então não tive ajuda do Governo do Estado e, com isso, enfrentei e tive de fazer com que o município adquirisse a sua maioridade. No meu primeiro mandato, havia um governador que nos ajudava até com a folha de pagamento, sem contar as nossas ações corajosas ao enfrentar os latifundiários daqui, os especuladores de terras! Na segunda vez eu tive de buscar aumentar a arrecadação para fazer as obras necessárias. E foi justamente na época que se criou também o real. O real foi muito bom para o Brasil, mas horrível para os administradores públicos. Porque ele representou ganho de salário para  as pessoas, incluindo os servidores públicos, mas gerou diminuição brusca da receita. Então nós tivemos uma imensa dificuldade para administrar na segunda vez.

RD – Então o senhor foi vítima do momento?

JG – Não foi apenas eu. Foram todos os prefeitos e todos os governadores. Você pode pesquisar e irá descobrir que todos eles tiveram esse sofrimento imenso. Mas mesmo assim nós fizemos obras muito importantes aqui. Tivemos a menor mortalidade infantil de toda a história de Porto Velho, dobramos a quantidade de alunos – coisa difícil de fazer – e mantivemos a distribuição de terras. Nós totalizamos acho que aproximadamente 17 mil terrenos doados. Houve obras da ligação das regiões da cidade, asfaltamento. Ligação com a Guaporé, para a Estrada da Coca-Cola, enfim. O município cresceu mesmo com todas as dificuldades. A Avenida Guaporé nós fizemos cum o “troquinho” da obra da Rio Madeira. A Odebrecht tinha feito a Rio Madeira e fez isso através de empréstimo de valor imenso. Essas coisas absurdas que você vê por aí... Eles já trabalhavam assim aqui.

RD – Como assim?

JG – Quando eu entrei essa obra estava pronta, mas faltava a última medição. Eles queriam um reajuste das medições que haviam sido feitas. E eu não paguei. Decidi que pegaria o dinheiro que sobrou para fazer a Guaporé, mas foi só o troquinho. E já naquele tempo eu já havia denunciado a Odebrecht. As empreiteiras faziam isso e continuam fazendo. Esse pessoal continua fazendo coisa errada. Eles pensam que nunca serão pegos.

RD – Por que o governador Piana tinha interesse em prejudicar sua administração?

JG – Porque ganhei a eleição contra ele e contra o Chiquilito Erse. Mesmo sendo um candidato que ganhava pouco mais de três salários e eu fazia campanha só com isso. Não tive comício. Era um pobretão e eles achavam que ganhariam a eleição tranquilamente, porque estavam juntos o governador e um prefeito muito popular, que era o Chiquilito. E com a força do governador eles achavam que poderiam eleger até um poste, inclusive viviam dizendo isso à época da campanha. Eu fui candidato do jeito que quero fazer agora: fazendo visitas e pequenas reuniões. Eu tinha convicção de que venceria a eleição e foi o que acabou ocorrendo.



RD – Sobre a questão fundiária, o senhor chegou a dizer que doava os terrenos e, anos depois, o ex-prefeito Roberto Sobrinho entregava os títulos. Isso quer dizer que ele teria feito caridade "com o chapéu alheio"?

JG – [risos] Olha... Eu acho que eu quis dizer o que você falou por último aí. Ele alardeou um trabalho importante. E foi importante isso que ele fez, muito importante. Algo que precisa ser continuado aqui no nosso município, porque o problema de localização de terreno é crônico. Estão cheios de documentos fajutos aqui, muitos deles sendo discutidos na Justiça. Mas o mais difícil era fazer a doação do terreno.  Porque havia muito latifundiário e gente emperrando a concessão desses terrenos. Então tivemos de travar esse combate. E foi algo muito corajoso de minha parte, porque muitos ocupantes irregulares dessas terras chegaram a me oferecer metade delas pra não mexer com isso. Como eu recusei e ainda denunciei essa tentativa, passaram a me amedrontar, me seguir de forma ostensiva. E eu fiquei realmente com medo. Chegou ao ponto de eu sair uns dias daqui por conta do medo que fiquei. Mas eu os enfrentei e hoje eles estão espalhados por aí, ainda existem, mas não tem mais poder político.

RD – O senhor chegou a dizer que seu principal inimigo durante a segunda gestão foi o TCE/RO. O senhor foi perseguido politicamente?

JG – Fui, com certeza! Disso daí não tenho dúvidas. Mas não digo que foi pelo TCE/RO, mas sim por membros. Tanto que o julgamento das minhas contas era encerrado com voto de desempate. Então não posso dizer que é o TCE/RO, mas foram pessoas de lá que fizeram isso com intuito puramente político. Isso não acontece mais hoje e nem o TCE/RO tem mais o poder político que tinha naquele tempo. Naquele tempo um parece do TCE/RO inviabilizava a pessoa. Com a questão do julgamento, que reprovou minhas contas, me prejudicou imensamente. Destruiu minha administração porque meu patrimônio não era financeiro, era moral. Eles destruíram o patrimônio moral que construí ao longo do tempo ao enfrentar os peixes grandes e não aceitar barganhas. Depois, de repente, a população passa a te ver com outros olhos porque você foi acusado de superfaturar coisas aqui e acolá. Sem contar que havia o poder de tirar você da disputa eleitoral.

RD – O líder dessa perseguição, segundo o senhor, era o conselheiro Hélio Máximo, já falecido...

JG – Tenho respeito por ele e pela família dele, mas agiu politicamente contra mim. E não só contra mim. Contra vários aspirantes aí que eram de tom ideológico de esquerda. Ele pegava a esquerda assim “bonito”, não foi só comigo. Houve alguns que foram massacrados. Já os de direita não eram perseguidos.



RD – O senhor chegou a dizer que o Hélio Máximo era membro da “Tropa do Piana”. O que é a “Tropa do Piana”?

JG – Sem dúvida. A “Tropa do Piana” foi formada pelo ex-governador, que colocou três conselheiros no Tribunal de Contas. Com o Hélio Máximo, havia quatro deles. Aí o Piana era contra mim. Há pessoas que ele indicou que hoje tem a maior deferência por mim. E hoje conversando as coisas ficaram amistosas. Mas essas pessoas recebiam orientações dele e as cumpriam. Então os quatro agiam contra mim e os outros três, que não eram do Piana, sempre a favor. Os conselheiros a meu favor sempre falavam que as irregularidades não existiam e os erros atribuídos a mim não poderiam ser cometidos pelo prefeito. O prefeito da Capital sequer assina cheque, nem ordem de pagamento. Também não faz licitação. Apenas autoriza a despesa. Mas tudo que havia de erro descoberto pela própria administração nos processos, porque eles pegavam as nossas tabuletas para ver o que havia de errado. Eu criei uma Controlaria no município para que houvesse esse rigor.

RD – O senhor acabou trabalhando contra si mesmo, então?

JG – De certa forma sim, porque eles só pegavam aquele mapeamento nosso e transcreviam o que nós mesmos havíamos constatado. E colocaram a responsabilidade pura e exclusivamente sobre meus ombros. Ninguém mais foi responsabilizado. Isso não existe! Hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) já minou todos esses julgamentos em repercussão geral. Eles não têm esse poder em relação ao prefeito, quem tem é a Câmara de Vereadores. Eles têm poder em relação aos secretários e diretores e era o que eu dizia. “Vocês tem de ver que o erro é de quem assinou. O erro não é do prefeito. O prefeito não tem como controlas todas as situações, é impossível isso”. É um como se fosse uma empresa grande, muito grande.  Prefeito faz falcatrua quando uma coisa vale “X” e ele coloca dois “X” e foge aos seus afazeres. Se alguém estudar tudo o que ocorreu, irá constatar o que estou dizendo. Isso freou minha caminhada político, eu fui anulado.



RD – Foi aí que o senhor se sentiu engessado politicamente?

JG – Era eu contra toda essa estrutura de governo, Estado, muita gente da Assembleia e mesmo assim conseguimos ganhar e avançar. Agora, com eles dizendo que nossas contas estavam rejeitadas e eu estava inelegível, não havia saída. Como continuar na vida pública?

RD – Como está a vida do senhor atualmente juridicamente falando?

JG – Ah, isso daí me rendeu muitos processos... Eu tive de me formar em Direito e ser advogado para me defender. Porque se eu não tivesse feito isso não teria como me defender. Teve amigos que me defenderam durante todo esse tempo. Eu estudando, trabalhando as ações e esses amigos me ajudando assinando as petições porque eles não tinham condições de fazê-las. Mesmo assim, eu fiz minha própria defesa. Por causa disso daí eu respondi a inúmeros processos. Agora eles estão, graças a Deus, sem efeito. Porque a Justiça e a lei foram modificando essas coisas. Eu não tenho nenhum processo na área criminal. São todas questões de contas a respeito da administração.



RD – E a tentativa de tocaia a empreiteiro que pretendia extorqui-lo?

JG – Pois é... Lutei tanto por isso, rapaz. Queria mostrar ao Brasil inteiro que havia esse conluio entre empreiteiros e Administração Pública. Porque isso era claro no passado e é ainda mais hoje. Eu procurei a Odebrecht e falei a eles que, caso quisessem continuar trabalhando, teriam de dar um desconto porque o valor do contrato de determinada obra estava muito alto. E nós chegamos ao ponto de eles concederem o desconto. Concederam o desconto de 23%. Só não quiseram assinar a carta, mas fizeram o desconto nas medições. Isso inclusive foi mandato ao Ministério Público (MP/RO). A mesma coisa com relação a outra empresa, que foi contratada na minha época. Eles se juntam e fazem o preço deles. Você põe pra licitar, a coisa fica toda legal, mas um dá cobertura ao outro. Eles se ajustam nos preços. Esse nós conseguimos baixar 30% com assinatura da carta atestando o desconto. Outra foi a questão da limpeza, com a Marquise.  A Marquise fazia a coleta aqui e eles tinham os locais para despejar o lixo, os containers. Por exemplo, eles levaram o container do aeroporto para a lixeira dizendo que havia seis mil quilos. Só havia papel lá e o local de origem do lixo tinha um único restaurante. Então não tinha como pesar. Aquilo daria no máximo de 500 a 600 quilos, pesando. Mas não havia balança.

RD – Imagino que o senhor tenha colocado a balança, então, não é mesmo?

JG – Sim, claro. Nós a colocamos e o preço baixou violentamente, mais de 30% à época e nós levamos isso para o MP/RO também. As empresas de ônibus me ofereceram dinheiro para campanha. Era quase final de campanha e eu sentia que estava com a eleição ganha. Então eles procuraram pra nos ajudar porque é isso que fazem. Eles não saem investindo num candidato com 5% ou 10%. Eles pegam um cara que está bem perto. Teve um político aí, cujo nome não vou citar, que intermediou esse contato. Ele foi comigo, me chamou e falou da proposta deles. Eu falei que não aceitava e ele me chamou de burro. Eu disse: “Eu não aceito porque na hora que eu assumir eles vão querer mandar na administração. Eles vão querer determinar a tarifa de ônibus e aí quem vai pagar é a população. Então não aceito”. Com isso, fiz a passagem de Porto Velho a mais barata do Brasil. Porque fiz desse jeito. Então diante dessas atitudes houve um momento que tive de intervir no sistema de transporte, tomar deles. Porque eles não queriam mais. Ajudaram a paralisar o transporte da cidade. Pensei que a população lutaria comigo, peitaria isso junto de mim. Mas não foi. A população preferia pagar uma passagem mais cara, mas ter o ônibus. E eu pensava que não podia ser desse jeito. Nós tínhamos de ter a passagem mais barata e eles tinham de me ajudar a lutar por isso. Isso aconteceu em Manaus, por exemplo, com a população brigando para que  tarifa não aumentasse. Aqui não havia isso. Então enfrentei sozinho isso daí. Mas segurei o quanto pude e, durante meus quatro anos de gestão, tivemos a tarifa mais barata do País. Eu fico muito contente por ter reagido a isso.

RD – E o papel da Justiça de Rondônia em todo o seu calvário?

JG – O Tribunal de Justiça me salvou. O Poder Judiciário me salvou. Desde aquele tempo até hoje. E eu falo isso pra todos eles. Cada vez que eu vou lá me pronunciar no Tribunal eu relembro a gratidão que tenho. Esses dias, um dos processos contra mim, foi julgado no Supremo. É recente, não tem muito tempo. Falei pra eles que um dos juízes que decidiram a meu favor estava lá como desembargador. E eu disse a ele que o processo que havia julgado, o Supremo também entendeu que ele estava certo, que o TCE/RO não tinha poder de fazer o julgamento que fizeram em relação a mim. Também houve decisões judiciais contra mim, mas tudo levando em conta as indicações do TCE/RO. Mas sempre aceitei as decisões, embora tenha me defendido sempre de todas as maneiras possíveis. Infelizmente o primeiro julgamento que anulou as decisões do TCE/RO levou dez anos para ocorrer. Naturalmente, eu fui “morrendo” nesse meio tempo, politicamente falando. Eu não podia ser candidato. Quando lançava candidatura, era impugnado. É triste, horrível!

RD – O senhor gastou muito para colocar sua reputação nos trilhos?

JG – Nadinha! Eu sou um pobre. Tenho uma casa boa e fiz tudo para construí-la. Amo minha residência. Não tenho reserva alguma. Depois de ser prefeito eu tive de ir para a feira porque não tinha profissão. Minha profissão era ser político. Eu pensava que eu nunca perderia eleição por conta do jeito que eu trabalho, incessantemente. Hoje entendo a política como uma missão. Atualmente tenho a advocacia como profissão e,  ao mesmo tempo, estou colocando meu nome à apreciação da população.



RD – O senhor poderia detalhar melhor esse período em que trabalhou como feirante após atingir o ápice do poder político numa Capital de Estado?

JG – Rapaz... A primeira coisa que me ocorreu foi a ligeira sensação de que não vale a pena ser honesto. A primeira grande mágoa era essa daí... Eu fiz de tudo para agir corretamente, agi, contrariei interesses, bati de frente com gente graúda e acabei do jeito que relatei. Isso é o que mais dói. Justamente porque sabia que as coisas estavam bem feitas, procurei fazer certo. Aí vieram as dificuldades do dia a dia mesmo, até em relação à alimentação. Tive de me virar. Busquei ajuda de amigos, enfim. É muito ruim você chegar num amigo, que foi inclusive seu secretário municipal, e ter de pedir ajuda para ele. Ou então pedir um financiamento no banco e eu tinha uma chácara, um pedacinho de terra onde fazia reuniões políticas.  Então eu queria fazer um financiamento, mas não tinha como pagar uma multa eleitoral imputada a mim porque havia incorrido em propaganda ilegal. Eu tinha de pagar essa multa e eu não tinha o dinheiro. E se não pagasse a multa eu não poderia pegar o financiamento. Fiquei numa situação difícil. Pedi ajuda a um amigo.

RD – Conseguiu o financiamento?

JG – Sim, acabei conseguindo o financiamento. Tivemos de botar a mão na massa. Minha esposa e eu. Alguns amigos nos ajudaram também e montamos toda a estrutura para receber os pintos para depois criar as galinhas, os frangos e coisa e tal para que pudéssemos vender na feira. Inclusive colocamos um caseiro para trabalhar conosco que, depois, descobrimos que estava nos roubando. E roubando bastante! Mas mesmo assim eu consegui ir levando. Minha mulher é uma vendedora de primeira. Ela foi para a feira, aprendeu a depenar os frangos só observando o pessoal fazendo. Ensinaram para ela. Eu ficava no sítio cuidando das galinhas. Porque se não der comida pra elas uma come a outra! Come e ainda tira as tripas, depois o urubu vem e acaba com tudo. Urubu não come só carne podre [risos].

RD – Em qual feira o senhor trabalhou?

JG – Todas as feiras!

RD – O senhor encontrava com eleitores, pessoas que lhe conheciam da vida política?

JG – Rapaz, a nossa banquinha virou ponto turístico! Porque as pessoas não acreditavam, simplesmente não acreditavam. A gente estava na feira e no começo até brigando com outras pessoas pelo lugar. Porque nós chegávamos ao local e lá havia concorrência bruta. Eles diziam: “O que vocês estão fazendo? Isso daqui é pra nós, não pra vocês”. Brigavam até com fiscal da prefeitura. E aí aconteceu o quê? Nos colocaram bem escondidos no final das feiras. Mas não nos atingiu, pelo contrário. A freguesia mudou e passou a comprar da gente. Era fenomenal o quanto nós vendíamos. Às vezes recém havia dado 09h e nós já havíamos vendido tudo. Aí tínhamos de buscar mais, mas não tinha onde pegar. Não tinha mais frango pra pegar. As coisas foram se ajeitando. Percebi, naquele momento, que eu tinha de estudar. Então fui ao Padre Moretti concluir o Segundo Grau. Tentei passar na Unir, mas não consegui. Cheguei perto, mas não consegui.

RD – E aí fez o quê?

JG – Fui estudar na Uniron. Fiquei com medo de não passar porque eu tinha mesmo que estudar. Passei em Direito, passei a estudar e consegui a melhor nota à época e acredito que ninguém tenha me  passado até hoje. Porque a maioria das minhas notas era 10. Eu estudava bastante. Naquele tempo já podíamos fazer o Exame da Ordem já no 9º período. Eu fiz e passei de primeira, em 2012.

RD – Quando foi que o senhor realizou o fim da vida política?

JG – Rapaz, eu não pude ser candidato. O problema era esse. Não era eu me eleger. Para eleitor parecia que eu não tinha condições de me eleger, mas na realidade mantinham minha candidatura engessada. Eu não podia mesmo ser candidato.



RD – Isso durou quanto tempo?

JG – Esse tempo todinho aí. Toda vez que eu tentava era impugnado. Então para o eleitor eu não era candidato. E quando saia o resultado realmente eu não era. Não tinha voto algum lá. E as pessoas não votavam. Então não considero que a pessoa tenha feito uma apreciação minha. Eu cheguei a concorrer impugnado, mas ganhei. Fiquei calado e sabe para quê?

RD – Para quê?

JG – Pra saber quantos amigos eu tinha. Eu tinha essa vontade de saber quantos amigos iriam a qualquer lugar comigo, inclusive à Presidência da República caso fosse candidato. Teve uma época em que divulgaram uma pesquisa espontânea envolvendo meu nome como possibilidade à Presidência da República. Tem gente que gosta de mim pra valer, de verdade. Eu disse a mim mesmo: “O que eu quero saber é o quanto”. No meu caso, mesmo sem chances de ganhar por conta da impugnação, já ficaria feliz com o  pacote de votos. Acho que merecia isso, esse reconhecimento. Mas depois eu compreendi que o eleitor não tem todas as informações que você tem. É horrível você carregar essa fama de ter contas rejeitadas. Para a população, é como se você tivesse feito alguma apropriação.

RD – E quando sentiu que as coisas passaram a melhorar para a sua imagem?

JG – Hoje vou ao Posto de Saúde e as pessoas perguntam sobre mim, se serei ou não candidato. Até há pouco, eu dizia que não. Falava à população que não queria mais nem saber. Mas agora é diferente. Quando me questionam, respondo: “Eu estou com essa coceira”. E uma delas retrucou: “Então que essa coceira aumente”. Então tem muitas pessoas que fazem isso no dia a dia. Elas me perguntam e agora respondo dessa maneira. Estou aposto nisso daí.



RD – Como o senhor vê o atual momento político em Rondônia e os últimos anos que passou como espectador?

JG – Eu era um exemplo na política de que a honestidade não valia a pena. As pessoas viam em mim e o mundo político sabe o quanto trabalhei. Os empresários daqui também sabem. Os empresários que trabalharam com a prefeitura têm consciência disso. Houve empresário aqui que, depois de ganhar licitação, chegou a ofertar dinheiro, para dar “a minha parte”.  Eu perguntei: “Para que isso?”. E ele: “É natural que nós ajudemos na campanha depois de ganhar a licitação”. Jamais aceitei um só centavo. Replicava: “Você não precisa fazer isso. Você vai é aumentar essa  quantidade, 20%. Mas 20% você aumenta em obras”. E eu saí espalhando isso daí pra todo mundo. Aqui vocês nunca vão encontrar um empresário que irá dizer que fez barganha comigo. Eles sabem que eu também trabalho assim, e os políticos mais ainda. Um deles tentou intermediar barganha para mim. Coisas envolvendo precatórios. Há muito tempo atrás havia uma confusão em relação a precatórios. Havia um esquema de emprestar dinheiro  para o município ou para o Estado a fim de pagar precatórios e em seguida negociar com os bancos. Isso aí rendia milhões, milhões e milhões... Muita gente pelo Brasil respondeu por isso daí, até os da chamada esquerda. Hoje dá pra levantar o discurso da honestidade de novo porque a população até que enfim começou a perceber o que está ocorrendo no submundo da política e empresarial. Porque antes eu falava isso e sabe o que a população dizia? “Ah, mas político ganha muito. Deputado ganha muito. Prefeito ganha muito. Governador, desembargador e ministros ganham muito”.

RD – Mas não ganham?

JG – De jeito nenhum! Antes fosse o dobro ou o triplo disso daí, mas que se ativessem a isso. Eles não estão nem aí pra esse salário. Eles gastam muito mais na campanha. Milhões. O que as pessoas pensam  sobre gente que coloca esse tanto de dinheiro em campanha? A troco de quê? Porque gosta do fulano de tal? Por causa de ideologia? Então o eleitor também contribui pra essa coisa. Porque em vez de votar no candidato que possa ser honesto, vota no que deu presente ou contratou um parente pra trabalhar em campanha. Isso é uma compra de votos legalizada. Então qual o compromisso que essa pessoa tem com o eleitor? Nenhum! É esquema. Mas nesse momento esse discurso vem à tona com muita força. A honestidade voltou a ser critério. Como esse negócio da Odebrecht, que na época mesmo eu espalhei matérias a todo o Brasil. Depois descobri até que a Folha de S. Paulo protegia os empreiteiros. O jornal me sacaneou. Enviei informações sobre uma CPI que estava ajudando a instruir e eles publicaram tudo diferente. Eles conseguiram “fechar” a CPI.



RD – O senhor, que se posta como pobretão, um político franciscano, poderia nos contar como foi a chegada à Brasília, centro do Poder? E como foi ser um deputado constituinte, qual foi a contribuição específica que o político José Guedes deu para a Constituição de 88?

JG – Um fato interessante que ocorreu: assim que cheguei lá, na condição de deputado, fui ao restaurante da Câmara Federal com o Tomás Correia, o meu amigo Tomás Correia. O Tomás Correia tem uma história lindíssima, muito bonita. Ele trabalhou fazendo serviços gerais no Senado e depois voltou como senador da República. Mas o Tomás tinha uma conhecida no Congresso que chegou perto do ouvido dele e teve uma conversa à base do cochicho.

RD – E o que ela disse?

JG – O Tomás chegou para mim e disse: “Guedes, ela disse pra você mandar fazer um paletó porque o seu está todo surrado. Tem gente que faz paletó aqui. Você é deputado e tem condições de pagar”. Ele me informou, então, que a moça havia dado o endereço de um sujeito bom de alfaiataria. Eu aceitei, claro.  Estava num novo ambiente, cheio de líderes políticos e autoridades. Eu era um dos mais novos constituintes. Aqui em Rondônia, por exemplo, só tinha o Expedito mais novo do que eu, considerado o segundo mais novo do Brasil. Mas não conseguiu continuar por causa de uma maracutaia que fizeram contra ele. Então ele acabou saindo da constituinte.

RD – E como foi ser tão novo numa situação nova e envolto a caciques da política?

JG – Cheguei com todo esforço de fazer as coisas acontecerem. Mas eu não tinha noção exatamente do que era ser um constituinte. Mesmo assim, consegui ser vice-líder. Então fui aprendendo aos poucos o que tinha de fazer na constituinte. E falei o que iria fazer. Quando saí de lá, ganhei um diploma, o Diploma Palavra de Honra, porque havia feito o que disse que iria fazer nas votações. Eu tive uma posição de centro-esquerda. Fiz aquilo que está dando toda essa base para as investigações, abrindo espaço para a intercepção telefônica na fase investigatória.



RD – O que levou o senhor a incluir isso na Carta Magna?

JG – Eu era fanático com essa história de ser detetive, detetive particular. Eu gostava de fazer investigação particular. Era um contador, mas cheguei até fazer um curso disso. Era fascinado nessas coisas de descobertas e tal. Acho que sempre fui advogado mesmo sem ter diploma. Não tinha diploma, mas trabalhava com contabilidade desde os meus quinze anos. Então era chamado de guarda-livros, não de contador. Guarda-livros fazia o que faz o contador atualmente. Fui administrador de empresa, trabalhei com o Olavo Pires, como disse, sem ter diploma. Eu só tinha o Ginásio. Então você vai reunindo uma série de experiências de vida. Eu era o parlamentar constituinte com menor grau de escolaridade. Então fiz essa emenda permitindo que, durante a fase investigatória, fosse possível fazer a escuta telefônica. E esse dispositivo acabou indo para Constituição. Escuta é outra coisa, na verdade o termo certo é interceptação telefônica. Com isso está se descobrindo todas essas coisas aí.

RD – O senhor tinha consciência disso, de que acabaria contribuindo para elucidar casos de corrupção?

JG – Na época parecia uma coisinha insignificante e muito invasiva, porque era uma forma de ficar escutando as coisas das pessoas. Mas só vale para efeitos criminais. Tem gente que pensa que vale de modo geral, mas só vale para as ações criminais. Não tem valor algum para outras situações. Em outros casos pode até ter valor moral, mas na Justiça é zero.

RD – E o que mais o senhor agregou de bom à Constituição Federal?

JG – Acrescentei benefícios à área da trabalhista, como os 50% de hora extra a mais. Saiu de 20% para 50%. E é de minha autoria. Não foi fulano nem ciclano. O acréscimo da interceptação é de minha autoria, e esse dos 50% de hora extra também. Eu olhava o lado do empregado mesmo, sempre fui empregado. Nunca fui patrão!

RD – Isso criou uma tendência?

JG – Não foi a partir daí. Eu sempre tive o olhar voltado ao empregado, que é o que mais sofre. Por isso eu lutei por esse aumento dos 50% em termos de hora extra e foi aprovado. Depois outros parlamentares aderiram à ideia, mas o texto original é meu. Também houve as votações me posicionando claramente em relação ao lado em que eu estava. Demonstrei jamais ter sucumbido ao poder econômico. Eu jamais faria isso.

RD – Como era ter aulas de Direito Constitucional, por exemplo, abrindo o livro de regramentos que o senhor ajudou a compor?

JG – Eu abria o livro de Direito Constitucional e pensava que não era eu, era outro. Porque as pessoas me olhavam de um jeito interessante. Um professor meu, inclusive, que trabalha no Ministério Público, questionou: “Seu Guedes, o senhor foi constituinte?”. E eu: “Fui”. Ele replicou: “Quantos artigos tem a Constituição?”. Eu respondi corretamente, claro, mas percebi que ele queria me testar. Quando a aula era de Direito Constitucional os colegas achavam que eu sabia tudo. Mas eu estava na constituinte ajudando a fazer a Constituição. Eu tive que estudar triplicado para manter o nome. Estudar Direito Constitucional é muito mais que analisar só o texto, há todo um esquema.

RD – É possível ter sido constituinte e não entender de Direito Constitucional?

JG – Perfeitamente possível. Mas no meu caso, o que eu não sabia tive de aprender. Quando percebo que faço parte da história do Brasil e relembro os colegas que já se foram, tenho noção cada vez maior de minha responsabilidade. Há muita coisa ainda a ser feita.



RD – Pelas características apresentadas, os posicionamentos políticos e outros aspectos, o senhor soa mais como um político de esquerda do que de direita...

JG – Eu sou o PSDB. Eu  sou fundador do PSDB. Isso que você está vendo em mim é o PSDB original. O PSDB foi criado com esse discurso que estou apresentando e ele foi se modificando com o tempo. O partido está diferente. Mas eu continuo vendo as coisas como antigamente.  Represento a socialdemocracia. A gente em vez de dizer que é de esquerda, porque essa divisão perdeu o sentido, se posta como socialdemocrata. Eu fui o primeiro tucano, por exemplo, a fazer coligação com o PT. Minha vitória foi coligada com PT. Mas também fui o primeiro tucano a fazer coligação com o PFL. Com o Odacir Soares, que foi eleito.

RD – Como foi isso?

JG – Eu fui candidato a governador e o Odacir a senador. Ninguém queria ele. Ninguém aceitava ele. E eu disse: “Não, eu quero você comigo”. E ele ganhou achando que não iria ganhar. Pode perguntar pra ele. Então assim, tenho pensamentos de esquerda, mas respeito e apoio a iniciativa privada porque não sou comunista. Então a iniciativa tem de ser incentivada a crescer mais e mais. Mas também não pode ser no ritmo apresentado pelas empreiteiras Brasil afora. 

RD – Por exemplo?

JG – As que fizeram as usinas aqui. Elas deixaram muita gente aleijada. A pessoa recebe sua rescisão, auxílio acidente, porque houve muito acidente, auxílio doença, e depois é abandonada. Cidadão trabalha dia, noite, sábado, direto, é sugado totalmente para depois entregar milhões pra político sem vergonha fazer campanha eleitoral. Isso é medonho. O pequeno empresário não tem condição de pagar o salário mínimo e as obrigações sociais. Mas esses grandões ganham dinheiro demais. Eles poderiam pagar muito mais, mas não pagam.

RD – O que o José Guedes, o homem de ideias de esquerda, mas num partido de direita, pensa a respeito do ex-presidente Lula?

JG – Quando eu vi o que estava acontecendo com o Lula não quis acreditar. No começo eu não quis acreditar. Quando eu vi que realmente ele tinha sucumbido tive vontade de chorar. Porque eu tinha, em meu ideário, o Lula como o homem do povo que iria ser reconhecido na história como o melhor presidente de todos os tempos no Brasil. E acabou acontecendo tudo isso: ele sucumbiu com a ânsia de poder. Quando ele começou a entra na campanha da Dilma, no segundo turno, comentei aqui muitas vezes com minha esposa: “Ele deveria ficar de fora disso”.



RD – Mas por que ele deveria ficar de fora?

JG – Porque eu senti que a coisa não ia bem. Começaram a sair essas conversas com gente próxima a ele visando influenciar votos de ministros do Supremo e isso passou a macular a biografia do ex-presidente Lula. E acabaram acontecendo essas descobertas. Se ele tivesse ficado quieto na eleição provavelmente seria o próximo presidente novamente. Ele acha que pode ser, mas eu acho muito difícil depois de tudo.

RD – Mesmo ele sendo apontado como primeiro em praticamente todas as pesquisas?

JG – Por causa da rejeição. Ele pode ter muito voto, mas a rejeição é muito grande. Então ele nos deixou sem um fim bonito na história de um político. Porque nós precisamos de histórias bonitas de políticos como Juscelino Kubitschek; Getúlio Vargas  e até mesmo Dom Pedro II. Quando um político é atacado, todos são. Hoje a coisa está tão feia que o eleitor  generaliza, acha todo político não presta. Tanto é que agora a moda é ganhar eleição dizendo que não é político sendo político. Porque não há eleição sem partido político.

RD – Tática usada inclusive pelo seu partido, com o Dr. Hildon Chaves (PSDB)...

JG – É... É.

JG – Daí o Lula virou essa tristeza, tristeza... Fico pensando:  “Meu Deus, como foi que isso aconteceu?”. Mas não podemos deixar que essa cultura de deixar pra lá fique plantada na cabeça do nosso povo senão ele vai ser uma espécie de novo Maluf. E chega de Maluf.



RD – Impressão minha ou o senhor está emocionado?

JG – Fiquei um pouco sim...

RD – Por causa do ex-presidente Lula?

JG – Sim...

RD – Então o senhor tinha uma relação próxima a ele ou é apenas decepção?

JG – Não, não... Nunca tive. É a história que me decepciona. A história de um homem simples que tinha o dever de deixar à posteridade uma biografia bonita.

RD – O senhor citou vários nomes de políticos, mas não pude deixar de notar que não menciona, por exemplo, Fernando Henrique Cardoso...

JG – Ah, mas o Fernando Henrique foi um grande presidente, criou estabilidade. É porque você perguntou especificamente do Lula. O Fernando Henrique, cá para mim, tem condições de se colocar como candidato a presidente do Brasil, mas ele diz que não quer nem saber. E ele age de forma inteligente nisso. Mas é um homem culto, uma pessoa preparada para representar o País, como o fez em duas oportunidades. Já deixou o nome como um dos melhores presidente do Brasil. Tenho a honra de ter sido colega dele na constituinte, ter conversado com ele. Acho muito bom ele ter vindo aqui. Nós conversamos no aeroporto, sentados na cadeira. Eu, a Dona Ruth Cardoso, que morreu, mas deixou um legado importantíssimo. Ela criou o Bolsa Família, depois difundido e ampliado pelo governo Lula. Ela idealizou isso. Foi uma pessoa sensacional. E eu espero que o Fernando Henrique também seja uma pessoa assim, que deixe uma história honrada.

RD – E o Mário Covas?

JG – Esse eu acho que foi o maior político da era contemporânea no Brasil. Mais do que Fernando Henrique e sem ter sido presidente. O Mário Covas foi enfrentando pelo Maluf que dizia a ele: “Ah, mas o Covas tem dinheiro”. E o Covas respondia: “Pode ir atrás, encontre o dinheiro, prove a acusação e fique com tudo o que achar. Ou melhor, entregue tudo à caridade”. Quando o MP começou a investigar o Mário Covas ele disse assim: “Me respeite!”. E aí pararam. Porque ele foi um dos maiores ideólogos da criação do MP do jeito que é hoje. É uma pessoa que defendia o MP com a força que tem hoje, que antes era atrelada ao Poder Executivo.



RD – O senhor chegou a dizer que a corrupção não irá acabar. O que pode acontecer é diminuir a frequência, na sua visão. Isso não é uma forma de anuir com tudo o que está ocorrendo?

JG – Nós humanos não prestamos muito. É fácil a pessoa ser honesta quando ela nunca ocupou um cargo público, nunca teve acesso ao dinheiro e nem ao poder. Nunca foi ofertada à pessoa a oportunidade de ser desonesta. “Ah, mas eu nunca roubei ninguém. Nunca fiz isso, nunca fiz aquilo”.  Quando chega à política, as ofertas começam a chegar. Se o candidato tá perto de ganhar a eleição, chega uma oferta; se já ganhou, mas está devendo, enfim, são muitas situações que colocam sua honestidade em xeque.  O ser humano sucumbe com facilidade. Nós seres humanos somos desse jeito. Pra você resistir a isso é preciso ter princípios muito fortes. Não é nem com os outros, é com você mesmo. Depois que você entra no ciclo da corrupção é muito difícil de sair. É como entrar numa gangue de tráfico de drogas, você não tem mais como sair sem se comprometer com os remanescentes. Por isso acredito que a corrupção não deva acabar tão cedo.

RD – Que recado o senhor passaria aos cidadãos, principalmente aos mais jovens que não conhecem sua trajetória política?

JG – O que a juventude irá observar, e é por causa disso inclusive que me coloco à disposição como pré-candidato, é a honestidade. Principalmente agora. Então quando você oferece essa honestidade testada e está disposto a enfrentar qualquer situação acho que é exatamente isso que estão procurando hoje. Não estão procurando propriamente um neófito na política, procuram uma proposta de esperança na competência e na honestidade. E aí o que vou dizer ao PSDB, ao Expedito, à Mariana? Justamente isso: já tenho as experiências no poder legislativo, pois fui vereador e deputado federal; no executivo enquanto prefeito duas vezes e enfrentei todas as tribulações e porque hoje sou advogado e tenho convivência com o Poder Judiciário tendo sido feirante mesmo após ser prefeito. Tenho a mensagem para chegar ao rico e ao pobre, além de todos os Poderes. Porque acredito que, na hora de comparar meu nome com qualquer outra aí à disposição, se o partido me conceder a honra de ser o candidato,  vou para o debate e não perderei. Até já perdi eleição, mas nunca perdi debate. Eu tô doido pra enfrentar os debates com vontade e em favor do Estado.

RD – Obrigado, foi um prazer.

JG – Eu é que agradeço a oportunidade.



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Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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