Eu deveria estar feliz

Eu deveria estar feliz

Porto Velho, RO – Eu deveria estar feliz. Li, na última terça-feira (18), que a Câmara Municipal de Porto Velho aprovou Projeto de Lei na melhor  das intenções. Se sancionada pelo prefeito tucano Dr. Hildon Chaves – ou por seu substituto temporário Edgar do Boi (PSDC) – a norma obrigará restaurantes e afins situados à Capital a conceder 50% de desconto às pessoas que passaram pelo procedimento cirúrgico de redução do estomago, denominação coloquial para gastroplastia/bariátrica. Lembrando que, mesmo vetada pelo prefeito, seja quem for, a lei pode ser promulgada pela Câmara de Vereadores ainda assim, a exemplo do que ocorreu com nossos vizinhos acrianos (sim, é com 'i', cara-pálida!).

Repito: eu deveria estar feliz!

O desconto valeria, portanto, a rodízios, buffets livres “ou serviços similares”. Também é exaltado que “os estabelecimentos que oferecem pratos à la carte serão obrigados a disponibilizar meia refeição ou porção”.

Há também a seguinte alternativa: que a cobrança seja feita através de pesagem, de acordo com a escolha do cliente.


Não entendo, ainda, como posso não estar feliz, pois deveria.

Por que eu deveria estar feliz, mas não estou?

Digamos que este humilde redator seria um dos inúmeros beneficiados financeiramente pelo regramento. Em fevereiro de 2004, pesando exatos 127 quilos com apenas 15 anos de idade, me submeti à intervenção. De lá para cá, são mais de treze anos e cinco meses entre rodízios, buffets e refeições à la carte. Uma verdadeira excursão gastronômica de comilanças intermitentes Brasil afora – com direito à sobremesa em quase todas elas.

Ah, meu Deus!

Não me arrependo!

Não me arrependo, mas penso: houvesse uma Câmara tão diligente já naquela década, quantos investimentos e posses eu não teria hoje?

Bate desgosto fatal em conceber o quanto gastei em chuleta, maminha e chã de fora; pizzas de atum, quatro queijos e filé; massas nhoque e ravióli e, caramba!, nas intermináveis e suculentas porções de frango a passarinho!


Essas lembranças despertam remoto sentimento de alegria eufórica adormecida no subconsciente de todo obeso transfigurado que se preze – ou pelo menos nos de supetão.  Sei disso e afirmo seguramente com conhecimento de causa.

Eu realmente deveria estar feliz...

Vamos ao porquê de meu desânimo: resumindo, o Projeto de Lei é inconstitucional e dificilmente sobreviverá a qualquer investida judicial.


Em São Paulo, uma Lei Estadual quis impor o mesmo: inclusive imputando multa aos estabelecimentos que viessem a negligenciar a normativa.

O tema foi parar já no ano passado no Supremo Tribunal Federal (STF), é óbvio, fruto de insurgência da Associação Brasileira de Gastronomia, Hospedagem e Turismo (Abresi).

Pouco antes, a Justiça de São Paulo já havia impedido liminarmente o desconto aos operados, inclusive proibindo o Estado de aplicar multa aos estabelecimentos.


A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5561 apresentada ao STF destaca que assuntos relacionados à exploração da atividade econômica pela iniciativa privada são de atribuição reservada à competência legislativa da União.

No caso dos descontos para pacientes que operaram o estomago, há interferência no direito à liberdade do exercício da atividade econômica e viola princípios gerais do ramo.

Para a Abresi, a lei do Estado de São Paulo – semelhante a que deve ser instituída em Porto Velho – contrariou ainda o direito constitucional à liberdade do exercício da atividade econômica, “lembrando que o artigo 5º, inciso XIII, da CF, estabelece como direito fundamental o livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.


Pergunto: eu deveria estar feliz?

E você, gordinho – ou ex-gordinho – animado com a notícia, está feliz?

Eu não estou. E a minha tristeza não é pela frustração à economia que poderia obter. Estou decepcionado por constatar, cada dia mais, que a disputa por nichos específicos do eleitorado impõe um desarrazoado e equivocado exercício da função pública num afã exagerado de fazer e apresentar medidas extravagantes natimortas.

Mesmo bem intencionado, um político que apresenta e obtém a aprovação de Projeto de Lei claramente inconstitucional é responsável pela amargura que sobrevier deste. Mas o que trato neste texto não é um caso isolado: é prática reiterada no País e deve ser rechaçada com veemência e furor popular.


É a retratação de uma maldade inconsciente que, num mundo paralelo, é a perversidade consciente de quem tira o doce na boca das crianças.

Eu não estou feliz! 
_____________


Outros links:

25/07/2016 – Abrasel consegue reverter projetos de leis que previam desconto em refeições para pacientes bariátricos

Campo Grande/MS

16/02/2017 – Lei que dá desconto a clientes que fizeram redução de estômago é anulada

Rio Branco/AC

13/07/2016 – Projeto de lei que dá desconto para pacientes bariátricos é aprovado

09/10/2016 – Prefeitura veta lei que daria desconto a pacientes bariátricos em restaurantes

13/10/2016 – Após veto, Câmara decreta lei que dá desconto a bariátricos em Rio Branco

 

Autor / Fonte: Vinicius Canova

Comentários

Leia Também