Especial – A construção e o início da queda da ponte da corrupção

A história completa de uma “trama ardilosa para roubar dinheiro público” delineada pelo MP/RO em conteúdo exclusivo obtido pelo jornal eletrônico Rondônia Dinâmica

Reportagem e infográficos por Vinicius Canova

Porto Velho, RO – No começo de outubro do ano passado um deputado estadual reuniu-se, em Brasília, com um senador da República e um prefeito do interior de Rondônia a portas fechadas no gabinete do congressista.

A intenção do parlamentar regional era discutir políticas públicas e conversar a respeito de outras pautas estabelecidas antes mesmo de viajar à capital federal. Entretanto, o que chamou sua atenção foi uma informação volátil sacada de repente – não se sabe se com ou sem intenção.

Imagem relacionada
Hermínio Coelho ouviu de um prefeito do interior de Rondônia a história que ficou conhecida
como "trama ardilosa para roubar dinheiro público"

O prefeito do interior acabou informando durante aquele encontro que o ex-diretor do Departamento de Estradas de Rodagem (DER/RO) Ezequiel Neiva havia feito uma espécie de acordo através da Justiça Arbitral de Ji-Paraná para pagar, a título de realinhamento, R$ 30 milhões dos cofres públicos estaduais à Construtora Ouro Verde, que pertence ao empresário Luiz Carlos Gonçalves da Silva.

A Construtora Ouro Verde foi responsável pela construção da ponte do Anel Viário de Ji-Paraná. A obra foi realizada entre os anos de 2009 e 2010, e teve seu recebimento definitivo fixado no dia 15 de fevereiro de 2013; em junho de 2011, a empresa solicitou o Atestado de Capacidade Técnica, ou seja, foi recebida em definitivo sem que o empreendimento mencionasse nada a respeito acerca de possíveis pretensões em termos de reajuste ou realinhamento, o que só foi trazido à baila em 2017.


Além de todas as outras irregularidades, a indenização pretendida pela Ouro Verde já estava prescrita

O deputado que testemunhou o relato era Hermínio Coelho (PCdoB), à época do PDT, que não fez ouvido de mercador. No dia 25 de outubro, há pouco mais de um ano, Coelho, já em Porto Velho, usou a tribuna no Plenário da Assembleia Legislativa (ALE/RO) a fim de explanar o caso, ainda sem citar nomes.

A partir dali, o Ministério Público (MP/RO), por meio de célere atuação do promotor de Justiça Geraldo Henrique Ramos, passou a esmiuçar o que, logo adiante, ficou conhecido como uma “trama ardilosa para roubar dinheiro público”, intento também denominado como o Escândalo da Ponte de Ji-Paraná.

Com um roteiro complexo em mãos, a atuação ligeira de Ramos fez com que a Justiça de Rondônia bloqueasse os pagamentos remanescentes após apresentação de ação cautelar, salvando pelo menos R$ 11,5 milhões do erário. Portanto, o órgão corria contra o tempo para garantir o ressarcimento dos outros R$ 18,5 milhões já transferidos pelo DER/RO à Ouro Verde às escondidas, num engendramento malicioso longe “dos olhos” das instituições de fiscalização e controle. A corrida deu resultado, quando, no dia 1º de março deste ano e logo após a apresentação da ação principal patrocinada pelo promotor de Justiça, o Poder Judiciário mandou bloquear os bens móveis, imóveis, semoventes, além de contas bancárias de todos os envolvidos na trama.


Pagamentos feitos pelo DER/RO antes da denúncia apresentada pelo deputado Hermínio Coelho

O jornal eletrônico Rondônia Dinâmica acompanhou o passo a passo da história, porém, nesta reportagem especial traz, com exclusividade, depoimentos em vídeo apresentados na íntegra por procuradores autárquicos, engenheiros, auxiliares técnicos e um auditor do Tribunal de Contas (TCE/RO).

Entre eles, há declarações expostas por dois servidores públicos que figuram como réus na ação civil pública de improbidade administrativa movida pelo MP/RO: Luciano José da Silva e Reinaldo dos Santos, ambos procuradores autárquicos.

O cerne da empreitada ilícita aventada pela instituição está no rol de pareceres técnicos e de manifestação do próprio ex-diretor do DER/RO rechaçando as pretensões do empreendimento em termos de indenização.


Procuradora assina parecer contra o pedido da Ouro Verde; Ezequiel Neiva concordou

No dia 04 de novembro de 2016, por exemplo, a procuradora autárquica Augusta Pini Silveira assina, junto com o assessor técnico da área Jurídica Maurício Calixto Júnior, o parecer contrário às exigências da Ouro Verde. Constava no documento que o então diretor-geral Ezequiel Neiva estava de acordo com a conclusão e os termos apresentados oficialmente.

Em depoimento prestado à 5ª Promotoria de Justiça no dia 10 de novembro do ano seguinte, Augusta Pini declarou o porquê de ter se manifestado de maneira contrária.

Entre outros motivos, alegou ter levado em conta a conclusão da equipe técnica de engenharia, que entendeu que a empresa não fazia jus ao “pretendido realinhamento”. O parecer mencionado é de autoria do engenheiro José Alberto Rezek, mas pelo menos outros dois peritos na área da construção civil o corroboram, como Joaquim de Souza e Luiz Augusto de Almeida, todos do DER/RO.


Em janeiro de 2017, Ezequiel Neiva avisa à Construtora Ouro Verde que não há mais nada a ser pago;
no entanto, faz o acordo via Justiça Arbitral para repassar R$ 30 milhões dos cofres públicos à empresa

Para fulminar de vez o assunto e tirar todas as dúvidas, após solicitação apresentada pelo promotor Geraldo Henrique Ramos, o auditor de Controle Externo do TCE/RO Domingos Sávio Caldeira apresentou parecer técnico no dia 06 de dezembro de 2017 demonstrando pelo menos dez pontos de irregularidades no processo administrativo que trata sobre os pagamentos à Ouro Verde. A obrigação, como bem pontuou o auditor, originou-se na decisão proferida pela Câmara de Mediação e Arbitragem de Ji-Paraná (CAMAJI), também ré na ação de improbidade.

Confira as conclusões de Caldeira clicando aqui.

O enredo passa a envolver os procuradores Luciano José da Silva e Reinaldo dos Santos quando, mesmo após todos os alertas acerca dos pedidos da construtora, inclusive respaldados pelo ex-diretor, Ezequiel Neiva fora orientado por ambos no sentido de que a questão poderia, sim, ser levada a debate “em um escritório privado”, que é como o promotor de Justiça define a CAMAJI. Tanto é verdade que os dois assinam os termos da audiência preliminar, realizada em fevereiro, em Porto Velho.

RELEMBRE: DIREITO DE RESPOSTA EXTRAJUDICIAL
Diretor do DER afirma que cumpriu decisão da Justiça


Procuradores Luciano da Silva e Reinaldo Roberto dos Santos
convalidam acordo promovido por Ezequiel Neiva via Justiça Arbitral

“Mas, apenas como argumentação, mesmo que estivesse em condições de contratar, nunca poderia discutir pretensão de realinhamento de R$ 30 milhões no Juízo arbitral, porque isto é direito absolutamente indisponível”, disse Geraldo Henrique em determinado trecho da ação principal. Direito indisponível, no caso, seria o dinheiro público dispendido pelo DER/RO à execução dos pagamentos à construtora através da CAMAJI.


Engenheiros dizem que a Ouro Verde "sumiu" do DER/RO por cinco anos e só voltou no fim de 2016

Com esta frase, o representante do MP/RO chega, então, às partes mais graves da denúncia.

Luciano da Silva foi responsável direto, ainda de acordo com Ramos, por inscrever a Ouro Verde no cadastro de empresas proibidas de contratar com o poder público. Ele próprio admitiu a execução durante a oitiva.


A Construtora Ouro Verde estava impedida de contratar com o poder público;
punição ocorreu porque o empreendimento descumpria reiteradamente as notificações do DER/RO
para que efetuasse raparos na ponte de Ji-Paraná

Só que em conluio com Ezequiel Neiva e Luiz Carlos Gonçalves, proprietário da construtora, o procurador simplesmente “deu baixa” na multa da Ouro Verde, que estava inscrita em Dívida Ativa.

“[e ainda] desistiram de execução fiscal da cobrança desta mesma multa (fls. 3.735 e verso) e, de forma proposital e maliciosamente, desordenaram as folhas do processo, de modo que as páginas contendo a exclusão da multa e a desistência do processo de execução fiscal ficassem posicionadas na frente nos autos, de modo a aparentar – a uma fiscalização desatenta – que a empresa estava em condições de contratar com a administração pública”, pontuou.


Multa de R$ 101 mil aplicada à Ouro Verde é excluída pelo procurador Luciano da Silva;
ele desistiu da execução fiscal no intuito de credenciar a construtora ao acerto via Justiça Arbitral

Isso tudo, ainda segundo o promotor, para falsear um status de legalidade a fim de que o empreendimento pudesse entabular o acordo com a Justiça Arbitral, vez que a Lei de Arbitragem “estabelece de forma muito clara e literal que somente as pessoas capazes de contratar podem valer-se da arbitragem para dirimir conflitos”.

De outro lado, sem contar todos esses indícios de irregularidade e improbidade administrativa esviscerados, Ezequiel Neiva também não estava autorizado pelo procurador-geral do Estado a transacionar sobre o dinheiro público.

Neiva desrespeitou, ainda, o Art. 100 da Constituição Federal (CF/88), que estipula: “Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios”.

“De igual forma, exatamente neste sentido deveria ter sido a orientação jurídica do também demandado Luciano José da Silva, que estava presente na audiência em que foi feito este acordo despropositado e nada falou neste sentido conforme está gravado em vídeo no seu depoimento prestado”, indicou o promotor.

Supressão de documentos públicos e intimidação de servidores

As informações prestadas pela procuradora autárquica Andréa Cristina Nogueira, todas gravadas em vídeo, confluem à tese do MP/RO de que “a trama ardilosa para roubar dinheiro público” teria envolvido outro ato gravíssimo de improbidade administrativa, qual seja: a possível supressão deliberada de documentos públicos.

Para Geraldo Henrique, Ezequiel Neiva, o procurador Luciano da Silva e o dono da Ouro Verde agiram para que, de forma proposital e maliciosa, as folhas do processo administrativo fossem desordenadas.


Promotor fala em corrupção e crime organizado em sua ação de improbidade

O promotor fez um alerta à juíza da causa para que prestasse bem a atenção à numeração do processo, reordenada “e feita fraudulentamente em duplicidade” a fim de confundir a fiscalização.

Do mesmo modo, diversas folhas dos autos foram aparentemente suprimidas, a exemplo de uma página mencionada pela procuradora Andréa Nogueira.

Ao juntar a sentença que homologou a desistência da execução fiscal, Andréa revelou ter anexado um despacho exigindo explicações do procurador Luciano da Silva para que justificasse “os motivos que o levaram a fazer a renúncia fiscal”, vez que, agindo assim, teria invadido a sua área de atuação naquela oportunidade.


Procuradora mostra o despacho que "despareceu" do processo;
ela pedia explicações a Luciano da Silva sobre a desistência
da execução fiscal contra a Ouro Verde

Todavia, a folha que fora anexada aos autos por determinação da própria procuradora “não se encontra nos autos na página antecedente à sentença”.

Andréa Nogueira explicou em seu depoimento que ao juntar a sentença, o fez acompanhado de seu despacho digitado e impresso, mostrado através da tela do celular ao promotor Geraldo Henrique Ramos.

Os engenheiros do DER/RO, a procuradora Andréa Nogueira e até mesmo o servidor Gustavo Diego Vasconcelos, à ocasião auxiliar de operações encarregado pela autuação das folhas e pelo andamento desses processos, mencionaram em seus depoimentos possibilidades sobre páginas “sumidas” nos autos, “chegando este último a insinuar que elas – possivelmente – teriam desaparecido no Gabinete da Direção-Geral”.


Parecer dos engenheiros do DER/RO também foi contrário às pretensões da construtora;
"Há que se preocupar, sim, com as correções e reparos não afetuados pelo Ouro Verde"

“Além disso, o fato de estarem apagando multas, desistindo de execuções fiscais em curso e conversando com testemunhas dentro da autarquia já dificulta sobremaneira o processamento da ação, porquanto é certo que as intimidações morais aos servidores existem e comprometerão toda a regularidade e tranquilidade do feito”, asseverou o representante do MP/RO.

A CAMAJI, suas proprietárias, o cálculo apócrifo e o jeitinho brasileiro

Juliana Miyachi e Maria Aparecida Pires da Silva, sócias da CAMAJI, tiveram, segundo o MP/RO, papel primordial na empreitada que visou desviar R$ 30 milhões dos cofres públicos de Rondônia.

“Impressiona a malícia e a gravidade com que atuaram as representantes da Câmara de Arbitragem de Ji-Paraná, porque como pode uma pessoa adulta, na plenitude de sua sanidade mental, que deveria ser idônea e deter conhecimento técnico compatível com a natureza do contrato, aceitar uma reclamação de recomposição de preço de obra pública de valor superior a 300% do valor contratado da obra?”, questionou o promotor à Justiça.

Na visão de Geraldo Henrique Ramos, “Esta pessoa ou é extremamente despreparada ou estava em conluio com os agentes públicos para roubar o dinheiro público. Não há outra resposta possível a esta indagação”.


Promotor descreve participação da CAMAJI e suas proprietárias na trama


Audiência final foi alterada de última hora para Ji-Paraná.
Intenção seria conferir "ares de legalidade" ao intento

O MP/RO apontou ainda que a CAMAJI e suas proprietárias sabiam muito bem que não preenchiam os requisitos exigidos pelo Lei 4.007/17, que regulamentou a utilização da arbitragem envolvendo administração pública no Estado de Rondônia.

“E nem ingressaremos na discussão acerca da necessidade de realizar licitação para escolha da Câmara Arbitral, até porque se o gestor puder escolher quem desejar, para além de oportunizar o indesejável favoritismo dos apaniguados, também fica mais fácil para os gestores mal intencionados se mancomunarem para desvios de finalidade”.

Ainda mais grave foi o fato de que Juliana Miyachi e Maria Aparecida foram absolutamente descuidadas com a regularidade dos atos e intimação das solenidades.

O exemplo apresentado pelo promotor diz respeito à alteração das datas e locais das solenidades “sem se preocupar com o alcance milionário da decisão que tomariam, não entenderam a dimensão da qualidade pública da parte, que era uma autarquia estadual, e sobre a natureza complexa e conflituosa da demanda que lhes estava confiada”.

“Onde já se viu os árbitros permitirem juntar ao procedimento uma folha solta, que parece ser o cálculo de atualização, mas que não contém nenhum timbre, sinal ou elemento de identificação, sem qualquer explicação detalhada do que se trata ou dos métodos utilizados. Não há nem como saber quem foi o técnico responsável por sua realização na necessidade de apuração de responsabilidade, como parece ser o presente caso”, considerou.


Cálculo apócrifo usado para respaldar o pagamento do reajuste à Ouro Verde / Divulgação

Recursos e a decisão do TJ/RO

Paralelamente ao andamento regular da ação civil pública, a Construtora Ouro Verde e Luiz Carlos Gonçalves, seu proprietário, apresentaram dois recursos à apreciação do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO), ambos negados em setembro, à unanimidade.

Antes disso, o procurador Rodney Pereira de Paula se manifestou representando o MP/RO em segundo grau opinando para que os agravos fossem conhecidos, porém desprovidos.

A intenção era derrubar a decisão que suspendeu os pagamentos milionários considerados ilegais, além de desbloquear valores obstruídos pelo Poder Judiciário nas contas de todos os réus na ação principal, que tramita na 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho.

As pretensões foram rechaçadas pela 1ª Câmara Especial, formada pelos desembargadores Oudivanil de Marins (relator), Eurico Montenegro e Gilberto Barbosa.

O mérito da ação movida pelo MP/RO, no entanto, não tem data estipulada para ser julgada pela juíza Inês Moreira da Costa.


Geraldo Henrique Ramos, o promotor do caso / Divulgação

Por ora, todas as investidas dos demandados contra as decisões judiciais referentes ao caso foram afastadas, denotando a solidez da denúncia montada pelo promotor Geraldo Henrique Ramos com base nas informações repassadas pelo deputado Hermínio Coelho.

Aliás, Ezquiel Neiva foi eleito deputado estadual no último dia 07 de outubro, figurando como parlamentar-réu na próxima composição que inicia em 2019; já Hermínio Coelho, que o denunciou e expôs toda a tramoia, não se reelegeu.

O presidente americano Abraham Lincoln disse, certa feita, que “A coisa mais difícil de aprender na vida é qual ponte precisamos atravessar, e qual devemos queimar”. A lição foi aprendida quando o MP/RO resolveu atear fogo na ponte da corrupção, causando o início de sua queda.

A CRONOLOGIA ACERCA DO ESCÂNDALO DA PONTE (CLIQUE NA IMAGEM PARA AUMENTÁ-LA)

Autor / Fonte: Vinicius Canova / Rondoniadinamica

Comentários

Leia Também