Rodovias amazônicas e racionalidade- por: Marcelo Thomé

 

O Estado Brasileiro é rico e forte o suficiente para se responsabilizar pelo desenvolvimento do continente amazônico. Infelizmente, do discurso à prática há um vazio marcado negativamente, desde a vinda dos “homens sem terra para a terra sem homens”.

A exemplo da reforma agrária em Rondônia, entre o final dos anos 1970 e início dos anos 1980, no trecho da Transamazônica no Estado do Pará faltaram recursos para a fixação da leva de nordestinos – assistência técnica, crédito e saúde principalmente.

A Folha desnudou na edição de 23/10 a situação do desmatamento na atual fase de vida da BR-230.

Urge fiscalizar. Nesse aspecto, o segmento madeireiro da Fiero oferece há, pelo menos, 30 anos, planos de manejo sustentável. Alguém se interessou em viabilizá-los?

Nesse ritmo de desalento, clamores e a insensatez caminham juntos. “Na Amazônia, o fiscal está em extinção, é uma espécie rara”, disse à Folha o chefe da Reserva Extrativista Médio Purus, José Maria de Oliveira. A reportagem revela que ele dispõe de apenas dois servidores para atender a uma área de 604 mil hectares (cerca de quatro vezes a área da cidade de São Paulo).

A projeção da BR-230 durante o governo militar consistiu não apenas no desenvolvimento da região, mas no fortalecimento da segurança e soberania nacionais da fronteira norte brasileira. Quase meio século depois, estamos ainda carentes de medidas capazes de ordenar essa ocupação.

Em Rondônia, miramos na Transamazônica para analisarmos a situação da BR-319 (Porto Velho-Manaus), rodovia imprescindível ao escoamento das produções do campo e da indústria rumo ao Amazonas, Pará e às Américas Central e do Norte.

Se ela for reaberta, é possível chegar ao Caribe de carro e de ônibus. No entanto, estamos em fase de acúmulos de derrotas, uma delas, a vinda do gás de Urucu (AM) para desenvolver indústrias de cerâmica, ureia e tintas, fertilizantes, entre outras.

A contrapartida social era um dos motes principais do discurso oficial, mas a Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero) frustrou-se, pois o governo federal nem sequer entendeu que pagaríamos alto custo com a conclusão das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, com o consequente desaquecimento econômico.

Em junho deste ano, o Dnit retomou os serviços de manutenção entre os quilômetros 250 e 655 da BR-319, o que possibilitou a retirada de atoleiros, reforma de pontes de madeira, substituições de bueiros, limpeza lateral e execução de revestimento primário da pista.

Essa rodovia atendeu bem a Rondônia, ao Amazonas e Roraima, facilitando o direito de ir e vir de pessoas, garantido pela Constituição Brasileira. Por falta de manutenção, ela ficou intransitável nos anos 1980.

Por que não liberar ao tráfego uma rodovia que já foi muito utilizada por empresas de ônibus, transportadoras, distribuidoras de gás e combustíveis?

Contra o surrado discurso de que “a estrada na Amazônia abre caminho para a pata do boi”, um contraponto: a BR-319 é importantíssima para atuação do Ibama e da Polícia Federal no controle do desmatamento, do tráfico de drogas, de armas e da biodiversidade.

Precisamos desconstruir a visão segundo a qual o isolamento gera preservação. Somente o desenvolvimento econômico sustentável e inclusivo possibilita o controle sobre o território e, por conseguinte, a conservação da floresta.

É inaceitável que o Brasil se sujeite a pressões de organizações não governamentais internacionais, mantendo essa rodovia numa redoma. Apesar da importância da conservação de espécies vegetais e animais, deparamo-nos com atores que põem o ser humano a reboque do progresso científico, da produção de alimentos, do direito à vida nesses páramos remotos do Continente.

São quatro milhões de habitantes no Amazonas, meio milhão em Roraima e 1,74 milhão em Rondônia, totalizando quase seis milhões de pessoas carentes da BR-319.

O Brasil, seus governantes e a sociedade em geral não podem assinar um atestado de incompetência se não assumirem a responsabilidade pelo desenvolvimento sustentável da Amazônia.

O mundo inteiro reconhece a importância planetária da Amazônia. Lamentavelmente, até brasileiros bem informados não têm a percepção da grandiosidade desse patrimônio e como ele pode ser importante para ajudar o Brasil a ter um futuro melhor.

A Amazônia tem distintas Amazônias. Existe aquela com planícies, planaltos e montanhas; existe a Amazônia cercada por rios, e a Amazônia árida. Existe uma diversidade enorme do ponto de vista geológico, fisiográfico, de ocupação humana, biológico e de populações tradicionais.

Aqui podemos explorar o solo em alguns lugares. Temos empresários desenvolvendo florestas plantadas. Em Vilhena (na divisa de Rondônia com Mato Grosso, já são cultivados dois mil hectares de pinus plantados em áreas degradadas, e até 2021 estima-se o total de cinco milhões de árvores.

É possível a exploração racional, sem prejuízos econômicos. Por isso, defendemos a aplicação de pesquisas para detecção de essências florestais e fórmulas que poderão ser utilizadas como fármacos ou insumos para outras indústrias.

Rondônia e toda a Amazônia vivem de ciclos econômicos. Penso que o mais importante deles foi a ocupação ordenada e orientada, baseada em modelo de desenvolvimento praticado 40 anos atrás.

Agora, está em nossas mãos a oportunidade de reposicionar ou desenvolver um modelo de desenvolvimento sustentável e inclusivo, que contemple o aproveitamento de áreas degradadas e que estabeleça com o bioma amazônico uma relação de troca, que respeite a floresta e as populações tradicionais e indígenas.

Se colocarmos em prática esse modelo sustentável e inclusivo, certamente contemplaremos aos abnegados desbravadores o direito de crescer, prosperar e ter uma vida digna, como a que levam os ‘pseudos defensores’ da floresta.

*É presidente da Federação das Indústrias do Estado de Rondônia (Fiero).

Autor / Fonte: Marcelo Thom�

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