Quando nunca chega o dia da caça



Texto e reportagem.:
 Vinicius Canova
Entrevistas e fotografias.: Gregory Rodriguez
Revisão.: Ytalo Andrade
Arte de abertura.: Roberto Lamarão

Porto Velho, RO – “Um dia é da caça; o outro do caçador”. Difícil se deparar com alguém que não conheça esta frase. Ela resume, de maneira quase magistral, que o resultado entre ações perpetradas pelos polos ativos e passivos de determinadas situações irá se reverter mais cedo ou mais tarde. Vencedor irá perder. Perdedor irá ganhar. Simples assim.

Leia os capítulos anteriores da série

12/10/2016 – Parte I: A missão do Ministério Público de Rondônia no combate aos gestores desleais

19/10/2016 – Parte  II: Desvio de recursos impõe cárcere ao cidadão comum enquanto criminosos prosperam em liberdade

A assertiva só não alcançou a perfeição porque não levou em conta ações civis públicas movidas contra agentes acusados de cometer atos de improbidade administrativa.

Neste caso específico, o dia da caça nunca chega.

Não são raros os casos em que gestores são condenados pelo Judiciário em primeira instância, mas conseguem reverter as decisões negativas quando recorrem ao Tribunal de Justiça. Mesmo com a reversão, a inocência já não faz mais jus aos seus nomes. Após a mácula imputada às suas imagens perante à opinião pública é praticamente impossível regressar ao estado original de pureza.

Resumidamente, com os danos promovendo sangria desenfreada às reputações não existe vitória a ser comemorada e muito menos exaltada.

Na última parte desta reportagem especial o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica apresenta a versão de políticos sobre o tema; mostra a perspectiva de um advogado com mais de uma década e meia de experiência e ainda destaca os impactos causados pela deslealdade gerencial à área da Educação.


Roberto Sobrinho, ex-prefeito de Porto Velho / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

“Eu sangrei”. É assim que, figurativamente, o ex-prefeito de Porto Velho Roberto Sobrinho, do PT, se sente em relação à sua participação no pleito eleitoral de 2016. Sua postulação foi encerrada após a apuração das urnas na conclusão do primeiro turno, dia 02 de outubro. Do primeiro lugar disparado – bem a frente dos demais concorrentes – na primeira pesquisa Ibope deste ano, o petista foi impulsionado pela força gravitacional da improbidade administrativa à quarta colocação quando a realidade lhe bateu a porta.

Porém, sob as mais variadas alegações de injustiça e municiado tanto dos trejeitos firmes quanto da eloquência que, ao menos durante os debates, retiraram de sua figura a caracterização de mero partícipe, o antigo gestor da Capital rechaça as adjetivações de ímprobo e desleal. Sobrinho concorreu com o registro de candidatura indeferido justamente porque pesava – e ainda pesa – contra ele uma ação civil pública de improbidade administrativa julgada procedente com decisão transitada em julgado.  

“Participar de um processo eleitoral e ao mesmo tempo ter a informação de que você não pode concorrer veiculada pela imprensa e propagada por adversários me prejudicou e muito”, disse.

Roberto entende que as pessoas não gostam de perder o voto, que querem escolher alguém que seja eleito para resolver os problemas da sociedade. Logo, quando paira no ar a ameaça de que essa opção não poderá ser computada, o eleitor direciona seu intento a outro candidato.

“Não tenho dúvida alguma de que, por mais que tenha recorrido em todas as instâncias e conseguido assegurar meu direito de concorrer, lutando de uma maneira muito dura, tudo o que ocorreu foi crucial para que o desfecho fosse esse. Meus adversários não me derrotaram no jogo democrático. Fui derrotado por uma situação criada a partir de uma alegada improbidade que nunca existiu”, lamentou.

Perseguição

Para Sobrinho, é importante mencionar que o Ministério Público (MP/RO) tem um papel importante dentro da estrutura institucional da República zelando pela lei e protegendo o cidadão.

“Isso nós compreendemos”, ressaltou.

Entretanto, o ex-prefeito enfatizou que o gestor está amarrado a um orçamento e que, dentro deste, a capacidade de atender demandas da Saúde, Educação e infraestrutura, por exemplo, não depende somente da vontade do administrador. Depende, em seu entendimento, das condições financeiras.

“Aí passa a existir um conflito entre Executivo Municipal e MP. Porque o MP cobra resoluções ao gestor em relação a determinados assuntos. O gestor, por sua vez, não tem como resolver porque o orçamento não permite. E em vários casos assim esse tipo de situação desemboca em ações civis públicas contra o prefeito por não ter cumprido as solicitações da instituição. É complicado porque só o fato de haver uma ação de improbidade administrativa contra você tramitando na Justiça faz com que seus adversários políticos passem a usar isso como verdade, como se fosse uma decisão definitiva”, alegou.

Sobrinho ainda pontuou que, enquanto o agente não se defende até o último grau de jurisdição, não se pode dizer que tenha agido de maneira equivocada.

“Nós temos visto hoje no País inteiro que existem ações que são julgadas procedentes na primeira instância, mas que na segunda já não prosperam. Só que daí o estrago já foi feito. É preciso que se busque um equilíbrio entre as ações do MP e dos gestores”, indicou.


"Meus adversários não me derrotaram”, diz petista / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Onisciência, onipotência e onipresença

Reza a sabedoria popular que somente um ser tem a capacidade de saber tudo, estar em todos os lugares ao mesmo tempo e, ainda, realizar qualquer coisa: Deus. Nivelar um agente público a esse patamar seria, antes de qualquer coisa, um exagero. Essa é a síntese do pensamento do petista ao relembrar que havia 12.500 funcionários sob sua responsabilidade solidária com deveres muito bem estabelecidos. Mesmo assim, a culpa sempre recaía sobre seus ombros, não importando quando, onde e muito menos por quê.

“Importante que se diga que o prefeito tem um corpo de assessores jurídicos e técnicos. Qualquer documento assinado por um gestor é elaborado com a fundamentação de técnicos e chancelado por pareceres de assessores jurídicos. Não é o prefeito que resolve fazer sem mais nem menos”, norteou.

Ao concluir, destacou que qualquer gestor é passível de fiscalização por parte dos órgãos de controle.

“Quando se extrapola esses mecanismos de fiscalização e eles passam a ser utilizados como ferramentas de perseguição pessoal, não pela instituição, mas por algumas pessoas que a compõem, aí sim há um grande prejuízo e me sinto prejudicado por ações desse tipo”, anotou.


Presidente da AROM fala sobre dificuldades de ordenar despesas / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Ser gestor é muito difícil


Jurandir de Oliveira, do PMDB, é prefeito Santa Luzia d’Oeste e também preside a Associação Rondoniense de Municípios (AROM). Ao falar sobre o assunto, disse não enxergar perseguição por parte do MP/RO.

“Acredito que o MP está fazendo o seu trabalho. O que ocorre? Hoje em dia ser gestor é muito difícil. Ser ordenador de despesas não é fácil. Porque você é uma pessoa só cercada por assessores e secretários, cada um com sua responsabilidade. O que pode ocorrer  é que, em algum momento, alguém promova um ato que não seja condizente com a Administração Pública. E isso pode gerar a atuação dos órgãos de fiscalização”, explicou.

O peemedebista salientou – sem nominar – a existência de promotores que podem até se exceder no exercício do seu ofício, mas que de modo geral o MP/RO tem feito um grande trabalho.

“Algumas investidas dos promotores têm o condão de inibir o agente público de cometer erros. Isso é importante. Quando o promotor abre o diálogo, quando decide auxiliar em vez de tentar punir imediatamente, as coisas fluem”, asseverou.


“Prefeito não tem como estar em todos os lugares de sua administração” / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

O preço da confiança

Oliveira diz que é necessária a busca por conversações a fim de obter um relacionamento aberto com os órgãos de controle para que os prefeitos sejam auxiliados.

“Político não é bandido. Existem pessoas de má conduta em todos os seguimentos. É preciso que essa concepção seja alterada”, complementou.

E prosseguiu:

“Nenhum gestor está acima da lei. Às vezes o gestor, solidário a qualquer ato de secretários e assessores, acaba pagando um preço que não lhe cabia. Tudo recai sobre o prefeito porque é no fim das contas o maior responsável pela administração. O prefeito não tem como estar em todos os lugares de sua gestão, então precisa confiar em alguém. E às vezes quando confia em alguém acaba pagando um preço muito alto”, finalizou.


O advogado Diego Vasconcelos / Foto.: Arquivo pessoal

O outro lado da moeda


O nome dele é conhecido no meio político do Estado de Rondônia e reconhecido por juristas do Brasil inteiro. Diego de Paiva Vasconcelos, nos seus quase dezesseis anos de advocacia, defendeu inúmeros agentes públicos em ações de improbidade administrativa. Mestre em Direito Constitucional, matéria que leciona na Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Vasconcelos mora atualmente no Rio de Janeiro onde está concluindo doutorado e só regressa a Porto Velho aos finais de semana para ficar com sua família.

Em um desses ligeiríssimos retornos, aceitou conversar com a reportagem para demonstrar a concepção do ‘outro lado da moeda’, ou seja, da defesa, em relação a casos de improbidade.

Questionado sobre qual seria a maior dificuldade em defender um gestor que responde a esse tipo de ação, respondeu:

“Não gostaria de colocar assim. Não há exatamente uma dificuldade. Cada caso tem uma peculiaridade e seus desafios. O que acho problemático em nosso sistema atual é que a política e os políticos, assim como a  própria administração, estão desgastados perante à opinião pública”, iniciou.

Por isso, segundo Paiva, as acusações acabam tendo um peso maior do que deveriam ter. E a partir do momento que um indivíduo é processado já há uma presunção em seu desfavor.

“É um problema não da defesa, mas do contexto atual, da contemporaneidade. O grande desafio de um advogado na elaboração de uma defesa é conhecer o caso concreto, entender a natureza da imputação ao agente público, poder descrever esse ato administrativo que é sindicado, buscar as provas necessárias e reproduzir uma reconstrução dos fatos já contextualizados”, esmiuçou.

A Lei de Improbidade Administrativa

A Lei nº 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), é bem elaborada de acordo com o profissional.

O diploma legal já comemora mais de duas décadas de existência e, segundo Diego Vasconcelos, houve grande evolução do controle da probidade administrativa nesse interim.

“Talvez demande sim uma atualização legislativa para outro padrão administrativo”, acrescentou.

O advogado crê que o papel do MP e dos demais órgãos de controle é fiscalizar e isso tem ocorrido.

“O grande confronto nesses mais de vintes anos é entender o que é uma gestão ruim, uma má gestão, separando-a de uma gestão corrupta, ímproba. O Supremo Tribunal Federal (STF) já se pronunciou sobre isso. A LIA não existe para punir o agente ineficiente, mas para responsabilizar o ímprobo, que lesou intencionalmente o patrimônio público, que enriqueceu ou violou preceitos da Administração Pública. Outra evolução da própria jurisprudência são as imputações de responsabilidade. Caracterizada uma conduta improba, ela deve ser sancionada. A lei prevê várias sanções. A jurisprudência tem fixado que esse agir deve ser analisado, mensurado e essas imputações aplicadas de acordo”, continuou.

Acossamento

O defensor também não enxerga a suposta obsessão dos promotores de Justiça em busca de condenações a esmo, sem embasamento. Para ele, o que pode existir é essa percepção apresentada por quem é processado.

“Agora, o MP é uma instituição plural, se compõe por diversas pessoas que têm experiências de vida diferentes, com preparo profissional distinto, cada um com um modo de agir próprio. Por mais que cumpra ao MP o papel inquisitorial, e talvez seja isso o que dizem os gestores que reclamam sobre o que ocorre, na verdade não se trata de perseguição. É o órgão exercendo sua função institucional, nada mais”, considerou.

Opinião pública precisa amadurecer

Sobre a obliteração de reputações que geralmente ocorre muitas vezes antes de haver uma decisão definitiva em processos envolvendo políticos, Vasconcelos acredita tratar-se de um problema maior que envolve a opinião pública.

“A vontade do eleitor é soberana. Uma ação de improbidade pode sim gerar máculas irreversíveis  à imagem de um agente público. Há casos, não só em matéria de improbidade, em que ações deixaram máculas sobre pessoas, comprometendo suas vidas sociais e particulares”,  alertou.

E ponderou:

“Esse é um lado importante. A opinião pública tem de amadurecer. Tem de entender que agentes políticos estão sujeitos a essas fiscalizações e que o simples fato de os gestores responderem a uma ação não pode ter uma significância igual à de uma condenação”, concluiu.


Sindicalista diz que "o futuro é 'negro' para a Educação" / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Poder público e a falta de educação com o servidor

Apesar da carga horária, dos inúmeros dissabores vivenciados no exercício da profissão e ainda a desvalorização em termos de remuneração ano após ano, os servidores da área da Educação mantêm a honestidade ao admitir avanços estruturais no setor.

Joelson Chaves Queiroz é docente e presidente do Sindicato dos Professores de Rondônia (SINPROF/RO). Além disso, Queiroz tem outra faceta: por inoperância do Estado, foi obrigado a acampar na escola que dirigia há pouco com a intenção de evitar novas ocorrências de furtos e depredação do patrimônio público.  Zeloso, à época concedeu diversas entrevistas aos órgãos de imprensa tentando fazer com que a Escola Estadual Eloisa Bentes Ramos fosse protegida pelo governo. Não teve sucesso nessa empreitada. Ainda assim, não esmoreceu. Continuou a encampar lutas da categoria levantando principalmente a bandeira da valorização do funcionário.

“A Educação é um dos pilares mais importantes dentro do contexto social para que exista uma sociedade livre, justa e solidária. Uma sociedade consciente de direitos e deveres. É preciso planejamento e programação. É necessário que o profissional seja valorizado”, avisou.

Chaves alega que essa desvalorização também advém do fato de a classe não ser unida.

“Por que um sindicato de professores? Porque há muitas mazelas que afligem especificamente esses profissionais. Doenças, o peso da carga horária com o passar dos tempos e tantas outras questões acabam influenciando negativamente no cotidiano do docente. Por isso existe uma enorme evasão na área da Educação. Muitos professores desistem e fazem concurso de nível médio. Nós buscamos o incentivo para que fiquem e acreditem”, exclamou.

“O futuro é 'negro' para a Educação”, prevê. O que melhorou, diz o sindicalista, foram questões estruturais como, por exemplo, atualmente grande parte das salas de aula ter ar-condicionado, coisa inimaginável há pouco tempo.


Presidiário tem mais privilégios do que alunos, diz diretor de escola / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Francisco Lenilson, diretor da Escola Estadual Prof. Flora Calheiros Cotrin, nutre as mesmas ideias. Em seus vinte anos trabalhando na área, percebeu que a Educação evoluiu sim, mas a passos muito lentos.

“Houve grandes avanços em termos educacionais e estruturais. Mas o servidor não é valorizado. E isso é uma necessidade emergencial. Todas as categorias tiveram aumento salarial e a Educação continua sempre em segundo plano. Todo país que queira crescer tem de investir na Educação, nos profissionais que zelam por ela. Quanto mais se investe, menos gente em presídios. Acredito nisso”, completou.

Para Lenilson, há uma inversão de valores quando um aluno recebe trinta e dois centavos para se alimentar na escola diariamente e, na outra ponta, um presidiário goza de todas as refeições básicas a um custo que varia de vinte e oito a trinta e dois reais.


Professor Nazareno: o redator que aguça o senso crítico e ensina a escrever  / Foto.: Arquivo pessoal

Ele sempre termina seus artigos de maneira orgulhosa ostentando o título de professor e mencionando que atua em Porto Velho. José do Nazareno Silva, que prefere simplificar assinando textos de sua autoria como Professor Nazareno, é crítico, irônico e diz não escrever “para ‘burro’ entender”. Já foi duramente questionado ao expor suas opiniões sobre os mais diversos assuntos, mas continua a abordar temas importantes em suas redações recheadas de sátiras e analogias.

Clique aqui e confira na íntegra as respostas concedidas pelo articulista.


“Não venha me falar que a corrupção está só na política”, diz titular da SEDUC / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Abaixo, a secretária de Estado da Educação (SEDUC) Fátima Gavioli apresenta a versão do Governo de Rondônia a respeito do setor que comanda, sobre seus servidores e outros pontos indagados pela redação.

Ouça



Prática se distancia do discurso


“Merenda escolar é imprópria na escola da minha filha”, revela mãe de aluna / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Fernanda Oliveira Menezes tem 33 anos, mora no Bairro Flodoaldo Pontes Pinto e é mãe de aluna que frequenta escola pública. Sua filha estuda em um dos colégios estaduais situados na cidade das Três Caixas D’Água.  

“A Educação no Estado, a meu ver, anda a passos lentos. Fala-se em planos, melhorias. Mas na realidade nós vemos outra prática na escola. Alunos vão para lá decorar conteúdo. Não há incentivo”, disse.

Na escola onde sua filha estuda, segundo a genitora, falta até merenda escolar adequada.

“Uma criança que vai ficar quatro horas na escola recebe um pedaço de melancia, três bolachas de água e sal e um copo de suco. Para mim isso não é uma refeição que se preze. E é bom lembrar que em alguns casos a merenda é a única refeição que uma criança terá durante o dia inteiro”, relatou.


“Mesmo com tantos problemas consigo aprender”, relata estudante / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

I. é pré-adolescente e estuda na Escola Estadual Governador Araújo Lima. Ao comentar sobre seu colégio, ilustrou com perfeição o grau de deficiência apresentado à Educação pelo poder público:

“É preciso melhorar em tudo!”, avaliou.

Autor / Fonte: Vinicius Canova / Rondoniadinamica

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