Porto, meu Velho e amado Porto- por: Fátima Cleide

 

Cem anos se passaram e várias histórias correm soltas acerca do teu nascimento. Conheço pelo menos duas versões sobre este grande acontecimento. A que mais marca minha lembrança, dá conta de que na beira do Rio Madeira, havia um Velho e um Porto que abrigavam aqueles que desejavam ultrapassar os rochedos da Cachoeira de Santo Antônio e que, por força da natureza, eram obrigados a ancorar ali suas embarcações. Daí, a expressão Porto do Velho poderia ter inspirado o nome da cidade.


A versão oficial diz que Percival Farqhuar escolheu o antigo Porto utilizado pelos militares para desembarcar o material destinado a construir a Estrada de Ferro Madeira Mamoré (EFMM), apesar da existência à época, de um novo porto nas imediações de Santo Antônio, tendo sido o dia 7 de julho de 1907 o marco inicial da criação da cidade. 


Assim é que nascemos “americanizados” pelos gringos dos Estados Unidos da América e tivemos como fundador um americano, embora tenhamos como pioneiros, milhares de trabalhadores de toda parte do mundo. Mas, como em toda história há fatos e versões, considerando que a de nossa cidade não seria diferente, o fundador oficial é o dono da Empresa Madeira Mamoré Railway Company, responsável pela construção da EFMM. Seu objetivo era transportar a borracha explorada nos seringais ao longo dos rios Madeira, Mamoré, Abunã e outros, situados no Estado do Acre.


Somente em 2 de outubro de 1914 foi instalado oficialmente o município vinculado ao Estado do Amazonas que, em 1943, tornou-se a capital do Território Federal do Guaporé. A história da cidade se confunde com a história da minha família. Minha avó paterna, nascida em 1910, pelas bandas do Rio Madeira, deu–se com um Português chamado José da Silva, que pairava pelas bandas do beiradão. Dessa relação, em 1929, ano da histórica crise financeira dos EUA, nasceu meu pai, lá pelas bandas do Seringal Aliança.


Eu me orgulho de repetir que a banda da família que chegou mais tarde aqui desembarcou, vinda das terras Potiguares, no Nordeste brasileiro, no final dos anos 30, início dos anos 40, do século XX. 


Fugindo da falta de trabalho naquela região do país, meus jovens tios vieram servir à Pátria como os conhecidos ‘Soldados da Borracha’, bravos trabalhadores que até hoje lutam para ter seus esforços plenamente reconhecidos pelo Estado Brasileiro. 
Na bagagem, à época, traziam a sanfona, o triângulo e a zabumba para matar a saudade de sua terra e as tantas lembranças deixadas na linda cidade de Natal, no Rio Grande do Norte. Meus pais, Rita e Sabá, se conheceram pelas cercanias do mercado situado à frente do Palácio do Governo Estadual, hoje denominado Mercado Cultural. Quando nasci, eles moravam no Alto do Bode. Depois, a família migrou para a Baixa da União e, posteriormente, para a periferia da Cidade, cujo limite era a Estrada da Cascalheira, hoje a Avenida Jorge Teixeira. 


Por 25 anos, morei na Avenida Pinheiro Machado, situada no Bairro São Cristóvão, onde tive o prazer de conhecer asfalto no trecho onde morava, em 1984, quando já existiam dois de meus três filhos.


A cidade que nasceu como uma Babel, reunindo gente nascida em solo brasileiro e gente nascida no “estrangeiro” como fazia questão de expressar meu avô, o velho Luiz Batista, que morava lá para as bandas do Areal, cresceu misturando raças e etnias, culturas e crenças, lendas e culinárias, línguas e fantasias. 


Menina travessa, eu adorava ir, nos finais de semana, ao Areal para brincar no quintal da casa da vó, entre fruteiras e ouvir o som alegre da sanfona do meu Tio Netinho. Festeiro, meu tio se juntava com seus irmãos, que se ocupavam da zabumba, cavaquinho e triângulo, para promover nossa prazerosa festa em família. Herdei deles um jeito alegre de reunir todos para cozinhar, cantar e dançar, sempre com muita alegria.


Um de meus tios, Luiz Gonzaga Batista, cabra sério e destemido, nos deixou um legado: o orgulho por sua participação na Expedição FORD, movimento que abriu a picada da BR-364, saindo de Porto Velho em direção ao Sul do país.
Cidade-município, como diz a letra de seu hino, Porto Velho se destaca por ser a capital do Brasil com a maior extensão territorial, que espalha-se em pouco mais de 34 mil quilômetros quadrados; o mais populoso município fronteiriço do Brasil e a única capital brasileira a fazer fronteira com outro país: a Bolívia.


Hoje esta Senhora Centenária chamada Porto Velho, tem muitos desafios ante este contexto de tantos destaques, relevâncias, obstáculos e perspectivas. Na economia, por exemplo, continuamos a crescer na base da exploração de Recursos Naturais. 
Seus filhos, netos e bisnetos assistem a uma sucessão de ciclos econômicos que levam suas riquezas, deixando pouco para o nosso povo. Somem-se a isto desmandos administrativos, a falta de cuidado de seus governantes que, igualmente aos administradores do Estado, não demonstram compromisso com a centenária cidade.


Por isso, é comum se ouvir queixas dos genuinamente “beiradeiros” acerca da predileção dos governos do Estado com outras cidades do interior em detrimento da capital. Queixam-se, não sem razão, deste abandono, que não é visto em outras capitais do país.


Eu, que fui privilegiada pela generosidade do povo de meu Estado com a eleição para o Senado Federal, sendo sua primeira filha a ocupar tão importante espaço de representação na mais alta Casa de Leis do País, orgulho-me por contribuído com o desenvolvimento de Porto Velho. Durante o mandato, exercido entre 2003 e 2011, mobilizei recursos da ordem de quase 600 milhões de reais somente para Porto Velho dos 1,2 bilhões destinados ao Estado por força de minha atuação parlamentar.


Minha relação direta com o governo do Presidente Lula, me ajudou a viabilizar recursos, por meio de emendas individuais e de bancada, e extra orçamentários, para serem aplicados na infraestrutura de nossa capital. Também apresentei, lutei e consegui aprovar a Emenda Constitucional de número 60, que trata da transposição dos servidores do Estado para os quadros da União.
Orgulho-me de tantas obras e benefícios, oriundos de um projeto político comprometido com a maioria da população e que garantiu o sonho acalantado, durante décadas, que foi o do aproveitamento das águas do Rio Madeira, transformando sua força em energia para alimentar o desenvolvimento do Brasil. 


 
Da mesma forma, tenho orgulho em ver concretizado o projeto das Pontes sobre o Rio Madeira, que, de mero desenho animado ou virtual, veiculado nas propagandas eleitorais anteriores a 2002, passou a ser uma realidade. Para a concretização deste sonho, intervi junto ao Governo Federal, no que fui prontamente atendida, e agradeço ao Presidente Lula e à Presidenta Dilma, que entenderam a importância desta obra para nós, Portovelhenses, e de tantas outras, igualmente importantes, para suprir as prementes necessidades do povo rondoniense.


Neste aspecto, cito mais um exemplo de atenção do governo do presidente Lula com Rondônia: o atendimento à minha solicitação para a expansão da educação tecnológica, com a criação do Instituto Federal de Educação - IFRO, que tem seus oito campis espalhados pelo Estado. 


Porém, como filha desta terra, beradeira que sou e “minhoca” assumida, também guardo no peito lamentos e angústias. Lamentos por assistir e me sentir impotente diante da falta de planejamento e articulação institucional entre órgãos governamentais nas administrações que se sucedem. Aliado ao pecado da omissão, somam-se as feridas expostas no uso e abuso do recurso público e da má gestão.


Minha angústia reside em compreender que os desafios colocados por aquilo que nos orgulha diante do destaque que temos, não é tarefa para uma única pessoa e sim para o coletivo, que deve estar expresso e representado nos espaços instituídos de participação popular. É como se todos nós entendêssemos que o cuidado com a cidade, fosse responsabilidade tão somente do poder público.


Um exemplo candente desta compreensão são as inundações periódicas. E por falar em inundações, este é outro ponto que me causa arrepios e sobressaltos. A ENCHENTE VIVIDA NESTE ANO castigou não apenas os que perderam suas casas e que ainda hoje perambulam pela cidade à procura de abrigo. Mas, também, a todos aqueles que, tristes e solidários, assistiram a tudo. 


E de novo, o fantasma da enchente ronda nossas vidas. Mas será que o sofrimento nos ensinou a cuidar mais de Porto velho? Será que não nos constrangemos ao jogarmos lixo e água servida na rua, sem nos importarmos com seu acúmulo nos bueiros e bocas de lobo? 


Ah meu Porto querido! Como sonhei com o teu centenário. Sonhei com uma festa que durasse o ano inteiro, regada a obras que te embelezassem cada dia mais. Pelo que já contribuístes com teus recursos para com a riqueza nacional, bem que merecias ganhar de presente hoje espaços de convivência social organizados, limpos, bonitos e acessíveis.


Sonhei com espaços culturais espalhados por toda a cidade oferecendo a todos acesso aos bens culturais, produzidos pela diversidade de teu povo, afirmando, assim, tua identidade beiradeira, entre tantas outras, que fazem de tua cara um lindo mosaico. Identidade esta que espero ver, retratada nas produções artístico-culturais no nosso lindo teatro, inaugurado, enfim, após 12 anos de construção.
És tão bonito, meu Portinho! Olhando de longe ou de cima, ou mesmo à noite, constatamos tuas belezas escondidas em ruas muitas vezes sujas e escuras que expõem o descaso que sofres. Alimento a esperança de poder contribuir muito mais para te ajudar a superar teus desafios tão enormes quanto tua extensão territorial. 


Tenho esperança de ver teu povo beradeiro, mestiço, caboclo, mulato, indígena, branco ou negro, se abraçando e, numa grande corrente voluntária, pegando os instrumentos públicos e tomando posse de sua cidadania, desde o cuidado com a frente de sua casa até a participação democrática e cidadã nos mais variados conselhos de políticas públicas.


Como diz a letra de teu hino: 
“És a cabeça do estado vibrante:
És o instrumento que energia gera
Para a faina dos novos operários,
Os arquitetos de uma nova era”
Sejamos todos nós os arquitetos desta nova era e que, a exemplo dos bravos pioneiros, “imbuídos de coragem e de fé”, sejamos capazes de em todos os cantos da cidade, como fiéis jardineiros, plantarmos a semente do bem comum, como ato de cidadania, de amor e de fé na vida.


Assim, poderemos em pouco tempo te reconstruir e te abraçar, certos de que a construção é obra de todos e todas!


Parabéns Porto Velho! Parabéns, meu povo querido!
 


                                            Fátima Cleide  Senadora da República (2003/2011)

Autor / Fonte: F�tima Cleide

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