Em seus constantes embates com a Justiça do Brasil e de outros países, Paulo Maluf tem experimentado vitórias e derrotas. Seus bens, os de sua empresa e de sua família estão bloqueados. Se sair do Brasil, será preso pela Interpol. Por outro lado, os crimes de que é acusado no Brasil estão prescrevendo antes de transitarem em julgado. E na quarta-feira ele conseguiu escapar da Lei da Ficha Limpa e confirmar sua reeleição como deputado pelo PP paulista.

 

Maluf foi provavelmente o alvo do maior esforço de punir um político na história do sistema jurídico brasileiro. A linha do tempo que emoldura este texto destaca apenas alguns momentos do processo envolvendo o desvio de US$ 446 milhões – segundo o Ministério Público – das obras do Túnel Ayrton Senna e da Avenida Água Espraiada, na gestão de 1993 a 1996.

 

A dimensão desse esforço é simbolizada pelos 130 mil comprovantes bancários em um caminhão-baú que o Ministério Público enviou para a Justiça, em outubro de 2004. Só da Ilha de Jersey, paraíso fiscal britânico no Canal da Mancha, vieram 20 mil documentos bancários. A Polícia Federal e a Interpol, os Ministérios Públicos, as Justiças estaduais e federais e órgãos de controle de operações financeiras de Brasil, Estados Unidos, Reino Unido, Suíça e França foram mobilizados, ao longo de uma década e meia.

 

Ainda assim, Maluf e seu filho Flávio, os principais réus do processo, ficaram presos apenas entre 9 de setembro e 20 de outubro de 2005, por evasão fiscal, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. A prisão foi ordenada pela Justiça Federal em São Paulo, e revogada pelo Supremo Tribunal Federal.

 

Mediante toda essa mobilização do sistema, por que a Justiça não consegue chegar a uma conclusão, seja inocentando ou punindo de vez o deputado e outros dez réus no caso? Há uma explicação no âmbito criminal e outra no civil.

© Dida Sampaio/Estadão

 

A principal causa da demora do processo criminal, na visão do procurador Rodrigo de Grandis, que atua no caso desde por volta de 2006, é o foro privilegiado. Quando Maluf se elegeu deputado, naquele ano, seu processo foi transferido para o Supremo. “O STF não tem vocação para processar uma ação penal que corre originariamente no Supremo”, observa De Grandis. “O Supremo demora quase cinco anos para receber uma denúncia. Não tem costume de processar ação penal, fazer oitiva de testemunhas, interrogatório.” Ironicamente, no ano seguinte ao seu envio para o STF, uma das ações criminais, referente à obra do Túnel Ayrton Senna, prescreveu.

 

Demora. Em setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, avaliou que Maluf poderia ser condenado a 23 anos de prisão, mas o crime prescreveu por demora na fase de instrução. Propôs 35 anos de prisão para Flávio Maluf. Ao completar 70 anos, o réu é contemplado com a redução pela metade do prazo para a prescrição de um crime. O deputado tem 83 anos. Sua idade, combinada ao direito ao foro privilegiado – que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acaba de manter, ao livrá-lo da Lei da Ficha Limpa e confirmar sua reeleição como deputado federal –, desequilibra essa corrida em favor de Maluf.

 

“O Estado tem um poder muito grande, que precisa ter limitações, para que não degenere em autocracia, e uma delas é o lapso temporal”, defende o criminalista José Roberto Batochio, advogado de Maluf em outros casos e, nesse processo, de seu filho Flávio. “Não existe foro privilegiado, mas sim foro especial por prerrogativa de função, se não um presidente, por exemplo, poderia ter de responder a processos em todos os Estados. O STF é o mais elevado, preparado, culto e adequado tribunal no País. Não tem experiência? É composto de 11 ministros absolutamente preparados para responder qualquer causa.”

 

O Estado tentou ouvir Maluf. Ele pediu que procurasse seu advogado nesse processo, José Roberto Leal de Carvalho, que não retornou as ligações da reportagem.

 

O promotor Silvio Marques, encarregado do processo civil, atribui a demora a uma medida provisória, editada em 2001, que introduziu uma fase preliminar de notificação dos réus nos processos por improbidade administrativa (que envolvem agentes públicos). “É o maior absurdo, porque já existia a citação”, critica Marques. Oficiais de Justiça têm de localizar os réus, que, nesse caso, incluíam 30 empresas de papel, offshores em paraísos fiscais. “Esse procedimento levou nove anos”, diz o promotor. “A demora só interessa aos corruptos.”

 

A MP que modificou a Lei de Improbidade Administrativa foi editada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. “Eu não tenho a menor ideia do assunto”, disse ele ao Estado. “Bem pode ter sido uma emenda feita no Congresso. Se partiu do governo, certamente não foi com a intenção de proteger alguém. Estranho a afirmação de que possa ter sido essa MP a razão de tanta demora na conclusão do processo. Se fosse essa a razão, é de se perguntar por que não houve outra MP cancelando a anterior nos 13 anos que transcorreram desde a edição da primeira.”

 

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