Ô Seu San Gennaro, eu tô cagado?

Porto Velho, RO – Há algo que a vida me ensinou após muitas porradas: quem quebra os próprios protocolos está fadado ao nocaute. Todos nós temos preconceitos, a maioria inconfessável; outros, os mais latentes, acabam exteriorizados sem querer, basicamente por instinto de autopreservação.

Por amor, resolvi me arriscar e ignorar uma regra interna básica que me manteve a distância da infeliz constatação: eu estava – e continuo – absolutamente correto, infelizmente. Eu simplesmente não frequento lugares finíssimos por questões de desconforto. Detesto e passo longe do conceito de high society e esta cisma me protegeu ao longo de 28 anos de caminhada.

Aprecio muito meu jeito de ser para sair da minha casa engomado, de terno, indumentária de marca, sapato social lustrado e cabelo atolado em gel para ser bem tratado no comércio. A isso, não abro exceções.

Só que quando um casal completa dois anos de relacionamento a estabilidade adquirida após os altos e baixos do pontapé inicial requer uma comemoração à altura. Logo, tive uma ideia de jerico. Levei minha namorada para jantar no conceituadíssimo, garboso, imponente, requintado e exuberante San Gennaro – o melhor da culinária italiana, dizem. Até então jamais havia pisado lá – e espero nunca mais fazê-lo depois do constrangimento que passamos ontem.

Meu Deus, por que eu fiz isso?

Os adjetivos acima não são caracterizações irônicas. De fato, a estrutura destoa positivamente. O ambiente é luxuoso e rústico, causando sensação ímpar de conforto a quem o aprecia. Mas e a comida? Ah, deve ser deliciosa, não duvido. Agora, caso alguém me questionasse a mesma coisa esperando referências, seria obrigado a dizer: não faço a mínima ideia! Aliás, bem que eu tentei comer. Me esforcei bastante, acredite.

Assim que chegamos à entrada, minha companheira, tão vislumbrada quanto eu em relação ao impacto visual do restaurante, hesitou antes de ingressar às dependências. Era tudo tão bonito e organizado que nos deixou boquiabertos. Um local assim não poderia ser ruim, seria impossível!

Impossível?

Foi colocar os pés além da entrada que a história mudou de figura. Revolta e amargura passaram a percorrer minhas entranhas em vez de massas e vinho. O que era pra ser uma noite agradável, no mínimo, tornou-se verdadeira hecatombe.

Como se fôssemos assombrações alheias ao mundo real, funcionários e um sujeito negligente e compridão que parecia ser gerente – embora não se portasse como um – sequer nos lançaram um mísero boa noite, o cartão de visitas inaugural de qualquer serviço que preste.

Tudo bem, relevável.

A atitude por si não teria relevância alguma se, logo em seguida, não tivéssemos deflagrado uma verdadeira via-sacra em busca de uma mesa.

– Senhor, poderia nos apontar um bom local para duas pessoas?

Depois de muita luta para conversar com alguém, uma resposta atravessada, em tom áspero, patrocinada por um tipo que mais parecia segurança de boate mequetrefe que alguém disposto a atender clientes no ramo gastronômico:  

– Ah... Deve ter lá em cima. Deem uma olhada lá!

Sem problemas. Subimos as escadas, constatamos a lotação e descemos para tentar outra vaga. Pedimos ajuda ao cidadão mal encarado, mais uma vez. Finalmente um casal levanta de uma mesa apropriada e o garçom nos informa:

– Só preciso limpar para vocês. (Os informes sempre em tom lacônico, como se fôssemos lá pedir favor).

Ok.

Esperamos próximos ao balcão. Não quis ser mal educado e grudar à retaguarda do trabalhador demonstrando desespero e ansiedade pelo lugar enquanto este o limpava. Imaginei que organização, pelo menos, haveria.

Imaginei errado!

Minha namorada subiu ao segundo andar para retocar a maquiagem enquanto eu, imóvel para não atrapalhar o movimento da casa, continuava aguardando. A esta altura já estava puto, segurando a onda, perseverante, imbuído de um sentimento equivocado que, mesmo após todos os indícios contrários, me fazia crer ser possível desfrutar de nossa comemoração naquele lugar sem maiores perturbações.

Quando dei por mim, um casal que havia recém entrado corre até a mesa que estavam organizando para nós e... pronto, senta e se acomoda sem a mínima objeção por parte do garçom que há pouco havia nos informado que arrumaria a mesa para a gente. Erámos verdadeiros alienígenas aprisionados naquele desconfortável perímetro de descaso.

Abri os braços como quem pede pênalti após falta na área sem bola e bradei:

– Meu amigo, o que foi isso? Você não estava arrumando a mesa para nós?

A reposta:

– Ah... – seguida de um virar de costas cinematográfico como nos filmes antigos de ação onde os protagonistas davam de ombros às explosões que provocavam bancando verdadeiros organismos vivos do caos, tal qual o garçom, os demais funcionários e o compridão em relação a nós.

Foi a gota d’água.

Pensei: “Meu Deus, será que eu estou cagado? Não é possível...”.

Quando minha companheira regressou relatei o ocorrido e, desta vez, critiquei abertamente a atitude dos envolvidos, sem rédeas sociais, sem conter o ímpeto.

Aquele rapaz que citei, o que parecia gerente sem agir como tal, lançou-nos um olhar de peixe morto acompanhado de expressões oligofrênicas e, como se nada tivesse acontecido, mandou essa:

– Mas o que foi que nós fizemos?

Caímos fora e fomos ao Rock & Ribs Lounge, onde nos trataram muito bem – como sempre. A raiva passou, comemoramos, nos divertimos, trocamos presentes e saímos felizes, muito felizes.

E para quem entender este texto como um atentado ao San Gennaro, esqueça. Afinal, nem sei o que há lá já que não consegui passar da recepção. Espero, de coração, que as pessoas continuem a frequentar o restaurante e o estabelecimento mantenha-se nos trilhos do crescimento e da prosperidade. Só não é para mim.

Minha sugestão é a mais basilar de todas: tenham respeito, a mola propulsora de tudo.

Admito a minha responsabilidade no episódio. Não nasci pra recinto afrescalhado nem pra lidar com gente cheia de dedos. Se não tivesse aberto exceções ao meu protocolo, nada disso teria ocorrido.

Quanto ao San Gennaro, nosso namoro durou pouco, mas o que não falta é lugar pra ir. Como aconselham as sábias e antigas mammas italianas numa livre adaptação ao caso:

“Sei ancora innamorato di lei? Dai, troverai presto qualcun altro… chiodo scaccia chiodo!” (Você ainda está apaixonado? Não se preocupe, você vai achar outra… prego tira prego!)

Autor / Fonte: Vinicius Canova

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