‘‘Nos últimos 30 anos, o Brasil jogou quatro bombas atômicas em cima de nossas mulheres’’, diz promotor Héverton Aguiar

‘‘Nos últimos 30 anos, o Brasil jogou quatro bombas atômicas em cima de nossas mulheres’’, diz promotor Héverton Aguiar

Porto Velho, RO – Os dados que representam a escalada da violência contra as mulheres no Brasil estão no rol de preocupação do ex-procurador-geral de Justiça Héverton Aguiar, promotor que, atualmente, trabalha exclusivamente com vítimas desses crimes específicos.

Ao Rondônia Dinâmica, o membro do Ministério Público (MP/RO) falou sobre a importância da campanha dos 16 Dias de Ativismo; abordou números registrados oficialmente; explicou por que cadeia não resolve a situação e criticou a baixa adesão – inclusive de agentes públicos – a pautas de proteção à mulher.


Promotor discursa na Câmara de Candeias do Jamari / Divulgação

Rondônia Dinâmica – Em que posição está o nosso país em relação ao tema?

Héverton Aguiar – O Brasil ainda é o 5º país mais violento contra a mulher. No ano passado, 4.572 mulheres foram assassinadas por seus maridos, namorados, enfim. Ou seja, assassinadas por questões de gênero, por serem mulheres. É um número expressivo, assustador!

RD – E Rondônia?

HA – É o 4º Estado que mais pratica violência contra as mulheres. É o 3º Estado que mais estupra as suas mulheres!

RD – A campanha dos 16 Dias de Ativismo vem, então, para conscientizar as pessoas sobre essa escalada de violência?

HA – Exatamente! Nós precisamos falar sobre o problema durante esses 16 dias com toda a comunidade para que esses gritos ecoem ao longo dos 365 dias de 2019. Precisamos sair desse ranking trágico.

RD – Quantas denúncias o MP/RO patrocinou só em 2018 envolvendo violência contra a mulher?

HA – Somente este ano, na região de Extrema, seis mulheres jovens foram assassinadas por questões de afeto, de gênero. Temos uma violência muito grande e, por mais que se trabalhe no aspecto criminal, e até agora nós passamos de mais de 1.700 denúncias criminais, ou seja, 1.700 novos processos, há muito mais que precisa ser feito. Não é só colocando o agressor na cadeia que iremos resolver o problema.


Héverton Aguiar excursiona por órgãos falando sobre os 16 Dias de Ativismo / Divulgação

RD – Quais as alternativas?

HA – A sociedade precisa reconhecer que esse problema é seu. O Brasil é um país violento, agressivo, preconceituoso e sexista. Isso é realidade, precisamos tirar esses mitos, derrubar esses véus e reconhecer a nossa realidade. No Brasil 64 mil pessoas são assassinadas por ano. Isso é muito grave! Onde está a gênese dessa violência? Está em casa, na família.

RD – E o que comprova isso?

HA – Estudos da ONU mostram que pessoas que crescem em ambiente de violência doméstica tendem a repetir o padrão de comportamento na vida adulta. Ou seja, o cidadão leva para a sociedade a violência que adquiriu em casa. Por conta disso, coisas fúteis dão origem a atos tão violentos e agressivos.

RD – Aparentemente a luta vai além da violência em si, porque políticos e grupos idológicos rechaçam expressões como feminicídio, por exemplo, alegando que um assassinato é assassinato e ponto final! O que o senhor pensa disso?

HA – Há discriminação, sim, e precisamos olhar para isso com coragem, despudoradamente. As mulheres são discriminadas e, por isso, precisam ser tratadas de maneira diferente. Se a mulher está numa posição de vulnerabilidade social, precisa ter um olhar mais acolhedor. Não se mata tantos homens em razão de gênero como se matam mulheres.


O jornalista Vinicius Canova, do Rondônia Dinâmica, com o ex-procurador-geral de Justiça / Divulgação

RD – O que mudou de 2017 para cá?

HA – Houve o aumento da violência de modo geral, mas diminuiu contra a mulher branca. Aumentou significativamente, aí sim, contra a mulher negra. Então veja, a mulher negra agora tem uma dupla vulnerabilidade: sofre com o machismo e sofre com o preconceito racial. Essa sociedade precisa ser repensada, temos que discutir isso.

RD – O que mais te preocupa nesse cenário?

HA – Uma pesquisa do Instituto Avon diz que 67% das acadêmicas já sofreram algum tipo de violência no ambiente universitário. E 27% dos acadêmicos não reconhecem como violência contra a mulher abusar da colega enquanto ela estiver alcoolizada. Isso está acontecendo num ambiente de transforação social, que é a Universidade. Ali estão os juízes, advogados, promotores, jornalistas, médicos e políticos. Ali estão os regentes da sociedade do futuro e é esse o comportamento atual.

RD – Em Rondônia, especificamente, a violência cresce?

HA – Cresce assustadoramente. E tem gente querendo colocar a “sujeira debaixo do tapete”. Dizem: “Não aumentou a violência, mas sim as notificações de crimes”. Oras, é claro que não. Aumentou a violência, sim! Só há notificações porque existe o crime.

RD – Por onde o senhor já passou levando a bandeira da campanha?

HA – União Bandeirantes, Nova Califórnia, Extrema, Abunã, Jaci, passamos por eventos em comunidades em todos os cantos. Sábado que vem iremos à maçonaria. Isso vai encorajando as pessoas a falar. Estabelecemos meios para que as denúncias e as notícias cheguem através do WhatsApp, quebrando a burocracia para a resposta ser mais efetiva.


Violência contra a mulher é tema também na ALE/RO / Divulgação

RD – Que tipo de paralelo é possível estabelecer com essas mortes no Brasil em relação a outros eventos catastróficos?

HA – O evento mais grandioso durante a 2ª Guerra Mundial foram as bombas atômicas jogadas pelos aliados em Hiroshima e Nagasaki. Quando a bomba tocou o solo em Nagasaki, 30 mil pessoas morreram instantaneamente. No Brasil, se jogam duas bombas atômicas por ano. Vamos piorar? Nos últimos 30 anos, quase 120 mil mulheres foram assassinadas por seus maridos, noivos, namorados, ficantes e congêneres. Isso quer dizer que nas últimas três décadas, quatro bombas atômicas caíram na cabeça de nossas mulheres.

RD – Qual o maior problema nessa incursão em busca de conscientização?

HA – A falta de interesse. Eu fui numa audiência pública na Câmara de Porto Velho para falar sobre a violência contra a mulher. Sabe quantos vereadores estavam lá? Três!

RD – Por que a cadeia em si, a punição coercitiva da lei, é menos eficaz que o exercício pedagógico?

HA – Sou criminalista há 25 anos e posso te falar com franqueza: o direito penal está falido. Pena não resolve nada pra ninguém, não resolve!


"Quase 120 mil mulheres foram assassinadas nos últimos 30 anos", diz Héverton Aguiar / Divulgação

RD – Mas é o que grande da população deseja: mais pena, mais cadeia, mortes de criminosos, se possível...

HA – Tem que punir quem comete o crime, mas não vai solucionar o comportamento. Nós temos o boomerang. Pessoa entra no sistema, sai dele, volta a delinquir, retorna... Sai de novo e assim por diante. Assim, ela evolui no crime, se aperfeiçoa, se torna uma autoridade do crime. A sociedade não vai mudar. Não vamos deixar de receber duas bombas atômicas na cabeça por ano apenas com direito penal. Nossos presídios não mudam compartamento de ninguém, aliás, mudam, mas pra pior.

RD – Nós temos um presidente eleito contrário às suas convicções, promotor. Na sua perspectiva, então, é possível que em vez de evoluirmos a sociedade deverá, na realidade, regredir?

HA – Eu tenho receio. O presidente eleito fala em combate ao crime, e combate ao crime é muito importante. O Rio de Janeiro é a prova disso. Mas ele não nos mostrou projeto de política para enfrentar a gênese da violência. Ele não disse que não irá fazê-lo, só não apresentou os métodos. Creio que fará, porque o homem que ele colocou como ministro da Justiça é um ex-juiz com formação em Direitos Humanos, o Sérgio Moro. Essa é uma sinalização positiva, ter colocado um homem com o perfil de Sérgio Moro no Ministério da Justiça é uma sinalização positiva, deixa a luz da esperança acesa.

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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