Gleba Cuniã: o direito à terra roubado



Porto Velho, RO –
Uma região há tempos cobiçada, transformada em reserva sustentável aproximadamente duas décadas atrás, palco de intensas disputas a Gleba Cuniã concentra em nome dela uma gama de pedidos de lavras para a exploração de minérios, bem como, projetos futuros para manejo florestal, papéis que arquivados nos órgãos responsáveis esperam deferimento.

A região antiga foi intensa rota de invasores toreiros e madeireiros, assim como, área de trabalho de copaibeiros e castanheiros nômades de regiões vizinhas em épocas passadas.

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A localidade recentemente foi manchete da capa dos principais veículos de comunicação de Rondônia, fato ocorrido com a realização de uma operação da Secretaria do Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM) na primeira semana do mês de agosto do vigente ano, tarefa surpresa e corpulenta de pesado aparato policial feita dentro de vários lotes de tradicionais agricultores que nada tem haver com crimes que os acusam. A derrubada de muitas casas e apreensão de bens causou repulsa, revolta e indignação por partes dos moradores da localidade.


Raimundo, seringueiro e morador da Gleba pede justiça: "Tudo que construí foi destruído pela SEDAM"

Sabe-se que há exatos quinze anos as primeiras famílias de agricultores entravam para a região, pretendiam alguns fazer valer a posse de terra de seus antepassados. Desponta aí nesta situação o senhor Raimundo ex-seringueiro e conhecedor tradicional dos segredos da floresta e filho legítimo de soldado da borracha, hoje agricultor e posseiro na área, também fora atingido pela operação SEDAM.

Meu pai era de Guarani/AM, era navegante, extrativista e trabalhou extraindo borracha na Segunda Guerra Mundial, ele trabalhou por essas matas muitos anos extraindo borracha e até hoje o governo nunca indenizou a família, eu passei a mocidade trabalhando na região do Cuniã nas calhas dos rios, trabalhei no Cunianzinho, igarapé dos Ribeiros, rio Santa Maria, rio São Pedro e outros mais, tirando sova e seringa, comenta, Senhor Raimundo.


Gilson, o Baiano, enfrentou muitos madeireiros para fincar sua residência

Outro atingindo foi o senhor Gilson mais conhecido por todos como Baiano, vindo da Bahia para Rondônia no ano de 1981 trabalhou duramente no cultivo de café e cacau na região de Ariquemes e em outras localidades do estado. Conheceu as terras da Gleba Cuniã a convite de um engenheiro agrônomo e comprou seu pequeno lote de um homem apelidado de Acreano na década de 90. Veio para dentro da região entre os anos de 2003 e 2004, já que os fazendeiros e madeireiros estavam invadindo e tirando madeira em seu lote.

Assim ele conta: Eles vieram a primeira vez, vieram a segunda, mas na terceira vez tomei posse de meu lote e estou aqui até hoje, me arrisquei demais por aqui, estava rodeado de madeireiro, passei muito sofrimento, não havia estradas chegava a carregar fardo de rancho quilômetros a fio para trazer até aqui, agora vejo isso tudo destruído é como se o mundo estivesse desabando, finalizou.

Natural do município de canavieiras da Bahia, baiano rodou o estado de Rondônia trabalhando em sítios e fazendas de café e cacau, lembra que trabalhou jornadas inteiras por um tempo na fazenda do atual governador Confúcio Moura e em ouras fazendas do estado, lamenta pelo fato de como o governo e a SEDAM trataram ele e sua família, assim como outros agricultores da região.

Me deram dois dias para eu sair de casa, quando fui procurar meus direitos ao voltar eles já tinham derrubado tudo, cometeram um ato de desumanidade com minha família, meus pertences e coisas ficaram tudo jogado, não tenho para onde ir, vamos lutar pela terra.


"Justiça aos filhos de Deus irá prevalecer", diz a esperançosa Dona Mirian

Outro exemplo é a agricultora Mirian Alves, vinda da região de Vila Velha no Espírito Santo veio para Rondônia na década de 80 na companhia dos pais, cresceu trabalhando nos roçados alheios. Hoje ela e o esposo são posseiros na Gleba Cuniã, ambos veem desenvolvendo culturas diversas dentro de seu lote.

Na companhia do marido Glaucimar, que veio das terras de Jucuruçu/BA, Mirian cria porcos, galinhas, cultiva macaxeira e outras produções. Sabendo de campanhas difamatórias contra os agricultores da área o casal diz que não trabalharam desmatando sua localidade, pois quando lá chegaram pegaram o lote sem árvores só havendo sapé.


Os dois veem planejando junto reflorestar a área de sapezal em que se encontram, para tal, estão desenvolvendo mudas como: Castanha do Pará, itaúba, banana e cacau, no caso, culturas que possam se desenvolver com árvores nativas.

A diretoria da Associação em visita posteriormente à área da Gleba Cuniã constatara um rastro de total destruição, relatos de intolerância, arbitrariedades e abuso de poder. Pertences como: pares de sapatos, peças de roupas, fogões, latas e pacotes de alimentos e outros objetos estavam espalhados no meio dos montes de tábuas, telhas e peças de madeiras retorcidas. Tudo estava revirado, era notório que muitos moradores não tiveram tempo de retirar suas coisas.

Criações de porcos, galinhas e outros animais após a realização da operação, dias depois pastavam famintos à procura de comida, quiçá estes bichos nos seus instintos irracionais esperando seus donos. O cenário mais parecia que no local havia sido feito um verdadeiro expurgo humano, não se levou em consideração a dignidade humana das famílias que ali habitavam. O direito razoável que tem o brasileiro à propriedade como meio de proteção e garantia social do trabalho não foi garantido, tampouco o fator produtivo e histórico dos que lá habitavam.

A verdade é que se houver concretização total nos despejos dos agricultores da Gleba Cuniã, além de uma alta consequência social para as famílias que estão sendo jogadas na rua, será questão de pouco tempo para que a Unidade de Conservação por inteira seja invadida pela ação predatória dos  madeireiros ilegais, madeireiros de manejos, grileiros e principalmente grandes latifundiários  que a tempos veem assediando autoridades do setor, afim de derrubarem a floresta por completo para no seu lugar estender um chão de gado e de grãos.

Há anos os órgãos de defesa do meio ambiente relegaram a área ao esquecimento total, nesse vácuo, vários posseiros que lá habitavam bem antes da criação da reserva ambiental enfrentaram toda a sorte de invasões dos madeireiros, grileiros e outros do gênero, somente há pouco tempo a própria SEDAM sinalizou com placas a área como Unidade de Conservação.

Trata-se, portanto, de evidenciar que as famílias que se encontram na gleba em sua maioria, trabalham a terra e os recursos naturais que dela advém de forma familiar desenvolvendo na região cultivos de baixo impacto, diferentemente de outras culturas exponencialmente predatórias.


O cenário deixado pela operação da SEDAM: o que restou do esforço e dos sonhos de vários seres humanos

Na próxima terça-feira (22) a Assembleia Legislativa de Rondônia decidirá o futuro dos moradores da Gleba Cuniã, uma audiência entre a população atingida, autoridades do Ministério Público, bancada dos deputados e SEDAM discutirá a suspensão ou não dos despejos das famílias da área por ora paralisados, assim como o destino das demais famílias de agricultores que foram expulsos de suas terras. A previsão é de casa cheia com a participação massiva dos agricultores da Gleba que por lá clamarão por justiça reivindicando do estado seu sagrado direito a terra.

Fonte: Assessoria de Comunicação da ASPRONIÃ (Associação dos Produtores da Gleba Cuniã).

Autor / Fonte: Assessoria ASPRONIÃ

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