Fátima Cleide fala sobre Lula, Dilma, transposição, se nega a mencionar nome de Bolsonaro e explica por que é pré-candidata ao Senado

Fátima Cleide fala sobre Lula, Dilma, transposição, se nega a mencionar nome de Bolsonaro e explica por que é pré-candidata ao Senado

Porto Velho, RO – A ex-senadora Fátima Cleide, do PT, encara a disputa eleitoral em Rondônia a fim de regressar ao primeiro e único posto ocupado através do voto: uma cadeira no Senado Federal.

Ao Rondônia Dinâmica, a petista revelou minúcias sobre o que pensa a respeito do ex-presidente Lula e sua prisão; aspectos acerca do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff; negou-se a citar o nome do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL); contou a origem do processo de transposição e o porquê de a denominarem mãe da matéria.

Confira a íntegra logo abaixo

Rondônia Dinâmica – Por que retornar à vida eletiva?

Fátima Cleide – Na realidade eu nunca saí, né? A última campanha que disputei foi em 2014, minha primeira campanha proporcional. Uma disputa que tentei no âmbito da Câmara Federal, perdi, estava vivendo um momento muito difícil. Em 2016, eu realmente não quis parar para participar do pleito, embora tenha acompanhado de perto as candidaturas.

RD – Quais suas motivações, então, para regressar após "pular" 2016?

FC – Retorno porque há um sentimento muito interessante na sociedade, que começa a ser manifestado nas pesquisas de opinião. É o sentimento de querer votar em pessoas que os cidadãos já conheçam de fato, que tenham sido testadas. Um trabalho que tenha sido marcado. Acredito também que há hoje, pelo que mostram as pesquisas, uma vontade muito grande do eleitor em apostar em nomes limpos, sem manchas na vida política.

RD – É o caso da senhora?

FC – Graças a Deus! Eu tenho 36 anos de vida pública. Tive um mandato de oito anos, mas estou na política, na disputa eleitoral desde 1998. Na vida político-partidária, desde 1989. Então tudo o que faço na vida tem a ver com política. Sou um ser de natureza política. Como você bem frisou, não estou com mandato, mas estou na vida política. Sempre ativa!

RD – E o que tem feito, dentro do PT, ultimamente?

FC – Faço parte da Comissão Executiva Nacional do partido. Até o ano passado, julho do ano passado, estava na direção da Fundação Perseu Abramo. Mesmo estando no Estado, distante dos grandes centros, temos a facilidade de comunicação que nos favorecem. Mesmo não estando lá pessoalmente todos os dias conseguimos participar das tomadas de decisões sem problemas.

RD – “A ex-senadora Fátima Cleide abandonou Rondônia para morar em São Paulo”. Até que ponto essa frase é verdadeira?

FC – Não é verdade, né? Assim como senadores e deputados federais trabalham em Brasília, nós temos uma enorme gama de pessoas que trabalham em outros Estados, até mesmo em São Paulo. A sede do trabalho é fora do Estado, mas o domicílio eleitoral da gente, onde pagamos IPTU, IPVA, enfim, é em Rondônia. Eu me mudei pra onde moro em 1996, por aí. E estou lá até hoje. Não tenho outro endereço. Meu endereço em Porto Velho é no conjunto Rio Jamari. Quem me conhece sabe.

RD – De onde a senhora imagina, então, que tenha saído esse burburinho?

FC – No momento em que estava na direção da Fundação Perseu Abramo, ficava, obrigatoriamente a cada quinze dias, quatro dias em São Paulo. Nos outros, viajava pelo País. Porque a nossa militância, nossa representação nos obriga a isso. Temos de rodar. Porém, de quinze em quinze dias, estava aqui na minha casa, em Porto Velho, Rondônia. É um “contrato” que a gente faz pra não se afastar tanto assim da família [risos].

RD – Esses comentários lhe incomodavam?

FC – Não muito. Acho que esses comentários eram feitos por quem não tem argumento. Até procuram, mas não conseguem encontrar nada que possa macular nossa imagem. Aí se apegam a essas coisas pequenas. Mas para mim foi uma honra muito grande participar da direção da Fundação Perseu Abramo, porque é um espaço de cultura política. Onde a gente de fato aprende muito mais sobre o mundo da política, não apenas nacional como internacional. Então eu tenho a Fundação Perseu Abramo como meu doutorado.

RD – E qual o objetivo da Fundação Perseu Abramo?

FC – Fazer o debate político, da conjuntura nacional. Não sei se você sabe, mas a fundação também tem um Núcleo de Pesquisas de Opinião. E é referência para o meio acadêmico, para o meio da imprensa, as mídias. A fundação foi a primeira a fazer uma pesquisa, por exemplo, com relação à violência contra a mulher. Sabe o índice que a gente descobriu dizendo que a cada quinze segundos uma mulher é espancada no Brasil? É fruto da primeira pesquisa feita com relação à violência contra a mulher. E foi a fundação quem fez. Então ela reúne acadêmicos, intelectuais e o mundo político para discutir a conjuntura. A situação da juventude, do povo negro no Brasil, das mulheres... A Fundação Perseu Abramo é a maior fundação de esquerda da América.

RD – Segundo burburinho: depois que a senhora deixou seu primeiro e último cargo eletivo, teria ocupado funções no governo federal durante a gestão da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Isso procede?

FC – Não, infelizmente.

RD – Por que infelizmente?

FC – Porque eu gostaria. Acho que qualquer um gostaria de ter participado.

RD – Mesmo após o golpe, como a esquerda costuma dizer?

FC – No pós-golpe, não. No período da Dilma, sim. Eu gostaria de ter participado de uma experiência de governo, mas de um governo progressista e democrático. Então eu gostaria, sim, mas a mim coube outra tarefa. Não pude participar, diferentemente do que dizem, porque recebi outras missões.

RD – A mesma pergunta que fiz ao ex-prefeito Roberto Sobrinho: a senhora acha que, após as eleições 2016, o PT se esfacelou em Rondônia?

FC – Eu não diria que esfacelou, né? Porque o PT, por mais que tenha dificuldades neste momento, é o único partido que trabalha 365 dias por ano. Nós não fechamos a sede do partido um dia sequer, a não ser que seja feriado. E, dependendo do feriado, a gente está trabalhando também. Tivemos, lógico, uma derrota eleitoral. Pra quem chegou em 2006 a atingir o patamar de um dos grandes partidos políticos no Estado, e em 2016 eleger apenas uma prefeitura, não vou aqui dizer que tivemos vitórias. Mas vivemos um contexto difícil a nível nacional e ainda problemas locais. Mesmo assim, o PT nunca se esfacelou.

RD – Aqui em Rondônia, principalmente, existe plena ascensão de uma direita mais conservadora, digamos assim. E a senhora regressa ao cenário num momento em que a divisão está muito clara: polarização intensa. Como vai lidar com isso?

FC – Olha, eu me lembro, tenho uma lembrança vaga da época do bipartidarismo entre MDB e Arena. Havia essas coisas bem de ranço mesmo. Confesso a você que, na minha formação pessoal, tive muita dificuldade porque quando era criança meu pai e meu avô eram do MDB. E eu tinha verdadeira paixão pelo grande líder rondoniense do MDB, que era o Jerônimo Santana. Para se ter ideia, eu estudava no Maria Auxiliadora e a sede do MDB era na Av. Campo Sales, próximo à Sete de Setembro. Era saber que o Jerônimo estava na cidade, e não eram meus pais que me levavam, eu mesma ia atrás dele. Minhas canetas, na época da escola, eram todas tortinhas e em forma de bengala, sabe? [risos]

RD – Daí saiu a paixão pela política em si?

FC – Eu tinha dificuldade de convivência quando adolescente porque não conseguia entender como as pessoas falavam de caridade e viraram as costas para os pobres. Sempre tive um lado na vida. Mas o que estamos vivendo neste momento no Brasil é, de fato, muito perigoso. Porque leva muito facilmente para um caminho de guerra civil, né? Apesar de achar, ainda, que o povo brasileiro é mais de se manifestar nas eleições. Não vai às ruas, não vai para a briga, mas se manifesta nas urnas.  Há uma minoria barulhenta, reacionária, conservadora, que joga pedra nas pessoas, que agride verbal, física e moralmente. Mas há uma ampla maioria que está calada, só esperando o momento certo de se manifestar.

RD – A senhora irá enfrentar um grande poderio político-econômico nestas eleições, inclusive um ex-governador bem referendado pela opinião pública. Como será?

FC – Nada diferente do que foi 1998, 2002, 2006, 2010 e 2014. Essa é minha versão 6.0 de Davi e Golias, está entendendo? Eu vou com o que eu tenho: com conhecimento, amadurecimento político, compreensão da realidade do Estado e do País, da realidade do mundo em que estamos vivendo, pois não somos uma ilha. E também com a experiência conquistada num mandato de oito anos no Senado Federal. Tudo que faço tem muito planajamento envolvido, portanto não me frustro se houver algo que não coincida com minha expectativa inicial. Você nunca vai me ver chorando por perder uma eleição.

RD – Oito anos no Senado Federal e o seu nome jamais fora envolvido em casos de corrupção com condenações ou coisa que o valha. Como enxerga isso diante do quadro pintado pela opinião pública em relação ao PT e seus membros?

FC – Mas não passei os oito anos sem que tentassem envolver o meu nome em casos de corrupção. Houve tentativas, sim. A humildade me ajuda muito. Sou uma pessoa tímida, determinada, quando tenho de fazer algo, faço.

RD – Está preparada para o cenário de eventual derrota?

FC – Estou preparada, sim. Porque sei que é do jogo ganhar ou perder.

RD – Como você enxerga esse posicionamento de boa parte da opinião pública colocando o PT como detentor do monopólio da corrupção?

FC – Precisamos conhecer a realidade política, cultural e econômica. Sei que faz parte do jogo as pedradas que a gente leva. As tentativas de macular nossa imagem, também. O PT, ao contrário do que ficou marcado na cabeça do povo, e é lógico, quando você tem 24h de programação em uma rede de televisão, e nós não temos só uma, temos todo um conglomerado de mídia, de rádio, TV e jornal neste país nas mãos de seis famílias dizendo a mesma coisa, é lógico que isso forma opinião.

RD – A chamada Grande Mídia, então, na sua visão, é responsável por essa concepção?

FC – A opinião formada de que o PT é o campeão da corrupção, o inventor da corrupção no Brasil, tem uma lógica construída por trás dessas visões todos os dias. Massificada todos os dias. Porém, eu digo que a gente falhou no ensino de História, sabe? Infelizmente nós passamos – fruto da reforma do ensino de 1971 – longo período da época em que havia nas escolas o ensino de sociologia e filosofia. Eu, por exemplo, não tive. Eu fui em busca para poder aprender a pensar. E hoje em dia parece que pensar é crime, é ideológico. Então é assim: é proibido ter ideias.

RD – Qual foi o principal diferencial da era Lula para os outros governos?

FC – Quando vou estudar e comparar o Brasil antes de 2002 e o Brasil pós-2003 com o advento da eleição do presidente Lula, com a chegada ao Poder de um governo democrático, popular, o que foi de fato construído como política pública no âmbito do combate à corrupção só existe a partir de 2003. Antes disso havia poucas coisas. No governo do presidente Lula criamos a Controladoria-Geral da União (CGU), fortalecemos a Polícia Federal (PF), que antes não tinha sequer bala, carro, helicóptero, armamento nem colete. E tudo isso foi fortalecido para quê? Para fazer segurança para o Lula? Não! Foi fortalecido fazer fiscalização e combate ao crime. Qual foi a primeira medida do governo do golpe? No dia seguinte, acabou com a CGU.

RD – Falando no ex-presidente Lula, como a senhora recepcionou a prisão dele? Acredita que ele seja inocente de todas as acusações?

FC – Se eu te dissesse que recepcionei com surpresa a prisão, não seria verdade. Sempre soube: eles vão prender o Lula. Porque esse era o objetivo do golpe, entende? Não foi à toa que tiraram a Dilma. Não foi porque ela fez pedaladas. Em menos de um mês após a cassação dela, o governo Temer promoveu a mesmíssima coisa. Não foi por causa de crime fiscal coisa nenhuma! Ela não cometeu crime fiscal. Aconteceu porque era preciso, sim, tirar o PT e cessar o projeto que promovia inclusão social e desenvolvimento com soberania. Em dois anos nós retornamos ao patamar de quintal do império norte-americano, como dizíamos antes. Aliás, voltamos ao papel de quintal do capital internacional. Voltamos a um período de entreguismo das nossas riquezas. Com as perdas de direitos trabalhistas conquistados a duras penas, regressamos a uma época análoga à escravidão.

RD – E sobre Lula?

FC – É inocente. Porque após cinco anos de busca, de virar e revirar a vida do Lula, eles não encontraram absolutamente nada que comprovasse as alegações, que ele cometeu algum crime. Nada justifica ele preso há mais de dois meses. Se você não acredita em mim, então te pergunto: será que todas as universidade no mundo, e são mais de 30, que deram título de doutor honoris causa para o Lula estão erradas? Será que esse povo mundo afora também é burro? Os intelectuais internacionais, o mundo jurídico internacional, o mundo político internacional, enfim, todos veem da mesma forma que a gente. Será que essas pessoas estão erradas? Buscaram o crime, sabe? O Lula está preso porque a única prova que há contra ele é uma delação que diz que iam fazer, que iam comprar.

RD – Como assim?

FC – Uma intenção de compra de apartamento. A prova é o fato de ele ter visitado o prédio. O único pedaço de papel que comprova isso é o ticket da ida no pedágio. Então hoje é preciso ter cuidado: só o fato de pagar um ticket de pedágio para visitar determinado apartamento pode ser a prova cabal para justificar uma condenação. E mesmo se ele tivesse comprado, não seria crime. Sabe? Criaram uma história de que ele receberia um apartamento da OAS para facilitar negociações na Petrobras.

RD – Voltando a Rondônia. Como a senhora avalia o apelido “mãe da transposição”. Isso é verdadeiro?

FC – Aceito como uma verdade e reconhecimento de poucos, viu? [risos] Reconhecimento de poucos por um trabalho que não nasceu de iluminação. Essa matéria tem origem na luta dos sindicatos, na luta que presenciei enquanto dirigente sindical através da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintero). 

RD – Qual era o contexto?

FC (Áudio):
 

RD – A senhora tem uma relação próxima com a ex-presidente Dilma Rousseff?

FC – Sim, tenho.

RD – Como ela se sentiu em relação à bancada federal de Rondônia que votou cem por cento a favor do impeachment?

FC – Ela não comentou nada a respeito. As grandes pessoas cuidam das grandes ideias. A Dilma é uma grande mulher, é uma grande política. Uma pessoa muito elevada e não irá se apegar àquilo ali. Passou, foi um momento muito ruim para Brasil com esse golpe parlamentar, jurídico, midiático. Mas ela está seguindo em frente. Te garanto que ela é muito mais feliz do que os membros da bancada de Rondônia. Onde ela anda é muito abraçada. Não é pouco, é muito!

RD – O que a senhora pensa sobre o presidenciável Jair Bolsonaro e sua ascensão política em relação ao eleitorado (PSL)?

FC – Essa figura, que me recuso a falar o nome, não é uma figura nova na política. Ele já tem vários mandatos como deputado federal. O resultado disso para o Estado que o elege é negativo. Muito negativo. Eu passei oito anos no Senado Federal e nós passamos aqui quase meia hora falando sobre uma única matéria e o que ela significa para Rondônia: economia de pelo menos três décadas. Porém, essa figura a qual você se referiu, além de não ter nada de importante para mostrar ao Estado dele, aquilo que ele coloca como ideia para o Brasil são coisas que não quero para o meu país. Incentivo à violência, o desrespeito às pessoas, o desrespeito às mulheres, à diversidade sexual, sabe, é uma necessidade de se afirmar cada dia mais violento, transgressor do respeito. Então não quero isso para o meu país. E acho que há uma fantasia sobre essa figura, que é perniciosa para o país. Eu quero discutir ideias. Discutir como a gente vai fazer para rever as questões que são ruins para o Brasil, decisões tomadas nos dois últimos anos.

RD – Por que o  Senado, especificamente?

FC – Quero voltar para lutar por uma nação soberana. Que promova igualdade social, igualdade regional. Em Rondônia, somos um Estado rico, mas que sobrevive de migalhas do governo federal. Como podemos ter política de igualdade regional assim? Não temos sequer garantias de ir e vir dentro do Estado. Temos poucos voos. Não temos voos regionais com facilidade. Se você quiser ir pro Acre, por exemplo, só se embarcar meio-dia. Se precisar ir à noite, não vai – simplesmente. Rondônia não pode ser um Estado natural só de bois. Nós abrigamos aqui 1,5 milhão, 1,7 milhão de pessoas. E esses seres humanos precisam ter garantias de igualdade. Não podemos pensar só no latifundiário, no produtor de grãos. Também existe a figura do pequeno agricultor familiar, que precisa de investimento. Precisamos, acima de tudo, resgatar a democracia.

Autor / Fonte: Rondoniadinamica

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