Criador do idioma Na'Vi afirma que algumas pessoas tem mais fluência que ele no idioma

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    O linguista Paul Frommer, criador do idioma Na'vi: língua ganhou vida própria online com comunidades de estudantes após o filme de James Cameron

    O linguista Paul Frommer, criador do idioma Na'vi: língua ganhou vida própria online com comunidades de estudantes após o filme de James Cameron

Aprender um novo idioma não é nada fácil. É preciso no mínimo horas de dedicação quase diária ao longo de meses e, mesmo assim, não é raro pessoas passarem anos penando em cursos e ainda se sentirem inseguras com o idioma que estudam.

Imagine então quem se dedica a fazer um curso online da língua dothraki, dos bárbaros de "Game of Thrones". Ou a recitar no idioma dos klingons, alienígenas de "Star Trek", o solilóquio "ser ou não ser" de "Hamlet" --"taH pagh taHbe", em klingon. Ou ainda a ler a escrita dos elfos da Terra Média criada por J. R. R. Tolkien. A loucura de um pode ser a obsessão de outro, mas a pergunta que muitos podem se fazer é: "por que diabos as pessoas gastam tempo aprendendo uma língua que não 'existe'?"

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Capa de "Klingon Hamlet": texto de Shakeaspeare a "Star Trek"

"Parte da motivação dessas pessoas é o desafio de dominar algo novo e difícil", disse ao UOL Paul Frommer, linguista da Universidade do Sul da Califórnia que criou o idioma na'vi, do filme "Avatar", para o diretor James Cameron. "Às vezes, há um fascínio pré-existente com línguas. O interesse vem de pertencer a uma comunidade de aprendizes e entusiastas."

Alguns autores se limitam a criar dialetos e gírias, como fez o escritor Anthony Burgess ao inventar o nadsat, vocabulário usado pelos personagens de "Laranja Mecânica". Mas, na ficção, existem idiomas que, de fato, foram criados com milhares de palavras, regras gramaticais e fonéticas. Entre eles, o na'vi.

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Personagens de "Avatar". Linguista estima que hoje existam entre 50 a 100 fãs fluentes em Na'vi, idioma que adquiriu cerca de 2 mil palavras

Segundo Frommer, idiomas dão verossimilhança a uma cultura inventada. Ele conta que, após o lançamento de "Avatar" em 2009, encontrou muitos fãs interessados em aprender o dialeto usado pelos gigantes azuis de Pandora, e o na'vi foi sendo expandido pelo linguista no seu blog, Learn Na'vi.

Ele estima que hoje o idioma tenha mais de 2.000 palavras e entre 50 a cem pessoas que se tornaram fluentes em sua fala e escrita. "Recebo constantemente e-mails escritos inteiramente em na'vi. Existem pessoas que sabem usar o na'vi de forma mais fluente e elegante do que eu mesmo", contou Frommer, que conversou com o UOL sobre o interesse das pessoas em línguas inventadas para a ficção.

UOL - A língua na'vi cresceu além dos limites de "Avatar" após o lançamento do filme. Quantas palavras e falantes existem hoje?

Paul Frommer - A comunidade de estudantes de na'vi é mundial. O site Learn Na'vi começou com fãs no lançamento do filme e hoje tem mais de 600 mil postagens em seus fóruns. Alguns posts são sobre a língua falada, mas a maioria é escrita [em na'vi]: textos, e-mails, ensaios, contos e poemas. O vocabulário de cerca de 2.000 palavras continua a se expandir aos poucos, com a comunidade dando sugestões. Eu determino quais inovações se tornam parte oficial do idioma, anuncio o novo vocabulário e explico as estruturas gramaticais no meu blog.

Quais os principais desafios de se criar um idioma que soe alienígena?

O na'vi não podia soar alienígena demais porque se presumia que o mecanismo de produção de som dos na'vi era muito semelhante ao dos humanos, para que os sons pudessem ser replicados por atores. James Cameron não quis nenhuma manipulação eletrônica nas vozes, o que limitou o quanto "de outro mundo" ele poderia ser. Para tornar o na'vi interessante, incluí nele um grupo de sons pouco encontrado em idiomas ocidentais, que eu anotei como "kx", "px", e "tx". Também incorporei combinações raras de sons. Como nas palavras  fngap, que significa "metal"; fpxäkìm, "entre"; skxo, "chance"; stxeli, "dom"; tskxe, "pedra"; tsngawvìk, "chorar", e atxkxe, "terra".

Como um idioma construído pode contribuir para a ficção, especialmente na ficção científica e fantasia?

Um idioma bem criado e linguisticamente plausível dá uma nova camada de autenticidade a um universo. No caso de "Avatar", James Cameron se esforçou muito para construir uma realidade alternativa convincente. Toda planta e árvore das florestas de Pandora, mesmo as que você vê por meio segundo no filme, tem um nome em inglês, em latim e em na'vi; assim como descrição da ecologia, reprodução e uso pelos na'vi. Portanto, ele não ia ignorar a língua. A estrutura está lá para quem quiser aprender, e até observadores casuais percebem sua diferença em relação a um idioma feito apenas com sons aleatórios.

Toda planta e árvore das florestas de Pandora, mesmo as que você vê por meio segundo no filme, tem um nome em inglês, em latim e em Na'viPaul Frommer

Por que você acha que as pessoas se sentem atraídas por aprender idiomas como o na'vi?

A quantidade de esforço que alguns fãs despendem para aprender línguas construídas me assombra e me deixa honrado. Mas acho que o mais gratificante é ouvir pessoas jovens dizerem que o na'vi lhes ensinou algo que não sabiam sobre sua própria língua materna, ou que não tinham interesse em idiomas, até o na'vi as terem incentivado a aprender um novo, como o japonês por exemplo. Essas respostas me deixam particularmente feliz.

O que você acha das outras línguas da ficção, como klingon, élfico e dothraki?

Nunca conheci Tolkien, mas me encontrei com o criador do klingon, Marc Okrand, e David Peterson, que fez o dothraki, em painéis de eventos nos quais discutimos nossos trabalhos. Marc e David me impressionaram muito com seu conhecimento, sua criatividade e suas línguas construídas.

Você está envolvido nos novos filmes de "Avatar" que James Cameron tem anunciado?

Fico feliz em dizer que estarei envolvido nas continuações de "Avatar". Foram anunciados três filmes, que serão rodados ao mesmo tempo. É importante lembrar que a relação entre cultura e idioma é algo que todas as línguas construídas precisam abordar. O vocabulário na'vi contém palavras correspondentes a conceitos importantes aos na'vi, como "meoauniaea", o "viver em comunhão com o mundo natural, harmonia". Também há termos honoríficos usados em cerimônias. Por exemplo: o termo comum para "você" é "nga", já em cerimoniais é usado o termo honorífico "ngenga". A língua também reflete a fisiologia dos na'vi. Há palavras para partes do corpo que os na'vi têm e os humanos não. Por exemplo "kxetse", que é "cauda", e "pil", que é "listra facial". E, como eles só têm quatro dedos em cada mão, o sistema matemático deles é baseado no oito, não no dez. Também existem provérbios que refletem a cultura na'vi. Por exemplo: Kxetse sì mikyun kop plltxe, que significa "não apenas escute as palavras, mas também ouça o que o corpo diz".

BRASILEIROS QUE FALAM ÉLFICO E KLINGON

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O palestrante Márcio Ávila: ensino didático de línguas élficas para os fãs

"Ao assistir aos filmes da Terra Média, eu ainda acho erros de pronúncia"

Em 2012, Márcio Ávila tinha uma dúvida simples: como pronunciar corretamente o nome do autor de "O Senhor dos Anéis" e "O Hobbit" J. R. R. Tolkien? A dúvida o levou a buscar aprender não um, mas dois tipos diferentes de élfico.

Com facilidade para aprender idiomas, Ávila já tem inglês, francês, italiano e alemão no currículo, e resolveu aprender quenya e sindarin, o primeiro uma língua arcaica, espécie de "latim élfico", e o segundo um élfico moderno, o que mais se ouve nos filmes de Peter Jackson. Ele então se tornou palestrante, ensinando as línguas a outros entusiastas.

"Estudando as duas línguas, fiz uma apresentação e uma apostila, de forma mais didática e com mais exemplos da parte que achei mais acessível para os fãs", contou Ávila. "Coisas como a pronúncia em élfico dos nomes dos personagens, dos locais e dos objetos que aparecem nos livros e filmes."

Segundo Ávila, a riqueza do élfico se dá porque o interesse de Tolkien era mais linguístico do que narrativo. Ele acredita que as línguas élficas e seu ideal de estética eram o mais importante para autor, para quem as histórias da Terra Média nada mais eram do que uma "desculpa" para que essas línguas tivessem um "lugar para viver". "Ele percebeu que uma língua só faz sentido se tiver um povo que a fale, uma história e um lugar, e daí surgiu o universo da Terra Média", conta Ávila. A obsessão de Tolkien também o levou a criar um alfabeto próprio, o tengwar.

Ávila lamenta as lacunas deixadas no élfico após a morte do escritor, em 1973. "Sem ele ou os elfos, não temos mais como tirar dúvidas ou aumentar nosso vocabulário. Não saberíamos namorar, xingar, usar tecnologias atuais, por exemplo, pois tudo isso não faz parte da cultura dos elfos. Restam alguns vestígios da pronúncia. Na internet, pode-se ouvir o próprio professor Tolkien recitando seus poemas em élfico."

O palestrante também atenta às pronúncias nas adaptações cinematográficas por Peter Jackson. "Ao ver várias e várias vezes os filmes com áudio original, eu ainda acho erros de pronúncia. Não por culpa dos atores ou dos treinadores, mas porque, em uma superprodução cinematográfica, tiveram que lidar com outros aspectos. Acho interessante como a atriz Liv Tyler conseguiu falar um feitiço em élfico segurando uma espada e montada em um cavalo. Nas minhas palestras, lembro à plateia que, se ela conseguiu, por que não nós?"

TOLKIEN RECITANDO POEMA ÉLFICO

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Roberson Caldeira: "Espero ter tempo de vida suficiente pra poder estudar Quenya, Taelon, Na'Vi..."

"Fui convidado pra fazer um discurso em klingon no casamento de amigos"

Dizer que o ator Roberson Caldeira é fã de idiomas não é o bastante. "Já estudei espanhol, italiano, francês, inglês, alemão e latim. Sou fluente em esperanto e consigo ler outros idiomas construídos, como ido, interlíngua e interlíngue", afirma ele.

Depois disso tudo, ir para o aprendizado do idioma klingon de "Star Trek" foi apenas um passo. "O idioma e a cultura klingon como um todo são parte importante da saga 'Star Trek', da qual sou fã desde pequeno", conta Caldeira, que é presidente da Federação dos Planetas Unidos, fã-clube sediado em Curitiba.

"Os fonemas são bastante guturais, o que força muito a garganta; nesse aspecto, o idioma mais próximo seria o árabe, porém não há analogia vocabular com nenhuma língua humana, o que dificulta a memorização das palavras e expressões. E o alfabeto klingon é uma dificuldade a mais", conta.

Quando questionado se saber klingon já teve alguma aplicação prática no seu dia a dia, o ator já tem resposta na ponta da língua: "Fui convidado pra fazer um discurso em klingon na futura cerimônia de casamento de amigos, obviamente tão nerds quanto eu", diverte-se. E ele defende que mesmo o tempo gasto em um idioma como o klingon não é perdido. "O aprendizado de qualquer língua ajuda no desenvolvimento das capacidades cognitivas em geral, e em especial na expressão linguística, o que acaba auxiliando no aprendizado de outras línguas, sejam elas naturais ou artificiais".

Caldeira diz que reconhece o klingon falado nas séries e no cinema e já tem suas frases favoritas. "'Hoje é um bom dia para morrer', ou 'Heghlu'meH QaQ jajvam', e, é claro, o 'ser ou não ser', de 'Hamlet'", cita o ator. "Espero ter tempo de vida suficiente pra poder estudar quenya, taelon, na'vi..."

Autor / Fonte: UOL

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