A missão do Ministério Público de Rondônia no combate aos gestores desleais



Texto e reportagem.:
Vinicius Canova
Entrevistas e fotografias.: Gregory Rodriguez
Imagens.: Ytalo Andrade
Arte de abertura.: Roberto Lamarão

Porto Velho, RO – O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (DPLP) é taxativo ao explicar o significado do vocábulo probidade: trata-se de um substantivo feminino que quer dizer observância rigorosa dos deveres, da justiça e da moral. Resumidamente, honradez.

Confira as partes subsequentes da série

19/10/2016 –
 Parte  II: Desvio de recursos impõe cárcere ao cidadão comum enquanto criminosos prosperam em liberdade

26/10/2016 – Final: Quando nunca chega o dia da caça

Voltada à seara administrativa, a palavra implica em honestidade e rigor na administração e/ou na função pública.

O caminho inverso desse código de conduta político-social denomina-se improbidade administrativa. É um termo corriqueiro em manchetes de noticiários brasileiros, mas a sociedade ainda o ignora, desconhecendo seu conceito e, principalmente, sem a mínima compreensão de seus efeitos devastadores.

Genericamente, a população compreende bem as implicações traduzidas na palavra corrupção. Entende que os males perpetrados por corruptos podem ser extremamente danosos e até mesmo irreversíveis. Mas as sequelas largadas pela improbidade administrativa, que é um ato ilegal e/ou contrário aos princípios basilares da Administração Pública e não um crime – apesar de geralmente ligado a pelo menos uma conduta criminosa – têm repercussão tão ou mais devastadora quanto os malefícios impostos pela corrupção em si.

Levando esse cenário em conta, o jornal eletrônico Rondônia Dinâmica começa a publicar, a partir desta quarta-feira (12), a série de reportagens especial sobre improbidade administrativa. O conteúdo expõe a visão das autoridades envolvidas no processo, de gestores que respondem ou já responderam ações dessa espécie, o impacto direcionado a setores essenciais tanto do Estado quanto dos municípios e a opinião do cidadão comum a respeito do assunto.


Alzir Marques: mais de 18 anos de experiência no setor de Probidade / Foto.: Ytalo Andrade (Rondônia Dinâmica)

O papel do MP/RO no combate à improbidade
 
Alzir Marques Cavalcante Júnior e Rogério José Nantes são promotores de Justiça e abordaram sob seus respectivos vieses a concepção dos atos ímprobos, suas causas e consequências. O primeiro assumiu o posto em 1992, passando a atuar no setor de Probidade a partir de 1998. Sua vasta experiência no ramo o credenciou a atuar, temporariamente, junto às Câmaras Especiais, ou seja, em decorrência disso encontra-se afastado por ora de sua função de origem.

Marques explicou que a improbidade administrativa é uma espécie de infração praticada pelo agente público a frente dos órgãos da administração direta, indireta e autarquias. Ela também implica em violação dos deveres de legalidade, probidade, honestidade e lealdade à instituição. Atualmente, de acordo com a jurisprudência, é necessário haver o dolo (intenção) para que seja configurada. 

Sobre os recursos financeiros perdidos no ralo da improbidade, o membro do Ministério Público de Rondônia (MP/RO) ressaltou que não existe um controle rigoroso que possa aferir com cem por cento de certeza os montantes escoados quando há desvio por parte dos gestores desleais. É muito difícil controlar esse vai e vem. A principal garantia de ressarcimento ao erário em relação aos danos ocorridos é quando ocorre a indisponibilidade de bens das pessoas. Porque, ainda segundo o promotor,  quando não são tomadas essas medidas de cautela é muito difícil reaver o dinheiro dispendido fora do seu local oficial de destinação após sentença transitada em julgado, ou seja, decisão sacramentada sem a possibilidade de recurso.

Cavalcante foi enfático ao dizer que, geralmente, os que incidem em práticas de improbidade tomam providências a fim de colocar seus bens em nomes de ‘laranjas’. Em decorrência disso, o Poder Judiciário tem cooperado com as solicitações do MP/RO, que frequentemente ingressa com as ações civis públicas já com pedido de indisponibilidade de bens ou de sequestro. Isso corrobora para a recuperação e ressarcimento pelo menos parcial do erário.

 “Não há controle no Estado de Rondônia e talvez nem em nível federal. Temos levantamentos desse tipo em algumas operações, como a Lava Jato, aí é realizado um aferimento de valores que escorrem e os que são restituídos”, disse.


Promotor diz que improbidade gera danos a setores essenciais da Administração Pública / Foto.: Ytalo Andrade (Rondônia Dinâmica)

Quanto às punições estabelecidas pela Lei nº 8.429/92, a Lei de Improbidade Administrativa (LIA), o autor dos desmandos está sujeito à: perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio; ressarcimento integral do dano, quando houver; perda da função pública; suspensão dos direitos políticos; pagamento de multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

A classe política, geralmente com alguns de seus membros privilegiados por conta do foro por prerrogativa de função, não escapa às sanções impostas pelo diploma legal e nem será julgada em outras instâncias judiciais.

“A Lei da Improbidade não tem foro privilegiado. A ação contra quem eventualmente exerça mandato eletivo corre perante o juízo de primeiro grau. Ele pode ser responsabilizado como qualquer agente público”, pontuou o promotor.

Tal qual a corrupção, os corolários da improbidade administrativa impactam diretamente setores essenciais da Administração Pública, a exemplo da Saúde, Educação e Segurança.

Alzir Marques compreende que esse é um aspecto importantíssimo relacionado à matéria e que por isso todos os Ministérios Públicos dão importância ao combate desse tipo de ilegalidade.

“Esse dinheiro que é desviado por improbidade em atos de rapinagem aos cofres públicos é valor retirado de outros setores. O valor poderia servir à Saúde, Educação, Segurança e outros. O ato de improbidade causa um dano muito grande à coletividade. Por conta dessa consequência indireta, desse efeito devastador. Toda vez que um ato ilícito é praticado a Administração Pública fica cada vez mais desguarnecida”, completou.

Já seu colega Rogério Nantes, que exerce a promotoria desde 2002, foi direcionado pelo então procurador-geral de Justiça Héverton Aguiar para compor o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), órgão auxiliar do MP/RO, onde atuou por quase quatro anos. Quando saiu, foi removido por merecimento à Promotoria de Probidade Administrativa, setor em que presta serviços há dois anos.

Nantes asseverou que nenhuma de suas ações de improbidade administrativa sequer chegou à fase de instrução na Justiça, ou seja, ao momento processual em que o juízo começa a avaliar as provas apresentadas para formar sua convicção a respeito do caso. Ele atribui a demora ao rito diferenciado apresentado pela LIA. Diferentemente de outras questões judiciais que correm na esfera cível, a ação de improbidade dá direito ao requerido – no caso, o agente público em questão – apresentar defesa prévia rechaçando as acusações imputadas a ele.

“Há casos de colegas que relatam uma demora exponencial nas notificações dessa fase preliminar. Dependendo do número de pessoas que são citadas, do lugar onde moram e outros fatores, só essa fase inicial, que nem pode ser considerada o processos em si,  pode levar de três a cinco anos. Isso causa frustração nas pessoas porque sabem que há uma ação civil pública, mas a repercussão e as consequências do fato acabam ‘morrendo’ com o tempo”, contou.



O representante do Parquet também fez ponderações acerca do controle do dinheiro que escorre a fundo perdido em atos de improbidade. A exemplo de Marques, ele admite que não há como controlar rigorosamente os déficits.

“É..., essa é a grande frustração do cidadão e nossa também. Esse problema é complicado. Vou citar um exemplo: imagine alguém que faça um serviço atribuindo a ele o valor de mil reais quando, na realidade, custa a metade.  Essa diferença tem de ser demonstrada, comprovada. Às vezes nós sabemos que houve improbidade. Temos certeza que existiu um ilícito praticado. Entretanto, para a Justiça não existe achismo. Muitas vezes não é possível quantificar esses valores”, relatou.

Em seu entendimento, a corrupção está sim intimamente ligada à improbidade administrativa porque na grande maioria dos casos o agente acaba levando alguma vantagem ilícita no processo, inclusive respondendo criminalmente pelo desmando.

Por outro lado, é preciso salientar que nem todo ato de improbidade implica em corrupção. Há uma espécie de improbidade que é a violação dos princípios da administração. Atualmente, os doutrinadores entendem que a corrupção passa a existir pelo simples fato de o gestor agir diferentemente do que se espera durante o exercício do cargo público. Por isso existe o princípio da legalidade, para que as práticas atendam aos fins da Administração Pública. A partir do momento em que o envolvido desvia as prerrogativas desse roteiro interpreta-se a manobra como corrupção.

Saúde Pública: um setor desgastado com funcionários desvalorizados

Conforme mencionado pelos integrantes do MP/RO, uma das maiores causas para que a máquina administrativa esteja emperrada e cheia de problemas que não cessam é justamente a improbidade administrativa. No caso da Saúde, setor mais do que essencial na Administração Pública, não é somente a população que sofre com o caos instalado há anos sem resolução.


Mesmo trabalhando em um sistema precário servidora se diz feliz por cuidar de vidas / Foto.: Sinderon

Os servidores são punidos diuturnamente com a desvalorização, a desorganização estrutural, falta de remédios e também são as maiores vítimas dos impropérios ditos pela sociedade que acaba descontando a raiva nas pessoas erradas.

A enfermeira Regiana da Silva Menezes Guimarães, que trabalha há 16 anos resguardando a vida de seres humanos, lamentou o fato de os funcionários públicos serem tão prejudicados. Ela, que trabalha na UPA da Zona Leste em Porto Velho e também no Cemetron, indicou que falta tudo: até mesmo remédios básicos como a Dipirona.


“Cada vez mais difícil atender nessa situação”, revela enfermeiro / Foto.: Sinderon

O mesmo entende Jerrimar Soares Montenegro, que também trabalha como enfermeiro.

“Não somos valorizados. Não há segurança, estrutura, enfim, nada. A população é bem atendida na medida do possível, mas oferecemos aquilo que dispomos. Estão faltando remédios e está cada vez mais difícil atender nessa situação. Sem contar como somos tratados pelo poder público”, avaliou.

O dinheiro no bolso de gestores desleais e seus compinchas é o que falta à população doente

Não são apenas os funcionários públicos e as estruturas físicas destinadas aos setores primordiais que padecem por conta da malversação do dinheiro que compõe o erário. A população, que enfrenta filas gigantescas para obter consultas; paga cifras homéricas em remédios prescritos e ainda é obrigada a lidar com situações de desrespeito e indiferença a cada unidade de saúde percorrida é ainda mais atormentada.


“Nós é que pagamos o ‘pato’”, desabafa o pequeno empresário / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Joelson Corrêa dos Santos, pequeno empresário de 46 anos, é natural do Pará e mora no Bairro Mariana em Porto Velho.  Para ele, avançar no setor da Saúde é a maior dificuldade para um gestor.

“Não sei se existe isso [Saúde]. Procuramos um posto de saúde e, ao chegarmos lá, está tudo quebrado ou faltando. É aquele bate e volta diário. Vamos atrás de saúde e voltamos para casa do mesmo jeito ou pior. A má administração é responsável por isso, mas nós que sofremos e pagamos o ‘pato’”, desabafou.

Joelson não sabe dizer exatamente o conceito de improbidade administrativa, assim como os demais entrevistados, mas descreve perfeitamente a consistência do termo ao responsabilizar os agentes públicos e ressaltar que as consequências do ato ímprobo recaem nos ombros da sociedade.


Aposentada não sabe o que é improbidade administrativa, mas sente seus efeitos devastadores / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Da mesma forma pensa a aposentada Juraci Maria Rafael, que mora em Rondônia há mais de 40 anos dos seus 65 de existência. Residente do Barro Lagoinha, ela contou que, a exemplo de Corrêa, não sabe o que é improbidade administrativa, mas tem consciência de que seja algo muito ruim e que, ainda que não tenha ideia exata do que representa, a repercussão atinge tanto ela quanto seus semelhantes.

“A unidade está abandonada. Está aí para ser inaugurada há tempos e até agora nada. A situação da Saúde é difícil. Nós vamos aos postos e não nos atendem. Esses tempos passei mal e não quiseram me atender. Quando atendem, demoram muito. Precisamos de dignidade”, argumentou.


Unidade de Saúde do Bairro Três Marias: abandono com justificativa oficial / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Antes de conversar com Juraci, a reportagem flagrou o abandono total da Unidade de Saúde do Bairro Três Marias. A placa de inauguração é emblemática: destruída e jogada no chão assim como as demais estruturas da área da Saúde – seja do Estado ou do Município – em Porto Velho.


Placa é o retrato fiel do descaso com a coisa pública / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Nela, consta a informação de que a obra deveria ter sido entregue em 60 dias; resumidamente, os munícipes deveriam estar usufruindo da unidade desde dezembro do ano passado. No áudio abaixo, o secretário municipal de Saúde Domingos Sávio Fernandes de Araújo explicou a situação.


Secretário municipal confessa: não há previsão para entrega da Unidade Três Marias / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Ouça:



Aos 68 anos, o funcionário público Nelson Secundino de Souza, natural da Paraíba, foi honesto:

“Olha, não vou responder porque não sei o que é [improbidade administrativa]. Eu sei por cima, mas para explicar fica difícil. Sei que é coisa errada”, apontou.


“Sei que é coisa errada”, salienta o funcionário público sobre improbidade / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Sem saber, assim como os outros entrevistados, Secundino acertou em cheio. Em relação à Saúde, foi sincero também relatando estar ‘um pouco desligado’ do assunto. Entretanto, disse que, pelo que vê e o que ouve através da mídia e de conversas entre amigos, o setor vai mal no Brasil inteiro e não só no Estado de Rondônia e no Município de Porto Velho.

“A má administração tem tudo a ver com isso. As pessoas, no caso, os gestores, não levam a sério o dinheiro público.  Tem que parar esse jogo de partilha de poder. Uma das mãos lavando a outra e assim por diante”, concluiu.


 Desempregado aponta o sofrimento vivenciado por servidores da Saúde por incompetência de gestores / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

Desempregado aos 36 anos, Sérgio Eduardo Storer, morador do Bairro Igarapé, explicou com suas palavras o que é improbidade administrativa.

“Tem a ver com o dinheiro que político pega desviando para o bolso dele, mais ou menos. Sei que o dinheiro vai embora. Trabalhamos o ano todo e durante meses só para pagar impostos. E essas melhorias que deveriam vir através dos nossos impostos não são vistas. Político acaba pegando esse dinheiro, roubando”, indicou.

Para Storer, o setor da Saúde é muito precário. Já passou mal várias vezes e foi obrigado a procurar um posto. De acordo com ele, sempre mal tratado ou obrigado a suportar grandes empecilhos para obter o atendimento necessário.

“Às vezes culpamos o funcionário que está ali pra fazer o serviço dele, mas o Município e o Estado não dão ferramentas para que possam trabalhar com qualidade. Isso reflete no atendimento”, anotou.


”Está tudo um caos”,  considera o porteiro acerca da Saúde Pública / Foto.: Gregory Rodriguez (Rondônia Dinâmica)

O agente de portaria Waldomiro Rodrigues Moraes, de 63 anos, nasceu no Piauí, mas mora em Rondônia há 28 anos atualmente residindo no Bairro Aponiã.

“Não sei o que é [improbidade administrativa]. Tudo que sei é que estão gastando à toa, dinheiro indo para qualquer lugar, menos para onde deveria ir, né? Tem muita coisa errada e ficando pior pra gente. Os aposentados sofrem, não há mais tantos direitos. É preciso que os gestores sejam vigiados”, disse.

Rodrigues informou ainda que, na sua visão, a Saúde não vai bem.

“ Os agentes comunitários nos abandonaram. Trabalham quando querem. Algumas coisas são boas, claro. Meus filhos, por exemplo, trabalham na Saúde. Sei através deles que está tudo um caos, difícil de aguentar. As pessoas são jogadas de qualquer jeito de um lado para o outro. Não é mais como antigamente. Na minha terra, o Piauí, tínhamos uma Saúde boa, de resultados práticos”, finalizou.

Na próxima quarta-feira (19) será publicada a segunda parte da série sobre improbidade administrativa com depoimento de um membro do Poder Judiciário de Rondônia e declarações de servidores e cidadãos sobre a Segurança Pública.

 

 

 

Autor / Fonte: Vinicius Canova / Rondoniadinamica

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